Descrição de chapéu

Ministério da Economia subordinado à pauta política produz estresse fiscal

Mudança de postura ainda pode evitar o descarrilamento das contas públicas e da confiança

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'

Em julho, a divulgação de um PIB acima do esperado reduziu as previsões de que a relação dívida/PIB caminharia para 90%. Instaurou-se clima de que o problema fiscal estaria resolvido. Em menos de um mês, as expectativas sobre as contas públicas se deterioraram rapidamente, levando à elevação dos juros futuros e desvalorização cambial.

O principal motivo parece ser a constatação de que o Ministério da Economia está subordinado à agenda eleitoral do presidente e, ao mesmo tempo, não consegue contrapor o domínio político imposto pelo centrão no Congresso, que avança com a pauta de interesse de seus membros. Surgem, assim, riscos fiscais tanto do lado da receita quanto da despesa.

O projeto de reforma do IR (Imposto de Renda), que já saiu ruim do Executivo, piorou muito no Congresso, e não atende nenhum dos requisitos de uma boa reforma: equidade, neutralidade, progressividade, redução dos custos de pagar impostos e segurança jurídica. Para piorar, foi dada autonomia ao relator do projeto para negociar alterações, sem preocupação com o custo fiscal dos acordos.

O presidente Jair Bolsonaro ao lado de Paulo Guedes, ministro da Economia
O presidente Jair Bolsonaro ao lado de Paulo Guedes, ministro da Economia - Pedro Ladeira/Folhapress

O resultado da eventual aprovação será a deterioração da qualidade do sistema tributário e uma perda de receita entre 0,5% e 1% do PIB, a depender dos pleitos a serem aceitos.

Em paralelo, avança no Congresso proposta de prorrogação da “desoneração da folha de pagamentos”, cuja extinção está prevista para o final de 2021. Há ampla literatura mostrando resultados pífios da iniciativa na geração de empregos, associados a alto custo fiscal por emprego gerado.

Não obstante, sempre houve forte lobby, por parte de associações de empresas beneficiadas pela medida, no sentido de prorrogar sua validade. Enquanto o Ministério da Economia fala em compensar as perdas da reforma do IR com redução dos benefícios tributários, a vida real mostra que benefícios como o da desoneração da folha tendem a aumentar.

Do lado da despesa, temos a expansão do Bolsa Família. A pandemia gerou, de fato, ampliação da pobreza, o que requer maior atenção da assistência social. Contudo, a Medida Provisória 1.061/21, que cria o Programa Auxílio Brasil, contém vários problemas de desenho que geram o risco de piorar a qualidade dos programas assistenciais, a despeito do aumento da clientela atendida e do valor médio do benefício.

Uma postura de menor risco fiscal e operacional seria manter o programa atual, apenas aumentando o valor básico dos benefícios e reduzindo a fila de espera.

Outros projetos de gastos vão tomando corpo no Congresso, a exemplo da criação do auxílio gás (PL 2350/21) ou o pagamento emergencial a agricultores familiares (PL 832/21), sem qualquer harmonização com o desenho do Auxílio Brasil.

Acrescente-se o impacto do aumento das despesas com dívidas judiciais previstas para 2022. Para lidar com esse gasto extra, sem abrir mão do espaço para que o presidente e o centrão realizem suas pautas, o Ministério da Economia propôs o parcelamento dos débitos.

Antes de propor essa saída, o Ministério da Economia, como responsável maior pela higidez fiscal, deveria ter ido ao STF (Supremo Tribunal Federal), por intermédio da AGU (Advocacia-Geral da União), para judicializar os precatórios devidos aos estados, copiando o que os estados usualmente fazem com a dívida junto à União. O fez posteriormente, depois da péssima repercussão da ideia de parcelamento.

Além disso, deveria mostrar que seria possível pagar integralmente os precatórios dentro do teto de gastos, explicitando as opções disponíveis: não acrescentar emendas de relator ao orçamento, não elevar o Fundo Partidário, financiar parte do aumento do Bolsa Família com recursos das emendas parlamentares individuais e de bancada, não aprovar a desoneração da folha e outros projetos de aumento de despesas em tramitação no Congresso.

Há tempo para evitar o descarrilamento fiscal. Se a essa mudança de postura for acrescentado o abandono da distorcida reforma do IR, os números para 2022 melhorariam bastante.

Em um cenário benigno para 2022, em que todas as medidas acima fossem adotadas, e não houvesse necessidade de créditos extraordinários para despesa relacionada à Covid, a despesa primária total ficaria em 17,7% do PIB. Evitando-se também as perdas de arrecadação, mediante o abandono do projeto do IR, seria possível manter, pelo menos, a receita líquida de 2021 (17,1% do PIB), o que nos levaria a um déficit primário de 0,6%, bem abaixo dos 1,8% da última previsão oficial feita pelo Ministério da economia para 2021.

No outro extremo, supondo que a reforma do IR gere elevada perda de receita de 1% do PIB, e o teto perca relevância, com as despesas primárias voltando para o patamar de 2019 (19,5% do PIB), iríamos para um déficit de 3,4% do PIB. Valor mais de 5 vezes maior que o cenário benigno.

Essa amplitude de possibilidades e a incerteza política, que dificulta a atribuição de probabilidades a cada um dos cenários é, possivelmente, a causa da desancoragem das expectativas fiscais. A percepção de que o Ministério da Economia foi subordinado à pauta política aumenta a aposta no pior cenário.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.