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Mais produto local e respeito à cor da pele: as lições que o Carrefour aprendeu

Pandemia fez grupo francês distribuir promoções ao longo da semana e aumentar aposta em marca própria, diz presidente da rede no Brasil

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Brasília

O francês Noël Prioux está preparando sua mudança para Paris. O atual presidente do Carrefour Brasil, de 62 anos, deve passar o bastão em 1º de setembro para um conterrâneo, Stéphane Maquaire, 47, ex-presidente do grupo na Argentina.

Noël fica no Brasil até o fim do ano como diretor executivo do grupo na América Latina, para depois assumir uma posição ainda não definida na sede da empresa.

Da sua estadia de quatro anos no Brasil, o prata da casa Noël, que chegou ao grupo aos 25 anos, leva duas grandes bagagens no currículo. A primeira foi consolidar a posição do Carrefour na liderança do varejo alimentar brasileiro, com aquisições de peso, como a dos atacadistas Makro e Big.

As compras ajudaram a rede a ficar com uma cara mais brasileira. O Brasil é o segundo maior mercado para o grupo francês, presente em mais de 30 países. Só fica atrás da própria França.

Homem branco, de óculos, se apoia em corrimão em corredor envidraçado
Noël Prioux costuma conferir todos os dias a rede social TikTok para ficar inteirado das tendências. “Sou aficionado”, diz o presidente do Carrefour no Brasil, apaixonado pelo Real Madrid e pela jardinagem. “Aqui no Brasil tenho apenas um balcão, mas na minha casa na França tenho um jardim, com flores e árvores frutíferas”, diz ele. O executivo voltará a cultivá-lo no fim do ano, quando se muda para Paris. O comando do grupo no Brasil ficará a cargo do conterrâneo Stéphan Maquaire. - Bruno Santos/ Folhapress

“A cultura brasileira é espetacular, as pessoas, a música, a comida”, diz ele, que tem passagens pelo Carrefour na Turquia, Colômbia, sul da Ásia e Espanha. “É um tesouro nacional, temos de manter”. A empresa reorganizou o portfólio para ampliar o grupo de fornecedores locais, mais próximos das lojas, incluindo os de marca própria. Hoje, até 30% da divisão de alimentos vêm de produtores locais e este número deve crescer.

A segunda grande experiência foi enfrentar a maior crise institucional do grupo francês no país: em novembro de 2020, José Alberto Freitas, um homem negro, foi morto dentro de uma das lojas do Carrefour em Porto Alegre, por seguranças da rede.

Na esteira do movimento “Black Lives Matter” (vidas negras importam), a tragédia ganhou repercussão internacional e mudou a forma como a rede estrangeira vê a sociedade brasileira.

“Aprendemos muito sobre a situação do Brasil, sobre o quanto uma parte da população não tem acesso ao básico”, diz o executivo. “A primeira decisão foi mudar completamente nosso sistema de segurança, formar o nosso pessoal, para que se importem mais em ajudar os clientes do que em tentar oferecer segurança”, afirma.

A violência por parte de seguranças terceirizados no varejo não é exclusividade do Carrefour. No último dia 6, Luiz Carlos da Silva, um homem negro de 56 anos, foi obrigado a tirar a própria roupa para provar que não havia furtado itens de uma loja do atacadista Assaí, do também francês Casino, mesmo controlador do Grupo Pão de Açúcar, em Limeira (SP).

“Não podemos mais aceitar situações deste tipo”, diz o presidente do Carrefour, ressaltando que a rede fechou, em junho, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que prevê investimentos de R$ 115 milhões nos próximos três anos para ações que combatam o racismo estrutural no país.

As iniciativas vão desde a oferta de bolsas de educação e qualificação profissional, passando pelo apoio ao empreendedorismo de pessoas negras, até o desenvolvimento de projetos socioculturais. “Assumimos nossa responsabilidade”, afirma.

Por que o senhor está saindo do Carrefour?

Trata-se de um movimento natural. Encerro um ciclo de mais de quatro anos de grandes conquistas no Brasil, um mercado-chave para a estratégia de negócios do grupo mundialmente, e onde pude contribuir para mudanças importantes. Entre elas, a aceleração do processo de digitalização e inserir a rede na luta contra o racismo.

O que significa essa transição para a filial brasileira?

O novo presidente, Stéphane Maquaire, dará seguimento à estratégia do negócio no Brasil, pautada na agenda de expansão, aceleração digital, intensificação da agenda ESG, compromisso com a diversidade, sempre com o cliente no centro da estratégia. Quanto a mim, vou ocupar a posição de diretor executivo na América Latina até o final deste ano. Depois devo assumir uma posição na França ao lado de Alexandre Bompard, presidente global do grupo.

Quais foram as principais mudanças que o Carrefour observou no comportamento do público durante a pandemia?

Menos visitas às lojas e mais compras. As saídas passaram a ser mais planejadas, para comprar o máximo de coisas de uma vez. Foi uma responsabilidade e tanto implantar e manter as regras de distanciamento, contar o número de clientes dentro da loja, seguir todos os protocolos de segurança. Também mudamos a maneira de fazer as promoções, antes concentradas aos fins de semana. Agora elas estão distribuídas ao longo da semana, de segunda a domingo, porque não tem mais o dia certo e ir ao mercado. Da mesma maneira, passamos a estar mais presentes nas redes sociais para anunciar nossas promoções - até porque tinha pouco público para receber os panfletos distribuídos nas lojas. E tivemos que ser rápidos para levar todos os nossos produtos para o online.

O Carrefour já tinha uma operação online estruturada?

Nós já tínhamos a operação para venda, principalmente, de tudo que não era comida. Mas não tínhamos tudo de alimentar no online. Quando a pandemia chegou, estávamos prontos para muita coisa e, dentro de 15 dias, conseguimos responder às demandas dos clientes, que passaram a adquirir toda a sua lista de compras pela internet. Nosso time de inovação também sugeriu parcerias, como a que fizemos com aplicativos de entrega, para que o cliente recebesse as compras no prazo mais curto possível.

O Carrefour é dono do Atacadão, cujas vendas cresceram 20% no segundo trimestre e já somam 72% do faturamento do grupo no país. A classe média tem ido cada vez mais ao atacarejo, em busca de preços baixos. É um movimento que veio para ficar?

Hoje vemos dois crescimentos diferentes orientados a preço: um é a busca pelo atacarejo, em que o cliente quer mais quantidade pelo menor preço, e o outro é o da aceleração da marca própria, em que o Carrefour oferece uma relação custo-benefício importante. Na marca própria é possível trabalhar a diversidade: produtos veganos, sem lactose, sem glúten, sem açúcar. É uma demanda do cliente. Mas sem dúvida, de maneira geral, o cliente está mais sensível a preço.

O que mais o senhor vê como tendência de consumo no pós-pandemia?

Acho que os clientes vão ficar em casa duas a três vezes por semana, o que os levará a cozinhar mais, mesmo em um cenário de pandemia sob controle. Eles vão usar cada vez mais produtos naturais, associados a um consumo mais barato e saudável. Os clientes estão comprando alimentos mais saudáveis, o que inclui frutas, verduras e legumes. No ano passado, esses itens cresceram 34% na comparação com o ano anterior, isso é espetacular. Com bares e restaurantes fechados, o consumo de bebidas também aumentou, em especial o de vinhos, que cresceu mais de 30%. Mas no caso de hortifrutis, por exemplo, percebemos que ter produtores próximos das lojas é bom para todo mundo: o cliente recebe produtos mais frescos, gastamos menos com transporte, poluímos menos, geramos empregos na região. Hoje, até 30% da venda de alimentos vêm de produtores locais e este número deve crescer. Da mesma maneira que o menor consumo de embalagens, mais venda a granel. Hoje usamos inteligência artificial para entender melhor a demanda e adaptar o mix de produtos de acordo com o que nos pedem em cada região, em cada loja. Temos que ter uma visão mais local, vender o que o cliente está pedindo. Com isso, nossas compras se tornam muito mais racionais. O uso da tecnologia para ajudar a economizar tempo e dinheiro, com a busca das melhores ofertas, também veio para ficar.

Quanto o digital representa das vendas?

O não alimentar representa 34% do total. O alimentar representa 6% no Carrefour e, no Atacadão, onde começamos há menos tempo, representa 2%. Mas ainda assim é uma fatia importante, considerando o tamanho da operação [vendas brutas de R$ 14,1 bilhões no segundo trimestre]. De maneira geral, o consumidor está muito sensível ao uso de novas tecnologias que possam facilitar a sua vida. É uma tendência mundial comprar mais itens alimentares pela internet. Na Europa, a venda online do alimentar está entre 8% e 10%. Quanto maior a cidade, maior o consumo via internet. Na China, em algumas categorias, a venda online já representa 50% do total. Não sabemos se aqui chegará a isso, mas com certeza vai crescer.

O que esse aumento da compra online exige em termos de logística e abastecimento?

Passamos a ter uma logística dedicada ao comércio eletrônico. Fizemos parcerias, com o Rappi, por exemplo. Mas estamos analisando a criação de um centro de distribuição e preparação dos pedidos alimentares, como existe em Taiwan e no México. Durante a pandemia, houve muitas rupturas [falta de produto nas gôndolas]. No início, tomamos a decisão acertada de reforçar os estoques, porque tivemos a informação, a partir da operação em Taiwan, que o consumidor estava comprando mais remotamente. Mas a adaptação é diária, ainda hoje está difícil voltar ao normal. Você não tem uma visão de como se comportará a demanda de cerveja, por exemplo, porque de repente todo mundo reabre ao mesmo tempo. É mais difícil prever a demanda nas categorias ligadas a bares e restaurantes.

Como será o consumidor do Carrefour dentro de 10 anos?

É uma pergunta difícil (risos). O consumidor vai usar mais e mais a tecnologia para ganhar tempo, fazer seu pedido pela internet, usar mais a rede social. A rede social usada para trocar informação será cada vez mais importante. Cada cliente quer ser ator de sua própria vida, quer mostrar que tem talento. É espetacular ver as pessoas, as famílias se expressando nas redes, como nunca tínhamos visto antes. Você pode ser um especialista em determinada área, um nutricionista, por exemplo, e divulgar receitas para todo mundo. As redes sociais são um espelho moderno do que somos. Eu sou um aficionado de TikTok (risos). Por meio dela, eu tenho uma visão do que os clientes esperam, do que eles mais gostam, sobre o que estão falando. Isso te permite antecipar tendências. Os próximos anos serão cada vez mais digitais, vamos ter o cliente mais presente também. Nas redes sociais, eles querem uma resposta rápida. Foi preciso incrementar nosso atendimento no Instagram, Youtube, Facebook e WhatsApp.

O Carrefour foi palco de uma tragédia no ano passado, quando José Alberto Freitas, um homem negro, foi morto por seguranças de uma loja da rede em Porto Alegre. O que a empresa aprendeu a partir deste episódio?

Foi uma tragédia, realmente. Assumimos nossa responsabilidade. Não podemos mais aceitar situações deste tipo. A primeira coisa foi ajudar as famílias, ver o que era possível fazer. De outro lado, formamos um grupo para trabalhar a diversidade no setor privado, dividindo as experiências com outras empresas [Mover – Movimento pela Equidade Racial]. Aprendemos muito sobre a situação do Brasil, a percepção de que uma parte da população não tem acesso ao básico. A primeira decisão foi mudar completamente nosso sistema de segurança. Não queremos um segurança, queremos uma pessoa ajudando os clientes. É diferente. Ajudar os clientes é mais importante do que tentar oferecer segurança. Até o fim de setembro, a segurança será própria em todas as lojas do grupo. A exceção é a segurança externa, nos estacionamentos, a lei não nos permite cuidar isso. Eu quero ser responsável pela formação desse time, que terá como principal trabalho orientar as pessoas. Para isso, eu tenho que fazer uma seleção: ver quem é capaz de dialogar com o cliente, não se estressar, não ter comportamento agressivo, ainda que veja um furto. Ao fim do mês, realmente, a situação é dificílima para algumas famílias. Mas é preciso evitar a agressividade, nós temos que fazer tudo para conduzir a situação da maneira mais tranquila possível. É uma mudança profunda para o varejo.


Noël Prioux, 62

Formado em Tecnologia em Contabilidade pelo Institut Universitaire de Technologie de Nantes, na França, Noël Prioux é natural de Noyant-La-Gravoyère. Começou no grupo Carrefour em 1984, aos 25 anos. Foi diretor de serviços financeiros do Carrefour S.A, diretor executivo de subsidiárias na Turquia, Colômbia, Espanha e sul da Ásia, e diretor executivo do Carrefour na França. Em 2017, foi nomeado presidente do Carrefour Brasil e diretor executivo do grupo para a América Latina.


Raio-x

(dados de 2020, relativos ao Brasil)

Fundação - 1960, em Annecy (França)

Número de funcionários - 95 mil

Faturamento - R$ 74,7 bilhões

Lucro - R$ 2,8 bilhões

Número de lojas - 722

Principais concorrentes - Assaí, Grupo Pão de Açúcar, Grupo Mateus

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