Descrição de chapéu Financial Times

Mudanças climáticas extremas afetam até voos de aviões

Tempestades, fumaça de incêndios e calor, que reduz a força de ascensão das aeronaves, prejudicam companhias aéreas

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Claire Bushey Philip Georgiadis
Financial Times

Algumas companhias de aviação e aeroportos começaram a se planejar para um futuro no qual abalos climáticos severos afetam os cronogramas de voos com mais frequência, agora que a mudança do clima está fazendo com que aumente a probabilidade de calor extremo e grandes tempestades.

Este mês, tempestades forçaram o cancelamento de mais de 300 voos no aeroporto O’Hare, de Chicago, e no aeroporto de Dalas/Fort Worth, no Texas. Em julho, oito voos foram cancelados em Denver e outros 300 sofreram atrasos devido aos incêndios florestais que atingiram a região do Pacífico Noroeste dos Estados Unidos. O calor extremo afetou decolagens em Las Vegas e no Colorado no começo deste verão [do final de junho ao final de setembro, no hemisfério norte].

As perturbações se alinham a uma tendência: cancelamentos e atrasos de voos causados pelo clima se tornaram muito mais frequentes nos Estados Unidos e na Europa durante as duas últimas décadas, demonstram dados das autoridades regulatórias. Embora seja difícil vincular qualquer tempestade ou onda de calor individual à mudança do clima, estudos científicos determinaram que elas se tornarão mais frequentes ou intensas à medida que o planeta se aquece.

A ICAO (Organização Internacional da Aviação Civil), o órgão vinculado à ONU que estabelece normas para o setor, constatou em uma pesquisa de 2019 entre seus países membros que três quartos dos respondentes afirmavam que seus setores de transporte aéreo já estavam experimentando algum impacto causado pela mudança no clima.

“É algo que absolutamente ocupa nossos pensamentos, com relação a se poderemos continuar mantendo nosso cronograma de voos, especialmente se considerarmos o crescimento que temos planejado para o futuro”, disse David Kensick, vice-presidente de operações mundiais da United Airlines. “Com a mudança no clima, estamos vendo um clima cada vez mais difícil de prever, e por isso teremos de lidar melhor com as situações criadas por ele”.

As companhias de aviação respondem por cerca de 2% das emissões mundiais de gases causadores do efeito estufa, ainda que, se outras substâncias emitidas por aviões forem consideradas, alguns estudos indiquem que seu impacto sobre o clima pode ser ainda maior.

O impacto potencial da mudança do clima sobre o setor é abrangente. Em curto prazo, as condições climáticas intensas criam dores de cabeça operacionais. Desvios forçados e cancelamentos de voos aumentam os custos de um setor que perdeu bilhões de dólares durante a pandemia.

Em prazo mais longo, as companhias de aviação acreditam que as mudanças nos padrões do clima alterarão as rotas de voo e o consumo de combustível. Provavelmente, voos entre a Europa e os Estados Unidos demorarão mais tempo, quando a “jet stream” que existe por sobre o Atlântico Norte mudar, por exemplo.

“A aviação será vítima da mudança do clima, além de ser vista, por muitas pessoas, como um dos vilões”, disse Paul Williams, professor de ciência atmosférica na Universidade de Reading, no Reino Unido.

O número de atrasos atribuídos ao mau tempo no espaço aéreo europeu subiu de 2,5 milhões em 2003 a um pico de 6,5 milhões em 2019, de acordo com dados da Eurocontrol, embora parte dessa alta possa ser atribuída ao crescimento do setor. Como proporção das causas gerais de atraso, problemas de clima subiram de 23% para 27% no mesmo período.

A proporção de voos cancelados nos Estados Unidos por conta do clima aumentou de aproximadamente 35% do total em 2004 para 54% em 2019, de acordo com a FAA (Administração Federal da Aviação) americana.

Mark Searle, diretor mundial de segurança na Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA), disse que as companhias de aviação haviam se adaptado ao longo dos anos à mudança do clima.

“Existe uma situação evoluindo, mas não é como se estivéssemos à beira do precipício”, ele disse. “Na verdade, nós a estamos administrando muito bem”.

Para os aeroportos, isso pode significar preparação para níveis de mar mais elevados. O novo terminal de passageiros do aeroporto de Changi, em Singapura, foi construído apenas 5,5 metros acima do nível médio do mar. A Avinor, que opera aeroportos ao longo da costa da Noruega, determinou que todas as pistas de aterrissagem novas sejam construídas pelo menos sete metros acima do nível do mar.

No caso das companhias de aviação, será necessário recorrer à tecnologia. A American Airlines e a United Airlines melhoraram sua capacidade de prever a proximidade de relâmpagos, permitindo que o trabalho nos pátios continue por mais tempo, antes de uma tempestade que se aproxima, sem colocar em risco o pessoal de terra.

Em diversos de seus aeroportos centrais, a United Airlines, sediada em Chicago, também criou sistemas de taxiagem automática que permitem que aviões sejam conduzidos aos terminais mesmo que tempestades impeçam que agentes de rampa os orientem até os portões.

O clima severo exige pessoal adicional. As operadoras são forçadas a pagar horas extras quando seu pessoal de embarque e dos call centers enfrenta demanda adicional gerada por passageiros tentando reorganizar suas viagens. As empresas terão de calcular se compensa mais pagar o adicional por horas extras, criar turnos adicionais de trabalho ou deixar que os passageiros arquem com as consequências dos problemas.

“Haverá custo adicional de qualquer forma se –e essa é uma questão em aberto– as companhias de aviação decidirem que querem lidar com isso”, disse Jon Jager, analista da Cirium, uma empresa de pesquisa sobre aviação.

Embora os passageiros tipicamente culpem as companhias de aviação pelos problemas que encontram, as regras dos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia não exigem que elas indenizem os passageiros por problemas causados pelo clima. “A Mãe Natureza serve como desculpa para livrar as companhias de aviação de problemas”, disse Jager.

Perturbações surgem não só com tempestades, mas com extremos de calor. Aviões enfrentam dificuldade para decolar em temperaturas muito elevadas, porque o ar quente é menos denso, o que significa que as asas criam menos empuxo aerodinâmico. Quanto mais quente a temperatura, mais leve um avião precisa estar para decolar, especialmente em aeroportos com pistas curtas e em áreas quentes.

Williams, o cientista atmosférico, publicou um estudo no qual constata que, para um Airbus A320 decolando da ilha grega de Chios, a carga útil teve de ser reduzida em cerca de 130 quilos por ano, ao longo de três décadas –o que equivale, em linhas gerais, ao peso de um passageiro e sua bagagem.

A Iata está negociando com seus integrantes sobre a adoção de novas metas relacionadas à mudança do clima neste ano. As metas atuais do setor, adotadas em 2009, incluem reduzir à metade o nível de emissões de 2005, até 2050, e que todo crescimento seja neutro em termos de emissões de carbono, de 2020 em diante.

Mas em muitas áreas do setor, especialmente na Europa e Estados Unidos, existe uma convicção de que metas mais duras, incluindo um compromisso de zerar as emissões líquidas de poluentes, são necessárias.

“Acreditamos que provavelmente devemos ir além, e estamos trabalhando nisso”, disse Alexandre de Juniac, que está encerrando seu mandato como presidente da Iata, ao Financial Times alguns meses atrás.

Williams disse que a abordagem do setor de aviação quanto à mudança do clima parecia estar mudando.

“Historicamente, havia muita gente cética sobre a mudança do clima no setor de aviação, mas percebi uma mudança”, ele disse. “Agora o setor é muito mais honesto”.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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