Contribuinte tentará driblar mudanças, e ganho com dividendo será menor, prevê fisco

Cálculos estimam em três anos uma redução de 21,7% ante previsão anterior para nova tributação de pessoas jurídicas

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São Paulo

Em pouco mais de duas semanas, o governo reduziu suas estimativas para a arrecadação com lucros e dividendos na proposta de reforma tributária, cuja segunda etapa prevê mudanças no Imposto de Renda, e agora considera que o contribuinte tentará se antecipar ao novo modelo.

A previsão de arrecadação com distribuição de lucros e dividendos teve uma queda considerável em comparação com a que estava previsto na entrega do projeto. Pelo texto divulgado nesta segunda-feira (12), a Receita conta com uma alteração no comportamento do contribuinte e a menor distribuição de lucros e dividendos.

A cobrança de imposto sobre lucros e dividendos é uma das principais fontes de embate entre a pasta do ministro Paulo Guedes, empresários e representantes do mercado financeiros.

Pela proposta do governo, haverá redução do IR de empresas em 2,5 pontos percentuais por dois anos, ao mesmo tempo que será colocada a taxação de 20% em lucros e dividendos.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, conversa com o ministro Paulo Guedes (Economia), ambos de máscara, na Câmara dos Deputados
O presidente da Câmara, Arthur Lira (esq.), recebe a Reforma Tributária de Paulo Guedes - Pedro Ladeira - 25.jun.21/Folhapress

A regra prevê isenção de imposto de renda sobre lucros e dividendos até o limite de R$ 20 mil por mês, o que beneficiaria empresas de menor porte. Há cerca de duas semanas, quando o texto da reforma foi entregue, ele fazia estimativas de arrecadação de R$ 18,5 bilhões no ano que vem, R$ 54,9 bilhões em 2023 e R$ 58,2 bilhões em 2024.

No novo texto, a Receita agora prevê uma arrecadação de dividendos para pessoas físicas residentes no país de R$ 10,6 bilhões no ano que vem, de R$ 32,2 em 2023 e de R$ 34,1 bilhões em 2024 e, respectivamente, de R$ 3,6 bilhões, R$ 11 bilhões e R$ 11,6 bilhões (para dividendos enviados ao exterior).

As previsões anteriores para 2022, 2023 e 2024 somavam R$ 131,6 bilhões —agora, a soma é de R$ 103,1 bilhões, queda de 21,7%.

"Foi adotado como premissa que a tributação dos dividendos provocará alteração no comportamento dos contribuintes, no sentido de reduzir o volume atualmente distribuído", diz o documento da Receita.

De acordo com o texto, não é possível estimar a magnitude da alteração na cobrança de dividendos no comportamento do contribuinte. Ainda assim, eles reconhecem que é preciso considerar que os contribuintes devem legalmente e racionalmente evitar a tributação.

Nesse sentido, o governo agora tenta refletir uma mudança de comportamento do contribuinte em suas novas estimativas e estima que as empresas pequenas irão reduzir muito a distribuição de dividendos, enquanto as grandes terão uma redução menor.

"É de se esperar que, no limite, todo contribuinte que tiver disponibilidade financeira e/ou capacidade de se financiar com terceiros irá efetuar a distribuição do lucro acumulado passível de ser distribuído como dividendo ainda em 2021", diz também o texto.

"Estão considerando que os contribuintes, cientes da nova regra, se anteciparão e distribuirão mais dividendos em 2021, para evitar tributar dividendos acumulados em 2022, e mudarão suas regras de remuneração dos acionistas no futuro", explica o tributarista Breno Vasconcelos, sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos​.

Para Daniel Loria, pesquisador do Insper, a medida fará com que as empresas não represem lucros para 2022. "Os bancos já estão colocando terror nas empresas para elas se livrarem dos dividendos. Mas estaria aumentando o índice de alavancagem em geral."

Parte dos economistas defende a necessidade de taxação de lucros e dividendos, ao lembrar que o Brasil é um dos poucos países que não ainda não cobram.

Guedes também argumenta que a tributação de dividendos é uma forma de reduzir os impostos pagos pelas empresas e por assalariados. "Não tem problema nenhum ser rico, não pode ter vergonha de ser rico. Tem de ter vergonha de não pagar imposto", disse o ministro na última semana, ao defender que o imposto deve ser baixo para quem reinvestir na empresa.

"Isso eleva a carga sem contrapartida, torna o sistema tributário ainda mais complexo e desestimula os empresários a alocarem recursos nas empresas", rebate Gilberto Luiz do Amaral, do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação).

Uma estimativa do instituto feita para a Folha previa um aumento de carga tributária para grandes e médias empresas de até 71,5%. A proposta de mudança também foi discutida em um encontro do ministro Guedes com representantes de setores empresariais na última sexta-feira (9).

Entre os analistas, causou espanto que a primeira versão do projeto tenha sido entregue ao Congresso com estimativas tão distantes dos novos cálculos apresentados agora.

A nova previsão da Receita é de um aumento total da arrecadação com a reforma do IR. Ao entregar o projeto ao Congresso, no último dia 25, o fisco previa que o impacto seria de R$ 1,9 bilhão entre 2022 e 2024. Na projeção atual, o ganho foi revisado para R$ 6,15 bilhões.

Vasconcelos, que também é pesquisador do Insper e da FGV (Fundação Getulio Vargas), completa que o argumento do governo de que depende do aumento de receitas para reajustar os benefícios do programa Bolsa Família contradiz o que o próprio governo defende no projeto de lei.

"Na exposição de motivos, está explicitado que haveria efeito neutro na arrecadação. Agora, o governo argumenta que uma eventual redução na alíquota na taxação de lucros e dividendos, de 20% para 15%, como querem empresários e congressistas, pode afetar o valor pago aos beneficiários do programa."

Procurada para comentar a revisão nos cálculos e os efeitos da reforma, a Receita ainda não havia retornado.

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