E se as rodovias fossem elétricas? A Alemanha está testando a ideia

Sistema permite que caminhões sejam alimentados com eletricidade por meio de cabos enquanto se movimentam

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jack Ewing
Ober-Ramstadt | The New York Times

Em uma rodovia ao sul de Frankfurt, recentemente, Thomas Schmieder estava manobrando sua carreta Scania, carregada de tinta, para a faixa da direita. E ao entrar nela ele apertou um botão que você não encontraria no painel da maioria dos caminhões.

Do lado de fora da cabine, uma engenhoca em forma de varal de roupas, com uma espécie de trenó soldado de cabeça para baixo no topo, começou a se desdobrar, do alto da cabine. Enquanto Schmieder dirigia, uma tela de vídeo mostrava os trilhos de metal subindo lentamente e se acoplando aos cabos elétricos montados sobre a faixa de rodagem.

O ruído do caminhão se reduziu muito, quando o motor diesel foi o desligado e os motores elétricos assumiram. O caminhão continuava a ser um caminhão, mas agora sua fonte de energia era a mesma que a de muitos trens ou bondes.

Há um debate sobre libertar o setor de transporte rodoviário da emissão de poluentes, e sobre se baterias ou células a combustível de hidrogênio são a melhor maneira de acionar motores elétricos em veículos de grande porte. Schmieder era parte do teste de um terceiro caminho: um sistema que alimenta os caminhões com eletricidade ao longo do trajeto, usando cabos suspensos sobre a rodovia e um sistema pantográfico montado no topo da cabine.

Caminhões em rodovia que tem cabos suspensos
Rodovia perto de Erzhausen, na Alemanha, que serve de teste para eletrificação de caminhões em movimento, por meio de cabos - Felix Schmitt/The New York Times

Em determinado nível, a ideia faz completo sentido. O sistema usa energia de modo eficiente, porque a transmite diretamente da rede elétrica para os motores. A tecnologia permite economizar peso e dinheiro, porque as baterias tendem a ser pesadas e caras, e um caminhão que receba energia de cabos elétricos sobre a pista só precisa de uma bateria com carga suficiente para levá-lo da rampa de saída da estrada para seu destino final.

E o sistema é relativamente simples. A Siemens, gigante alemã da eletrônica que desenvolveu o hardware para essa rota de teste, adaptou equipamentos que estão em uso há décadas para acionar bondes e trens.

Em outro nível, a ideia é insana. Quem vai pagar para instalar milhares de quilômetros de cabos elétricos de alta voltagem por sobre as maiores rodovias do planeta?

Descobrir como fazer com que os caminhões zerem suas emissões de poluentes é parte crucial da luta contra a mudança do clima e a poluição atmosférica. Os caminhões diesel de longo alcance geram parte desproporcional das emissões de gases causadores do efeito estufa e outros poluentes, porque passam parte muito grande de seu tempo na estrada.

Mas o setor está dividido. Daimler e Volvo, as duas maiores fabricantes mundiais de caminhões, apostam nas células a combustível de hidrogênio, para os caminhões de longo percurso. Argumentam que as pesadas baterias necessárias a propiciar alcance longo são pouco práticas para os caminhões, porque reduzem muito a capacidade de carga.

A Traton, companhia que controla os fabricantes de caminhões Scania, MAN e Navistar, argumenta que o hidrogênio é caro e ineficiente demais, por conta da energia necessária para produzi-lo. A companhia, cuja acionista majoritária é a Volkswagen, está apostando na melhora contínua das baterias —e nas rodovias eletrificadas.

A Traton está entre os patrocinadores da chamada eHighway, ao sul de Frankfurt, um grupo que inclui também a Siemens e a Autobahn GbmH, a agência governamental que supervisiona o sistema rodoviário alemão. Também existem, segmentos curtos de rodovias eletrificadas nos estados de Schleswig-Holstein e Baden-Württemberg. A tecnologia já foi testada na Suécia e, em 2017, em um trecho de rodovia de 1,5 quilômetro de extensão perto do porto de Los Angeles.

Os trechos de rodovia equipados com os cabos elétricos suspensos são curtos, na Alemanha —cerca de cinco quilômetros em ambos os sentidos, perto de Frankfurt. O propósito deles é testar como o sistema se sai em uso cotidiano por companhias reais de transporte rodoviário, carregando produtos reais. Até o final do ano, mais de 20 caminhões estarão usando o sistema na Alemanha.

E é aí que entra Schmieder, que aprendeu a dirigir caminhões no exército alemão, e seu empregador, uma transportadora chamada Schanz Spedition, da pequena cidade de Ober-Ramstadt, em uma região de colinas e florestas a cerca de 55 quilômetros de Frankfurt.

Se a eHighway vai mesmo entrar em uso comercial em larga escala, é preciso que funcione para empresas como a Schanz, uma companhia familiar administrada por Christine Hemmel e Kerstin Seibert, duas irmãs que são netas do fundador. O pai delas, Hans Adam Schanz, ainda que tecnicamente esteja aposentado, estava ao volante de uma empilhadeira, carregando pallets na caçamba de um caminhão, recentemente, enquanto Schmieder subia à cabine para sua segunda jornada do dia, transportando tinta para um centro de distribuição em Frankfurt.

Homem de camiseta sentado em cabine de caminhão
O motorista Thomas Schmieder dirige caminhão que é conectado a cabos de energia em rodovia na Alemanha, em teste para nova tecnologia - Felix Schmitt/The New York Times

O movimento está forte, disse Schmieder, porque os lockdowns levaram muitas pessoas a reformar ou melhorar suas casas, e alimentaram a demanda pela tinta fabricada em uma fábrica ao lado da sede da Schanz.

Schmieder faz o mesmo percurso todos os dias, até cinco vezes por dia. É o tipo de rota que os proponentes da eHighway veem como ideal.

Hasso Grünjes, que comanda a parte da Siemens no projeto, disse que fazia sentido eletrificar primeiro rotas pesadamente viajadas, como a que liga o porto holandês de Roterdã a Duisburg, no coração industrial da Alemanha, ou a rodovia que conecta os portos alemães de Hamburgo e Lübeck.

Há muitos caminhões que não fazem outra coisa a não ser viajar entre os mesmos pontos de partida e chegada, disse Grünjes. As transportadoras que usam essas rotas economizariam combustível, seu maior custo, e isso facilmente justificaria o investimento em caminhões com sistemas pantográficos no topo das cabines. Em prazo mais longo, de acordo com números da Siemens, 4.000 quilômetros de rodovias eletrificadas acomodariam 60% do tráfego de caminhões da Alemanha. A Siemens informou no último dia 29 que cooperaria com a fabricante alemã de autopeças Continental na produção em massa dos sistemas pantográficos.

Mas instalar os cabos elétricos suspensos caberia ao governo alemão; o custo foi estimado em 2,5 milhões de euros (R$ 15,4 milhões) por quilômetro.

O Ministério do Meio Ambiente alemão, que está bancando os testes com as três rodovias eletrificadas no país, está comparando os resultados a estudos sobre caminhões que usam células a combustível de hidrogênio e sobre caminhões alimentados por baterias. Dentro de três ou quatro anos, o ministério anunciou em comunicado, será tomada uma decisão sobre que tecnologia apoiar.

“Numerosos estudos chegaram à conclusão de que os caminhões alimentados por cabos elétricos suspensos, a despeito dos custos elevados de infraestrutura, são a opção que oferece o melhor custo/benefício”, afirmou o ministério.

Mas, respondendo a perguntas do The New York Times, o ministério apontou que as baterias estão se tornando melhores e mais baratas o tempo todo, e os tempos de recarga estão em queda. “Em última análise, o custo total de infraestrutura, veículos e energia decidirá que tecnologia, ou combinação de tecnologias, prevalecerá”, disse o ministério.

O governo vem sendo cauteloso por conta do risco de que os contribuintes paguem o custo da eletrificação das rodovias e a tecnologia termine rejeitada pelas transportadoras ou tornada obsoleta por alguma outra coisa.

“Em teoria, é a melhor ideia”, disse Geert de Cock, especialista em engenharia e energia na Transport & Environment, uma organização ativista de Bruxelas. Mas ele disse que os obstáculos políticos, por exemplo, conseguir acordo entre os governos europeus quanto a padrões técnicos, são muito grandes.

“É mais uma questão de coordenação do que de tecnologia”, disse Cock. “Não apoiamos a ideia porque não acreditamos que ela vá ser concretizada”.

Visão de dentro de cabine do motorista de caminhão andando em rodovia
Caminhão conectado a cabos de energia em rodovia ao sul de Frankfurt, na Alemanha - Felix Schmitt/The New York Times

O caminhoneiro Schmieder acredita no projeto. Ele se candidatou a um emprego na Schanz em 2019, quando o projeto de teste estava começando, para poder tomar parte nele.

“Sempre me interessei muito por mobilidade elétrica e seu futuro”, ele disse, dirigindo o Scania por um vale estreito que leva da sede da Schanz à rodovia A5. O caminhão, um híbrido equipado com motor diesel, motor elétrico e uma pequena bateria, passou por uma placa que aponta para o Castelo de Frankenstein, supostamente inspirado pelo monstro fictício.

Pouco depois de ele ingressar na A5, os postes que sustentam os cabos suspensos da eHighway se tornaram visíveis. De dentro da cabine, foi difícil perceber a transição, quando Schmieder conectou o sistema pantográfico aos cabos superiores, um método conhecido como catenária.

Os cabos também recarregam a bateria do caminhão, que porta energia suficiente para que o veículo percorra curtas distâncias sem conexão elétrica, no tráfego urbano. É outra vantagem da catenária: a eHighway pode eliminar a necessidade de paradas para reabastecimento, o que seria importante no setor de transporte rodoviário, para o qual tempo é dinheiro.

“A infraestrutura requer muitos recursos”, disse Manfred Bolze, professor da Universidade Técnica de Darmstadt, que oferece consultoria e análise para o projeto, em um email. “Por outro lado, ela oferece alta eficiência energética e só baterias pequenas são necessárias para a jornada em áreas não cobertas por cabos suspensos”.

Schmieder segurava o volante com leveza enquanto um software de pilotagem automática mantinha o caminhão posicionado sob os cabos. Ele e outros motoristas passaram por um dia de treinamento para aprender a usar o sistema e resolver problemas comuns, como um acidente que bloqueie a faixa eletrificada. Isso já aconteceu com Schmieder, conta o motorista. Ele simplesmente saiu de sob os cabos elétricos e passou para outra faixa, usando o motor diesel do caminhão.

Há problemas técnicos ocasionais. Houve falhas de sensores, em alguns momentos. “Mas grandes problemas? Nenhum”, disse Schmieder.

A tecnologia, quase todo mundo concorda, não é o maior obstáculo a uma rede mundial de estradas eletrificadas.

“Já demonstramos que é possível construí-las”, disse Grünjes. “A questão agora é como fazê-lo em grande escala”.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.