Descrição de chapéu The New York Times

As pessoas agora passam mais tempo na Amazon do que no Walmart

A maior companhia de comércio eletrônico fora da China destronou a maior cadeia de varejo físico

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Karen Weise Michael Corkery
Seattle (EUA) | The New York Times

A Amazon eclipsou o Walmart e se tornou o maior grupo mundial de varejo, fora da China, de acordo com dados empresariais e setoriais, o que representa um marco na transição do comércio físico para o comércio online, que mudou a maneira pela qual as pessoas compram toda espécie de coisas, de biscoitos a ursos de pelúcia.

Propelidos em parte pela alta da demanda surgida com a pandemia, os consumidores gastaram mais de US$ 610 bilhões (R$ 3,2 trilhões) na Amazon nos 12 meses até junho, de acordo com estimativas de Wall Street compiladas pelo grupo de pesquisa financeira FactSect. Na terça-feira (17), o Walmart anunciou faturamento de US$ 566 bilhões (R$ 3 trilhões) nos 12 meses encerrados em junho.

O gigante do comércio online chinês, Alibaba, é a maior companhia mundial de varejo. Nem o Walmart e nem a Amazon são participantes importantes do mercado chinês.

Ao ultrapassar o Walmart, a Amazon destronou uma das companhias mais bem sucedidas —e mais temidas— das últimas décadas. O Walmart aperfeiçoou um modelo próspero de varejo em grandes lojas que subtraía cada centavo possível de custo, derrubando os preços e derrotando a concorrência.

Mas mesmo com todo esse poder e eficiência, a disputa pelo domínio do ambiente de varejo atual está sendo vencida na internet. E nenhuma companhia tirou mais vantagem disso do que a Amazon. De fato, a rapidez nas entregas da empresa (muitos produtos chegam em apenas um ou dois dias) e a ampla seleção de produtos que ela oferece foram o que primeiro atraiu os consumidores às compras online, e eles continuam lá, comprando mais e mais, desde então. Isso fez de Jeff Bezos, o fundador da empresa, uma das pessoas mais ricas do planeta.

“E um momento histórico”, disse Juozas Kaziukenas, fundador da Marketplace Pulse, uma empresa de pesquisa. “O Walmart existe há tanto tempo, e agora surge a Amazon com um modelo diferente e os substitui na liderança”.

As empresas de Wall Street vinham antecipando essa passagem do bastão no mundo do varejo, prevendo que aconteceria nos próximos anos. Mas a pandemia acelerou a transição, porque as pessoas presas em casa passaram a depender mais de entregas. As vendas do Walmart subiram acentuadamente durante a pandemia, mas seu crescimento não se equiparou ao da Amazon, que colocou em operação centenas de novos armazéns e contratou cerca de 500 mil novos trabalhadores desde o começo do ano passado.

As vendas do Walmart cresceram em US$ 24 bilhões (R$ 127,2 bilhões) no ano passado, informou a companhia na terça-feira. Durante mais ou menos o mesmo período, o valor total de todos os produtos comprados na Amazon subiu em cerca de US$ 200 bilhões (R$ 1 trilhão), estimam analistas.

Embora os números sejam calculados de modo diferente, os analistas os empregam rotineiramente para uma comparação bruta. Determinar o valor total das vendas do Walmart é simples, porque quase todas elas vêm dos estoques da própria empresa e são reveladas publicamente a cada trimestre. Mas os analistas precisam gerar uma estimativa sobre o valor das vendas gerais da Amazon, porque a maioria do que as pessoas compram no site da empresa são produtos controlados e fornecidos por vendedores externos. A companhia anuncia publicamente apenas os honorários que recebe por intermediar essas transações.

Com o sucesso da Amazon, veio um escrutínio mais forte. E a companhia começou a receber muitas das mesmas queixas —sobre tratamento de trabalhadores e impacto sobre economias locais e nacionais— que o Walmart teve de enfrentar durante seus maiores períodos de expansão, mais de uma década atrás.

“Agora, a Amazon é o Lobo Mau”, disse Barbara Kahn, professora de marketing na Escola Wharton de Administração de Empresas, da Universidade da Pensilvânia, que escreveu diversos livros sobre varejo.
Amazon e Walmart se recusaram a comentar.

Ao longo dos últimos 100 anos, muito poucas empresas puderam declarar que detinham a posição de maior empresa de varejo mundial. A cadeia de lojas de mantimentos A&P se tornou tão forte que acabou se tornando alvo de medidas antitruste na década de 1940. A Sears superou a A&P como maior grupo de varejo no começo da década de 1960, direcionando suas lojas ao público de classe média dos subúrbios e expandindo seu modelo de loja de departamentos.

E aí surgiu o Walmart.

Carro preto passa em frente a loja com símbolo do Walmart
Carro passa em frente a loja do Walmart em Washington, D.C., nos EUA - Nicholas Kamm/AFP

Em 1962, Sam Walton fundou o grupo de varejo, em uma pequena cidade do Arkansas. Walton tinha “uma verdadeira paixão —e havia quem a definisse como obsessão: vencer”, ele escreveu em sua autobiografia, e começou a vender grande variedade de produtos a preços baixos, entre os quais alimentos frescos, depois de algum tempo. Mas sua verdadeira inovação foi a criação de uma vasta rede logística que operava com tamanha precisão e eficiência que permitiu esmagar diversos concorrentes.

Por volta da década de 1990, o Walmart tinha deixado a Sears para trás. E continuou a crescer depois disso, abrindo milhares de lojas e adquirindo outras companhias de varejo ao redor do mundo.
Da mesma forma que Walton criou o Walmart quando a Sears estava por cima, Bezos criou a Amazon quando o Walmart era rei, no começo da década de 1990.

Guru Hariharan, que trabalhou na área de varejo da Amazon, disse que a empresa eclipsou o Walmart ao fazer um jogo diferente. O Walmart firmou seu domínio sobre as lojas físicas e o comércio de mantimentos. Mas as compras online estão crescendo muito mais rápido do que as lojas físicas, ainda que respondam por apenas um sétimo do varejo nos Estados Unidos. A Amazon captura 41 centavos de cada dólar gasto online nos Estados Unidos, ante sete centavos para o Walmart, de acordo com o grupo de pesquisa eMarketer.

“Eles tinham seu território, e nele eram reis”, disse Hariharan, que deixou a Amazon e mais tarde fundou a CommerceIQ, que assessora marcas como a Colgate e a Kimberly Clarke quanto a comércio eletrônico.

A Amazon ascendeu em parte porque abriu seu site para permitir que comerciantes externos oferecessem produtos ao lado dos oferecidos pela Amazon em venda direta. O mercado assim criado expandiu muito o número de itens disponíveis. Quase dois milhões de vendedores oferecem produtos na Amazon, e eles respondem por 56% dos itens vendidos.

Esse mercado mais amplo torna muito mais difícil determinar a verdadeira influência da Amazon sobre o setor de varejo. A companhia registra e reporta apenas os honorários que recebe dos vendedores externos para oferecer, vender e transportar seus produtos usando os canais da Amazon, e não o dinheiro total que flui pelo negócio. Esse modelo oferece mais lucros, mas produz menos receita.

“Faz com a Amazon pareça menor”, disse Kaziukenas. “Eles estão camuflando a realidade”.

Isso levou analistas de bancos de investimento como o JPMorgan, BMO Capital Markets e Cowen a estimar um número conhecido como “valor bruto de mercadorias”, para calcular quanto os consumidores gastam em compras na Amazon, independentemente de se o fazem diretamente da empresa ou de um vendedor externo. Os analistas fazem essas estimativas com base em dados fornecidos pela companhia, como a receita recolhida dos vendedores e a porcentagem das vendas de terceiros no total de unidades vendidas, e com base em suas pesquisas. A FactSect compila essas estimativas e determina uma média.

Nos 12 últimos meses, a Amazon reportou receita total de varejo de US$ 390 bilhões (R$ 2 trilhões). Mas as vendas totais de produtos, incluindo as vendas por terceiros, foram quase 60% mais altas que isso, de acordo com as estimativas dos analistas.

A Amazon não revela regularmente seu valor bruto de mercadorias, mas em 2019, enfrentando pressão antitruste, Bezos revelou o número —na época, US$ 277 bilhões (R$ 1,46 trilhão)— pela primeira vez, como forma de mostrar que os vendedores externos estavam crescendo mais que os negócios diretos de varejo da Amazon. “Os vendedores externos estão nos derrotando, e por muita margem”, ele disse.

Quando Bezos depôs ao Congresso, na metade do ano passado, ele apontou para o tamanho do Walmart como prova de que o setor de varejo era competitivo. “Competimos contra empresas grandes e estabelecidas, como Target, Costco, Kroger e, é claro, Walmart”, ele disse, “uma companhia mais de duas vezes maior que a Amazon” —presumivelmente em referência ao valor da receita do Walmart.

O Walmart continua a ser o maior empregador privado nos Estados Unidos, com 1,6 milhão de trabalhadores. E suas vendas nos Estados Unidos são maiores que as da Amazon, ainda que o JPMorgan estime que no ano que vem a Amazon ultrapassará o Walmart em seu país.

Durante a pandemia, o Walmart aperfeiçoou sua capacidade de uso de suas lojas como pequenos centros de distribuição, onde os consumidores podem apanhar produtos em paradas rápidas no estacionamento, um sistema de entregas bem menos dispendioso do que o usado pelo varejo online. Na terça-feira, o Walmart anunciou que planeja gerar US$ 75 bilhões (R$ 397,6 bilhões) em vendas totais este ano. A companhia vem expandindo seus esforços para criar um mercado online, mas a vasta maioria de suas vendas online continua a envolver o estoque interno do grupo, disse Kaziukenas.

Edward Yruma, analista de varejo e diretor executivo da KeyBanc Capital Markets, disse que a Amazon mal tinha começado a chegar a um entendimento de suas dimensões reais.

“O Walmart é grande e sabe disso”, ele disse. A Amazon vem fazendo há muito tempo o papel de desafiante, mesmo que tenha se tornado uma empresa enorme. Há algumas semanas, quando já empregava 1,3 milhão de pessoas, a companhia adotou um novo princípio de liderança que reconhece as responsabilidades geradas por essa escala.

“Começamos em uma garagem”, o novo princípio afirma, “mas já não estamos lá".

Tradução de Paulo Migliacci

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