'Efeito Zoom' vai cortar viagens corporativas no pós-Covid

Empresas repensam custos e pegada ambiental nos deslocamentos a trabalho

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The New York Times

David Calhoun, presidente-executivo da Boeing, tem acesso às aeronaves da companhia como parte de seu cargo. Mesmo assim, ele disse a um jornalista que depois da pandemia ele não espera voar tanto para reuniões internas da empresa.

Assim como alguns de seus colegas, Calhoun descobriu que as ligações por vídeo são notavelmente eficazes para conversar com colegas, permitindo ter mais reuniões e agendá-las com um mínimo de antecedência, segundo um relato no livro "Leading at a Distance" (Liderando à distância, em tradução livre), publicação recente de James Citrin e Darleen DeRosa.

"Farei o mesmo número de viagens ou mais para ver os clientes, porque esse ainda é o modo mais importante de construir relacionamentos", disse Calhoun aos autores. "Mas a maior parte das viagens, quando se dirige uma grande companhia, é para visitar suas próprias equipes. Não farei mais tanto isso."

Existe um amplo consenso de que a frequência com que viajamos a trabalho e para o que viajamos mudará de modo significativo depois da pandemia. Quem viaja também poderá ser diferente. Isso, por sua vez, vai provocar mudanças no que a indústria de viagens oferece aos empresários, fonte de quase um terço de suas receitas antes da pandemia.

Um ano e meio virtualmente sem viagens e fazendo negócios por videoconferência levou muitos homens e mulheres do meio corporativo a concluir que muitas de suas viagens anteriores não valiam o tempo e o preço cobrado de seus corpos e estado mental, de suas famílias e do meio ambiente. Isso mesmo antes de considerar o papel que as viagens tiveram na transmissão do coronavírus pelos continentes.

Há um meme popular que diz o seguinte: "esta reunião poderia ter sido um e-mail". Quem já viajou uma longa distância para uma única reunião de negócios sabe que muitas vezes poderíamos facilmente dizer: "Esta viagem de negócios poderia ter sido uma chamada no Zoom".

E antes que as viagens se recuperem totalmente algumas organizações e indivíduos estão tomando medidas para reduzi-las. Aumentando significativamente a pressão, há compromissos que muitas companhias estão fazendo de conter suas emissões —metas que muitas vezes envolvem cortar a pegada de carbono das viagens profissionais de seus funcionários.

Um dos cenários é o que Calhoun sugeriu: as empresas poderiam reduzir drasticamente categorias inteiras de viagens, como reuniões pessoais com colegas internos em outras cidades.

Uma análise do Wall Street Journal no ano passado, avaliou, por exemplo, que as reuniões internas e o treinamento de empresas representavam 20% de todas as viagens de negócios e previram que 40% a 60% delas serão canceladas para sempre. O jornal concluiu que de 19% a 36% das viagens de negócios irão desaparecer.

Bill Gates previu na conferência DealBook, no último outono, que mesmo quando as coisas se normalizarem as viagens a trabalho ainda terão redução de 50%.

Em comparação com as viagens domésticas de lazer, que se recuperaram de modo geral, as viagens de negócios estão sendo retomadas relativamente devagar. Segundo uma pesquisa recente da Associação Internacional de Contadores Profissionais, apenas 9% das companhias disseram que recuperaram seus níveis de viagens pré-pandemia.

A United Airlines e a Delta Air Lines disseram recentemente que as viagens de negócios continuam cerca de 60% abaixo dos níveis anteriores à pandemia, apesar de ter havido um aumento nos últimos meses.

O número crescente de casos de coronavírus nas últimas semanas poderá retardar ainda mais a recuperação desse setor. Mas o plano de Calhoun de reduzir suas próprias viagens internas faz eco aos resultados da pesquisa da associação de contadores, que concluiu que dois terços das companhias estão permitindo viagens para vendas ou reuniões com clientes, e menos para fins internos ou programas de treinamento.

A recuperação

Os primeiros indícios sugerem que a maioria das empresas vai relutar em cortar drasticamente os estimados dois terços das viagens que envolvem vendas e visitas a clientes, conferências e serviços profissionais como consultoria.

Os executivos continuam temerosos de perder para um rival que realmente apareça em pessoa, ou ver um contrato importante ir embora por causa de má comunicação virtual.

O presidente-executivo do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, disse em maio que clientes lhe disseram que seu banco perdeu negócios quando "banqueiros dos outros caras visitaram, e os seus não".

O presidente-executivo da United Airlines, Scott Kirby, previu no início deste ano "a plena recuperação da demanda de negócios porque as viagens de negócios têm a ver com relacionamentos". Falando com investidores por videoconferência, ele acrescentou: "vocês não podem construir relacionamentos humanos através de um meio como este".

Outros também veem potencial para as viagens corporativas crescerem, conforme os trabalhadores, cada vez mais dispersos, precisam se reunir regularmente.

"O que nós descrevemos como viagens de negócios pode, na verdade, crescer nos próximos anos", disse Lindsay Nelson, chefe de experiência e marca na companhia de viagens online Tripadvisor. "Mas o tipo de pessoas que estão viajando e o motivo das viagens vão mudar."

Nelson previu que os arranjos de trabalho remoto significam que mais empregados viajarão de volta a seus escritórios corporativos. Assim, em vez de um subconjunto de elite dos funcionários voarem para fora da sede constantemente, uma porcentagem maior de trabalhadores estará voando para a sede ou outros locais de reuniões.

Essa mudança poderá levar hotéis e companhias aéreas a repensarem seus programas de fidelidade —que geralmente atenderam ao viajante mais intenso— para atrair o negócio de viajantes regulares, mas menos frequentes.

Nelson disse que esses viajantes poderão procurar vantagens diferentes como uma extensão das condições de cancelamento flexível de voos que prevaleceram durante a pandemia.

Outra tendência que a indústria poderá aproveitar: quase 90% dos viajantes de negócios pesquisados pela SAP Concur recentemente disseram que pretendem juntar o tempo de férias pessoais com viagens de negócios no próximo ano.

Impacto ambiental

Em vez de simplesmente aceitar que as viagens de negócios vão se recuperar, as companhias podem usar a mudança de práticas do último ano para abrir um novo capítulo sobre como abordam o tema. Um motivo interessante para tanto é o impacto ambiental, especialmente quando as organizações tentam reduzir suas pegadas climáticas.

As viagens aéreas comerciais são responsáveis por cerca de 3% a 4% do total das emissões de gases do efeito estufa nos Estados Unidos. As viagens em primeira classe, por causa da menor densidade de assentos, podem representar até quatro vezes mais emissões do que sentar-se na parte traseira do avião.

Na companhia de seguros Swiss Re, em Zurique, por exemplo, os voos representavam cerca de dois terços de sua pegada de carbono operacional.

Como parte de seus esforços de zero emissões líquidas, a companhia usou a redução das viagens corporativas no ano passado como uma oportunidade para reduzir de forma mais permanente sua pegada de carbono. As viagens de seus funcionários caíram no ano passado cerca de 80% em relação aos níveis de 2018, e ela espera uma queda de 30% ou mais neste ano em comparação com 2018.

Em janeiro, a Swiss Re começou a acrescentar um sobrepreço significativo por emissões de carbono aos voos comprados por seus 13.200 empregados —representando aproximadamente US$ 500 (cerca de R$ 2.560) acima do preço de uma passagem de Zurique a Nova York.

Os orçamentos de equipes podem absorver essas cobranças —o que a Swiss Re usa para financiar compensações e remoção de carbono—, já que seus empregados estão voando menos.

Conforme as viagens retornam e os sobrepreços influem nos orçamentos, o objetivo porém, é forçar os empregados a pensarem melhor quando marcarem uma viagem se ela é realmente necessária.

"Ainda precisamos viajar para nos reunir com clientes —mas talvez não com tanta frequência", disse Mischa Repmann, especialista em gestão ambiental na Swiss Re. "Podemos fundir viagens, viajar com mais consciência do que no passado."

Outras companhias estão rumando em direção parecida. A Salesforce anunciou em abril planos de cortar suas emissões de carbono das viagens de negócios como proporção de sua receita em 50% em relação aos níveis de 2019.

A Deloitte revelou o objetivo de cortar as emissões de viagens de negócios por empregado em 50% até 2030. A meta da EY é cortar as emissões das viagens de negócios em 35% até 2025, em relação a 2019.

Além de reduzir o número de voos, as empresas estão usando calculadoras para determinar os locais de reunião com menor intensidade de emissões, como locais onde os participantes podem chegar de trem. Algumas companhias estão experimentando "reuniões de núcleo", nas quais os participantes se reúnem em polos próximos e se conectam virtualmente com funcionários de outros núcleos regionais.

O ambientalista e escritor Paul Hawken chama as viagens de longa distância para reuniões de negócios de "um desperdício de recursos catastroficamente monumental" e afirma que as companhias se sairiam melhor com menos viagens corporativas.

"Nós acabamos de ter uma boa lição de como ser eficazes sem movimentar protoplasma por aí", disse.

Seria fácil para as organizações voltarem a suas velhas práticas, e provavelmente muitas o farão. Mas suas metas ambientais forçarão algumas empresas a repensar quem viaja e por quê. E enquanto conhecemos bem os limites das reuniões por vídeo, há motivos interessantes para abandonar algumas viagens e nos resignarmos às reuniões pelo Zoom.

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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