Falta de neve nos Andes ameaça sobrevivência de negócios na Argentina e no Chile

Hotéis voltados à prática do esqui fabricam gelo; fruticultura precisa buscar água em outras regiões após degelo minguar

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Buenos Aires

Uma sequência de pelo menos dez invernos com pouca precipitação de neve, acentuada nos últimos dois anos, vem mudando a cor da paisagem da cordilheira dos Andes. O branco habitual está dando lugar a um cenário de montanhas marrons, tanto do lado chileno como do argentino.

Se este não é o cartão-postal que os viajantes costumam pagar caro para ver, a situação é muito pior para a economia e a sustentabilidade local.

"A agricultura e o abastecimento de água potável desses dois países estão seriamente ameaçados, pois ambos dependem do degelo dos Andes na primavera e no verão. E esse degelo só ocorre se, no inverno anterior, tiver havido precipitação de neve", explica à Folha Leandro Cara, pesquisador do Conicet (Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas), da Argentina.

E complementa: "Já estamos nos encaminhando para o fim do inverno e nevou muito pouco nos Andes. Só podemos prever que o próximo ano será muito difícil para a economia regional".

Centro de Ski Las Leñas em Mendoza, Argentina; as altas temperaturas e e a falta de neve fazem com que muitos centros de esqui não possam abrir
Centro de Ski Las Leñas em Mendoza, Argentina; as altas temperaturas e e a falta de neve fazem com que muitos centros de esqui não possam abrir - Diario Malargue

A queda das nevadas ocorre de modo mais marcado nas províncias argentinas que correspondem à região meridional dos Andes, como Catamarca, La Rioja, Mendoza, San Juan e norte de Neuquén. O Observatório da Terra da Nasa publicou, na semana passada, imagens de satélite mostrando como a falta de água na região de El Yeso, em San José de Maipo, tem reduzido o volume de água em rios que irrigam a região e abastecem algumas cidades, como Santiago, capital do Chile.

Para mapear o problema, a entidade lançou o site Observatorio Andino, que reúne informação coletada por satélites e sondas. Os equipamentos atualizam a leitura, a cada dois dias, da situação da neve nos Andes. Se, na média, a cobertura de neve em toda a cordilheira diminuiu 12% nos últimos dez anos, na região meridional a queda foi muito mais acentuada, chegando a 40%.

Na região do vale do Aconcágua, onde está o coração da fruticultura chilena, há apenas 17% da água potável e de irrigação que havia há dez anos. A redução na oferta de água afeta a produção, que é voltada à exportação e também ao consumo local.

A região depende hoje do abastecimento de outros centros, o que eleva o custo de produção e o preço final das frutas.

Para María Alejandra Bustos, do Centro de Ciência do Clima e da Resiliência, a situação local é crítica.

"O processo de desertificação do Chile por conda da crise do clima avança em ritmo acelerado, e está ligado à falta de nevadas nos Andes, provocada, por sua vez, pelas alterações climáticas do oceano Pacífico, e às altas temperaturas do planeta como um todo", afirma.

"Dos rios com nascente nos Andes dependem complexos ecossistemas".

Em Coquimbo, do lado chileno, a erosão do solo agrícola chega a 84%. Já em San Juan e em Mendoza, do lado argentino, a falta de água fez com que os governos dessas províncias decretassem emergência hídrica, com medidas de racionamento do consumo de água.

A situação vem provocando também uma crise na hotelaria sustentada na prática do esqui. Em Las Leñas e Los Puquis, na província de Mendoza, por exemplo, alguns centros de esquiagem tiveram de cancelar reservas ou avisar os hóspedes de que seria oferecido um cardápio de passeios sem esqui.

Na região patagônica, houve interrupção das atividades de alta montanha por falta de neve durante algumas semanas. Em alguns locais, os centros turísticos recorreram a equipamentos para fabricar neve de modo artificial ou chegaram a transportar manualmente neve das regiões mais altas para as mais baixas.

Depois de um ano praticamente sem turismo interno e ainda com várias restrições para viagens regionais, o turismo argentino atravessa um momento crítico.

A Associação de Hotéis de Turismo da República Argentina afirma que as férias de inverno tiveram uma ocupação dos hotéis de apenas 43%, muito abaixo dos 80% de 2019.

A crise se agrava por conta de medidas sanitárias ainda em vigor, como a que estabelece que os hotéis não podem operar com mais de 70% de sua capacidade total, em horários estabelecidos e com limite máximo de pessoas de 40% em seus restaurantes.

Pesa também o fechamento das fronteiras. Estrangeiros ainda estão proibidos de visitar o país; o turismo está liberado apenas para argentinos e residentes.

"Justamente quando começamos a reativação das atividades para o turismo interno, nos deparamos com a questão ambiental. A falta de neve afeta de modo grave os destinos mais procurados pelos argentinos no inverno", afirma Roberto Amengual, presidente da entidade.

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