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Novo presidente do Cade defende punir criminosos e poupar empresas

Alexandre Cordeiro de Macedo quer colegiado com menos integrantes e mais servidores para acelerar julgamento de cartéis

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Brasília

Depois de seis anos de atuação no Cade (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência), Alexandre Cordeiro de Macedo assumiu, no dia 12 de julho, a presidência da autarquia.

Ele ficará quatro anos à frente do órgão que julga fusões e aquisições de empresas e casos de abuso de poder econômico, como os cartéis.

Com histórico no órgão —ele foi um dos sete conselheiros do tribunal e exerceu a Superintendência-Geral (SG) por dois mandatos (quatro anos no total)—, Macedo contou com forte apoio de congressistas, que o indicaram para a chefia do Cade para o presidente Jair Bolsonaro.

Alexandre Cordeiro de Macedo assumiu a presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) no dia 12 de julho
Alexandre Cordeiro de Macedo assumiu a presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) no dia 12 de julho - Ascom - 7.mai.19/Cade

Macedo é tido como um técnico do PP, o partido do senador Ciro Nogueira (PI), aliado do presidente.

A SG é a porta de entrada para as empresas no Cade, um balcão onde registram operações de compra e venda ou denunciam práticas anticompetitivas e desvios de mercado.

À Folha Macedo afirma que defende uma reestruturação do órgão, que terá seu papel investigativo fortalecido. Sua intenção é ainda dar mais recursos para que empresas lesadas por cartéis possam ir à Justiça exigindo indenizações.

O que o sr. pretende mudar no Cade? Não concordo com agentes públicos deixarem marcas na administração, defenderem causas, porque parece que substituem o interesse público pela sua vontade. Pretendo apenas deixar o Cade mais fortalecido.

Como? Fazendo alterações legislativas que possam aumentar a capacidade investigativa do Cade. Alguns projetos de lei em andamento no Congresso já preveem a mudança até de estrutura do colegiado, da relação entre a esfera pública e privada para reparação de danos, por exemplo. A estrutura investigativa precisa ficar mais independente dos acordos de leniência. O Cade precisa ficar mais antenado para outras ferramentas que não sejam a da colaboração [dos envolvidos].

Quais serão essas mudanças? Pretendem ampliar o quadro de servidores, por exemplo? Temos um limite de recursos de pessoal, de técnicos e de ferramentas de investigação. Quanto mais amplia isso, melhor. Conseguimos receber mais casos, mais denúncias.

De que ferramentas o sr. fala? Tecnologia. De computação, de inteligência.

Um dos projetos de lei em andamento reduz o número de integrantes do conselho. O senhor concorda com ele? Sim. Esse projeto muda de sete para quatro integrantes com um presidente [cinco no total]. Também cria a figura do double damage [prejuízo dobrado] preservando a regra de ouro dos acordos de leniência [espécie de delação premiada das empresas], que é jamais permitir que o colaborador fique em situação inferior àquela de quem não colaborou [empresa que entregou os detalhes do cartel de que fez parte fica livre de sanções].

Quem for condenado pelo Cade terá de pagar uma penalidade, mas vamos disponibilizar as provas do ilícito para que civis possam exigir na Justiça os valores pagos a mais [devido ao sobrepreço atrelado à atuação dos cartéis], o chamado double damage.

O Cade se prepara para julgar os primeiros casos envolvendo os cartéis investigados na Operação Lava Jato. Isso vai ocorrer em meio à campanha eleitoral. Não há risco de uso político dessas decisões, especialmente após a decisão do STF que anulou os processos contra o ex-presidente Lula? Existem uns 15 processos da Lava Jato aqui, alguns transformados em processos administrativos, com acordos firmados. A perspectiva é que estejam maduros para julgamento [pelo conselho] no próximo ano. Pode ser que ainda neste ano. Nosso objeto de investigação é o cartel, e não outros indícios. Portanto, a persecução na Lava Jato não resta contaminada por outras questões.

Como qualificar um cartel em que a própria contratante, no caso a Petrobras, combinava as regras do jogo ilícito? Em boa parte, o cartel em licitação conta com a participação de um ente público. O problema é que as pessoas que compõem o ambiente público têm vício moral, tomam decisões que podem prejudicar o ente público. Então, um agente elabora um edital em conluio com as empresas que vão participar da disputa. Quem é prejudicado? A administração pública, que vai pagar. No entanto, quem armou foi um agente que tinha a obrigação de defender interesses da administração e agiu com desvio de finalidade na formação do cartel.

Na Lava Jato, nem todos os cartéis contaram com a participação da Petrobras ou da administração pública. Há diversos casos em que ela foi vítima. A licitação foi feita com a combinação [prévia] de quem participaria, quem ganharia. [Essa negociação] Foi totalmente privada.

A Petrobras e o erário conseguiram reaver cerca de R$ 6,5 bilhões em ressarcimentos e indenizações. As empresas que se envolveram nos cartéis perderam dez vezes mais. Quase todas entraram em recuperação judicial, reduziram sua atuação, demitiram funcionários. O Cade vai então penalizar os criminosos e poupar as companhias ao aplicar multas e sanções nos processos da Lava Jato? A tendência mundial é essa, uma preservação da empresa e uma apenação da pessoa física, que efetivamente comete o ilícito. A pessoa jurídica é uma entidade, não tem vida por si só. Ao fazer uma persecução da pessoa física, ela vai carregar esse ônus.

O que ocorre é que, hoje, um executivo passa por uma empresa, comete um ilícito, sai e vai para outra. Esse agente tem uma conduta contrária à da empresa porque quer maximizar seus ganhos. Num primeiro momento, a empresa até ganha [com o ilícito], mas no longo prazo se prejudica.

O foco, no Brasil e no mundo, é buscar a responsabilização da pessoa física. Isso não quer dizer que a pessoa jurídica não deve ser punida, porque cabe a ela a obrigação de vigiar. Mas a dosagem dessa punição precisa ser calibrada para preservar a empresa e os empregos.

Esta será a postura do Cade nos casos da Lava Jato? Não posso falar pelos conselheiros. Mas eu acho que deveria ser a postura do Cade.

O pagamento de uma multa para a pessoa física parece pouco para dissuadir de futuras contravenções. Há outras penalidades mais fortes? Julgamos questões administrativas, mas existem penas alternativas [além de multas], como a proibição de contratar com a administração pública, do exercício do comércio, veto ao recebimento de incentivos fiscais e econômicos, inscrição em cadastros de consumidores.

Podemos até fazer publicações em jornais de grande circulação com a sentença do condenado, uma espécie de mural da vergonha. Essas são penas muitas vezes mais efetivas.

O Cade já fez estudos que interferiram em decisões do Congresso sobre aplicativos de transporte, por exemplo, e recomendações para ajudar na redução do preço do diesel, estopim das ameaças de paralisações de caminhoneiros. É papel do órgão essa atuação política, especialmente em um momento como o atual? O caso dos combustíveis é de 2018 e não tinha ali nenhum condão de fazer um estudo para o governo.

O acordo com a Petrobras [que levou à abertura do mercado de refino de combustível para forçar a queda do preço] não teve a ver com questões políticas. Foi um Termo de Cessão de Conduta [TCC] assinado a partir de um inquérito, de 2017, que apurava possíveis ilícitos praticados pela estatal.

Este acordo gerou um marco histórico. A Petrobras se comprometeu a vender metade de suas refinarias.

O monopólio acabou desde 1990, mas existia de fato até a celebração desse acordo tanto para combustíveis quanto para o gás. O Cade quer a competição, é a única coisa que pode fazer o preço dos combustíveis diminuírem.

Nos últimos quatro anos, firmamos mais de 110 acordos desse tipo. A empresa chega ao Cade e decide colaborar nas investigações sobre o suposto ilícito [praticado por ela]. Em troca, reduzimos multas e a parte se compromete a não praticar mais a conduta.

No passado, houve intensas discussões no Cade em torno de grandes fusões e aquisições, como Bovespa e Cetip, XP e Itaú, Kroton e Anhanguera, dentre outras. Agora teremos o fatiamento da operadora Oi pelas três concorrentes e a fusão da Localiza com a Unidas. É uma tendência no Cade permitir mais concentração de mercado em torno de poucas mas grandes empresas? Não posso falar de casos concretos. De forma geral, existe uma tendência global de concentração em todos os mercados.

Alguns funcionam melhor com menos [competidores]. Nesses casos, o que precisamos verificar é se existe rivalidade entre eles. Quanto menor o número de empresas, maior a preocupação em relação a essa rivalidade.

Um mercado com poucas empresas não é, necessariamente, algo ruim. Nas residências, por exemplo, só existe uma empresa que faz os interruptores, as linhas de energia, de água, são os chamados monopólios naturais, por causa do investimento na infraestrutura. Imagine se três empresas saíssem espalhando cabos ou dutos por todos os lados.

Com a abertura do mercado de gás, o governo estuda abrir essas redes de infraestrutura, cabos elétricos, dutos, por exemplo, para que sejam usados por qualquer prestador de serviço. O cliente residencial escolheria receber o gás que fosse mais barato em sua residência não importando em que duto passaria o combustível. Qual a garantia de que agora será diferente e haverá livre acesso? Este é o pivô do TCC [Termo de Cessação de Conduta] do gás assinado com a Petrobras [a estatal não poderá barrar o acesso a seus dutos].

Antes você tinha a Petrobras produzindo o gás, transportando e distribuindo. Se a Shell quisesse, como iria fazer? O Cade, por uma decisão técnica e não política, decidiu desverticalizar esse mercado determinando que a Petrobras ficasse somente na produção.

As big techs, como Google, Netflix, Facebook, precisam de regulação ou o Cade vai atuar, como em outros países, para impor freios? O Cade não fará regulação, isso é uma decisão política. Só há intervenção do Cade quando ocorre abuso de posição dominante.

O senhor sofre críticas por ter participado de eventos promovidos por big techs no exterior. Isso não enfraquece sua atuação em casos concretos contra essas empresas? Tenho nenhuma proximidade com essas empresas. O que tenho é um trabalho acadêmico com uma universidade americana. O que ela faz ou a relação dela com essas empresas não me interessa e eu nunca fui buscar isso. Essa história é um completo absurdo.

Alexandre Cordeiro de Macedo, 43
Formado em direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília (2006) e Economia pelo Centro Universitário de Brasília (2001), é presidente do Cade. Foi analista de finanças da CGU (Controladoria-Geral da União), conselheiro e superintendente-geral da autarquia ​

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