Descrição de chapéu The New York Times

Vítimas de acidentes com carros da Tesla culpam piloto automático

Empresa diz que tecnologia torna carros mais seguros

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Neal E. Boudette
Nova York | The New York Times

Benjamin Maldonado e seu filho adolescente estavam voltando de carro de um campeonato de futebol em uma rodovia da Califórnia, em agosto de 2019, quando um caminhão na frente deles reduziu a velocidade. Maldonado acionou o pisca-pisca lateral e desviou à direita. Em segundos, sua caminhonete Ford Explorer foi atingida por um Tesla Model 3 que trafegava a cerca de 96 km/h com o Autopilot.

Um vídeo de seis segundos gravado pelo Tesla e dados que ele registrou mostram que nem o Autopilot —o sistema muito elogiado pela Tesla, que dirige, freia e acelera um carro por conta própria— nem o motorista reduziram a velocidade do veículo até uma fração de segundo antes do choque. Jovani Maldonado, 15, que estava no banco do passageiro e não usava o cinto de segurança, foi atirado para fora do Explorer e morreu, segundo o boletim policial.

O acidente, que ocorreu a 6,5 quilômetros da fábrica principal da Tesla, é hoje o motivo de um processo contra a companhia. É um dentre o número crescente de casos envolvendo o Autopilot que aumentam a preocupação sobre falhas da tecnologia, e poderá pôr em xeque o desenvolvimento de sistemas semelhantes usados por outros fabricantes. Conforme os carros assumem mais tarefas antes feitas por seres humanos, o desenvolvimento desses sistemas poderá ter grandes consequências —não só para os motoristas dos carros, mas para outros motoristas, pedestres e ciclistas.

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Benjamin Maldonado, sua esposa Adriana Garcia e seus filhos Benjamine e Xitlali Raya, em sua casa. Eles seguram um retrato do filho Jovani, 15, morto em um acidente envolvendo um carro com autopilot da Tesla - Jim Wilson - 28.jun.2021/The New York Times

A Tesla, fundada em 2003, e seu executivo-chefe, Elon Musk, têm desafiado com ousadia a indústria de automóveis, atraindo fãs e clientes dedicados e criando um novo padrão para veículos elétricos que outras marcas estabelecidas estão aceitando. A companhia vale mais que várias grandes automotivas somadas.

Mas os acidentes envolvendo o Autopilot poderão ameaçar a posição da Tesla e obrigar os reguladores e tomar medidas contra ela. A Administração Nacional de Segurança no Tráfego Rodoviário tem cerca de duas dúzias de investigações ativas sobre acidentes envolvendo o Autopilot.

Pelo menos três motoristas de Teslas morreram desde 2016 em acidentes em que o Autopilot estava ativo e falhou em detectar obstáculos na via. Em dois casos, o sistema não freou para reboques de trator que cruzavam estradas. No terceiro, ele falhou em reconhecer uma barreira de concreto. Em junho, a agência federal de segurança no tráfego divulgou uma lista mostrando que pelo menos dez pessoas foram mortas em oito acidentes envolvendo o Autopilot desde 2016. A lista não inclui o acidente que matou Jovani Maldonado.

A credibilidade da Tesla sofreu um golpe, e alguns especialistas em condução autônoma dizem que é difícil não questionar outras alegações feitas por Musk e a companhia. Por exemplo, ele disse várias vezes que a Tesla estava perto de concluir o aperfeiçoamento da tecnologia Full Self Driving, que permitiria que carros trafegassem de forma autônoma na maioria das circunstâncias —algo que outras empresas de carros e de tecnologia disseram que está a anos de distância.

Musk e a Tesla não responderam a vários pedidos de comentários.

O Autopilot não é um sistema de condução autônomo. É sobretudo um conjunto de software, câmeras e sensores destinados a ajudar os motoristas e evitar acidentes, ao assumir vários aspectos da condução de um carro —até mesmo na mudança de faixas de rodagem. Executivos da Tesla afirmaram que entregar essas funções a computadores tornará a condução mais segura, porque motoristas humanos são propensos a erros e distrações e causam a maioria das cerca de 40 mil fatalidades de trânsito anuais nos Estados Unidos.

"Os computadores não verificam o Instagram" enquanto dirigem, disse o diretor de inteligência artificial da Tesla, Andrej Karpathy, no mês passado em um workshop online sobre condução autônoma.

Enquanto o Autopilot está no controle, os motoristas podem relaxar, mas não devem "desligar". Em vez disso, devem manter as mãos no volante e os olhos na pista, prontos para assumir caso o sistema fique confuso ou falhe em reconhecer objetos ou uma situação perigosa no tráfego.

Mas com pouco a fazer além de olhar à frente alguns motoristas parecem incapazes de resistir à tentação e deixam a atenção vagar enquanto o Autopilot está ligado. Vídeos que foram postados no Twitter e em outros lugares mostram motoristas lendo ou dormindo enquanto dirigem carros Tesla.

A empresa muitas vezes acusou os motoristas, culpando-os em alguns casos por não manterem as mãos no volante e os olhos na estrada enquanto usam o Autopilot.

Mas o Conselho Nacional de Segurança no Transporte, que concluiu investigações de acidentes envolvendo o Autopilot, disse que o sistema carece de proteções para evitar o mal uso e não monitora efetivamente os motoristas.

Sistemas semelhantes oferecidos pela General Motors, Ford Motor e outros fabricantes usam câmeras que acompanham o olhar do motorista e emitem avisos quando ele se desvia da estrada. Após algumas advertências, o sistema Super Cruise da GM desliga e exige que o motorista assuma o controle.

O Autopilot não segue os olhos do motorista e só monitora se suas mãos estão no volante. O sistema às vezes continua operando mesmo quando o motorista deixa as mãos no volante por apenas alguns segundos.

"Esse sistema de monitoramento é fundamentalmente fraco, porque é fácil enganá-lo e não monitora de forma consistente", disse Raj Rajkumar, professor na Universidade Carnegie Mellon que se dedica à tecnologia de condução autônoma.

A revista Consumer Reports disse em maio que um de seus engenheiros conseguiu ligar o Autopilot em um Tesla e passar para o banco traseiro enquanto o carro continuou andando. A Patrulha Rodoviária da Califórnia disse em maio que prendeu um homem que saiu do banco do motorista de seu Model 3 enquanto o carro estava em movimento.

O Autopilot também pode ser usado em ruas urbanas, onde cruzamentos, pedestres e tráfego contrário tornam mais difícil a condução do que em rodovias. O Super Cruise da GM funciona só em estradas de duas pistas.

Mas Musk com frequência defende o Autopilot. A companhia citou suas próprias estatísticas para afirmar que carros com o sistema ligado se envolvem em menos acidentes por quilômetro que outros carros. Na última quinta-feira (1º), ele escreveu no Twitter que "acidentes com o Autopilot estão ficando mais raros".

A Administração Nacional de Segurança no Tráfego Rodoviário não obrigou a Tesla a modificar ou desligar o Autopilot, mas em junho disse que exigirá que todos os fabricantes relatem acidentes envolvendo esses sistemas.

Vários processos legais foram abertos contra a Tesla só neste ano, incluindo um em abril na Flórida sobre um acidente em 2019 em Key Largo. Um Tesla Model S com Autopilot não parou em um cruzamento em T e se chocou com um Chevrolet Tahoe estacionado no acostamento, matando Naibel Leon, 22. Outro processo foi movido na Califórnia em maio por Darel Kyle, 55, que sofreu grave ferimento na coluna vertebral quando um Tesla controlado por Autopilot bateu em marcha a ré na van que ele dirigia.

O choque que matou Jovani Maldonado é um caso raro em que o vídeo e os dados do carro da Tesla foram disponibilizados. O advogado dos Maldonado, Benjamin Swanson, os obteve com a Tesla e compartilhou com The New York Times.

Benjamin Maldonado e sua mulher, Adriana Garcia, moveram um processo no tribunal superior do condado de Alameda. Sua queixa afirma que o Autopilot contém defeitos e falhou em reagir às condições de tráfego. O processo também cita como réus o motorista do Tesla, Romeo Yalung, de Newark, na Califórnia, e sua mulher, Vilma, que é a proprietária do carro e estava no banco do passageiro na frente.

Yalung e seu advogado não responderam a pedidos de comentários. Ele e sua mulher, que não sofreram ferimentos no acidente, ainda não responderam à queixa da família Maldonado no tribunal.

Em documentos judiciais, a Tesla ainda não respondeu às denúncias de que o Autopilot funcionou mal ou tem defeitos. Em emails à firma de Swanson que foram usados como provas no tribunal, um advogado da Tesla, Ryan McCarthy, disse que o motorista, e não a Tesla, tem a responsabilidade.

"A polícia pôs a culpa no motorista —e não no carro— pela desatenção e sua condução em velocidade insegura", escreveu McCarthy. Ele não respondeu a emails pedindo comentários.

Maldonado trabalha para a PepsiCo, entregando bebidas a comerciantes. A família, que inclui outras duas crianças, vive em San Lorenzo, a cerca de 24 km ao norte de Fremont.

Respondendo por escrito a perguntas, Maldonado disse que ele e sua mulher estavam arrasados, sem condições de dar entrevista. "Estamos vivendo um dia de cada vez", disse. "Há muita tristeza lá dentro. Nós fazemos caminhadas em família e tentamos fazer coisas juntos, como ir à igreja. Há um buraco enorme na família."

Maldonado descreveu seu filho como um segundanista do colegial que gostava de cantar e pretendia fazer faculdade. Seu sonho era se tornar um jogador de futebol profissional e comprar uma casa para os pais. "Como qualquer filho agradecido, ele queria cuidar de seus pais como nós cuidamos dele", disse Maldonado.

Os dados e o vídeo permitem uma visão detalhada de como o Autopilot operou nos segundos anteriores ao choque. Os veículos Tesla registram constantemente clipes curtos das câmeras voltadas para a frente. Se ocorrer uma batida, o vídeo é automaticamente salvo e carregado nos servidores da Tesla, disse uma autoridade da empresa em emails incluídos no processo por Swanson.

O vídeo salvo pelo carro que Yalung dirigia mostra-o passando por veículos à direita e à esquerda. Quatro segundos antes do impacto, Maldonado ligou o pisca-pisca. Ele piscou quatro vezes enquanto seu Explorer estava na faixa original. Uma quinta piscada ocorreu enquanto a caminhonete mudava de faixa. Em documentos no processo, Maldonado disse que percebeu o Tesla se aproximando rapidamente pelo retrovisor e tentou voltar à faixa.

Na maior parte do vídeo, o Tesla manteve uma velocidade de 110 km/h, mas pouco antes do impacto aumentou para 112 km/h e depois reduziu no último segundo, de acordo com dados do carro.

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Imagem fornecida por Benjamin Swanson mostra a caminhonete dirigida por ele em uma rodovia da Califórnia segundos antes de ser atingida por um Tesla Model 3 - Benjamin Swanson via The New York Times

Rajkumar, da Carnegie Mellon, que revisou o vídeo e os dados a pedido do Times, disse que o Autopilot pode ter falhado em frear diante do Explorer porque as câmeras do Tesla estavam de frente para o sol ou foram confundidas pelo caminhão à frente do Explorer. O Tesla também estava equipado com um sensor de radar, mas este parece não ter ajudado.

"Um radar teria detectado a caminhonete e evitado a colisão", disse Rajkumar em um email. "Por isso os dados do radar provavelmente não estavam sendo usados."

A caminhonete de Maldonado rolou e bateu em uma barreira, disse o boletim policial. Ele teve o para-brisa quebrado, o teto amassado, e o eixo traseiro se soltou. O Tesla teve o teto e a frente amassados, o para-choque parcialmente solto e o para-brisa rachado.

Jovani Maldonado foi encontrado caído de face para baixo no acostamento da rodovia Interestadual 880, numa poça de sangue.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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Altar na casa da família em San Lorenzo, Califórnia, para Jovani Maldonado - Jim Wilson - 28.jun.2021/The New York Times
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