O bom do capitalismo é que ele escala soluções, diz sócia da gestora EB Capital

Para Luciana Ribeiro, não existe incompatibilidade entre lucro e propósito

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Belo Horizonte

“Se tem uma coisa que o capitalismo possui de positivo, é o fato de escalar soluções”. É assim que Luciana Ribeiro explica como o capital privado pode ajudar o Brasil a resolver problemas que duram gerações.

Luciana é sócia da EB Capital, gestora de private equity criada em 2017 e comandada por nomes de peso do mercado, como Pedro Parente, ex-presidente da Petrobras, Fernando Iunes, ex-Itaú BBA, e Eduardo Sirotsky Melzer, do grupo RBS.

Na visão dela, o ESG contaminou positivamente o capitalismo, mas os princípios ambientais, sociais e de governança também se beneficiam dessa associação, à medida em que investidores percebem ser possível obter lucro em projetos com propósito.

"Eu vejo o mercado financeiro olhando o tema pela perspectiva do risco, mas, cada vez mais, as empresas veem o ESG como uma oportunidade", afirma.

Mulher de branco posando para foto encostada no parapeito da varanda de um prédio
Luciana Ribeiro, 43, é sócia da EB Capital, gestora de private equity com foco em investimentos que alinhem propósito e lucro. Formada em Direito e com MBA pela Columbia University, trabalha há mais de 10 anos no mercado financeiro. Já integrou o conselho consultivo da ONG The Nature Conservancy e é membro do comitê de investimentos da e.Bricks Ventures - Adriano Vizoni/Folhapress

A EB Capital investe em negócios não listados na Bolsa, buscando a valorização do capital por meio de posições de controle nessas companhias.

Segundo Luciana, o foco é atuar em projetos que resolvam problemas estruturais do país, como acesso à internet e educação profissionalizante. Hoje, a EB possui cerca de R$ 3 bilhões sob sua gestão.

Em quais negócios a EB Capital investe?

O nosso viés sempre foi identificar onde estavam as grandes lacunas estruturais brasileiras e apoiar, como capital privado, a solução para esses problemas. O propósito está contaminando positivamente o capitalismo e, da mesma maneira, a gente acredita que o capitalismo pode trazer elementos positivos para o propósito. Se tem uma coisa que o capitalismo possui de positivo, é o fato de escalar soluções.

A EB tem esse mindset de resolver com escala problemas brasileiros que são de muitos e muitos anos. O capital privado pode ser determinante na solução.

Um exemplo: a gente identificou que o Brasil ainda é um país desigual sob a perspectiva de acesso à internet. Durante a pandemia, várias crianças não conseguiram assistir às aulas porque não tinham uma internet de qualidade. Em 2017, começamos a investir justamente em levar fibra óptica para cidades menores.

Outro tema que para nós é bastante preocupante é a inclusão produtiva. Estamos atingindo quase 50% de desemprego no público jovem, o que é uma coisa devastadora. Esse jovem provavelmente não vai atingir o mesmo nível de patrimônio dos seus pais, sendo que acabamos de passar pelo boom demográfico. A gente também atua nessa frente, investindo em educação profissionalizante.

Uma pesquisa da consultoria Bain & Company mostrou que ainda há muito ceticismo no mercado de private equity sobre o ESG. Como você avalia isso?

Isso mostra mais que as pessoas estão com dificuldade de entender "como fazer" do que de fato uma descrença no ESG. Eu vejo o mercado financeiro olhando o tema pela perspectiva do risco, mas, cada vez mais, as empresas veem o ESG como uma oportunidade. Pode ser uma oportunidade no tema do carbono, para posicionar o Brasil competitivamente, pode ser uma oportunidade em tecnologia e em outras frentes.

Um dos grandes problemas brasileiros é a inclusão produtiva, que hoje é um jogo do "perde-perde". Perdem as empresas, que não conseguem contratar e ganhar mais eficiência, e perde o Brasil, porque tem um patamar de desemprego monumental na faixa jovem, o que vai fazer com que a gente só empobreça como sociedade.

Como grupo de investidores de private equity, nós temos um perfil de investimento de médio e longo prazos, que está muito atrelado à crença de que, se você fomentar os pilares da economia, os retornos financeiros serão maiores.

E quando não é possível conciliar lucro e propósito?

Aí cada um tem que fazer as suas escolhas. Nem todos os investimentos disponíveis para private equity têm propósito. Cabe ao investidor e à gestora decidirem quais são os rumos que querem trilhar. Se quer investir em negócios que são prejudiciais para o planeta e para o indivíduo ou se quer contribuir com o futuro que nós queremos viver.

Agora, eu acho que não tem muita escolha. Cada vez mais o investidor e o consumidor estão exigindo essa mudança.

Investidores estão dispostos a reduzir suas margens de lucro para que o propósito de uma empresa não seja comprometido num momento de crise, por exemplo?

Essa é uma pergunta “tricky” [complicada] porque eu acredito que o propósito deve estar na essência do negócio. Quanto mais eu vender fibra óptica dentro das áreas que elegi, mais sucesso eu vou ter como companhia. Quanto mais alunos eu tiver nas minhas escolas de ensino profissionalizante —e quanto mais eles forem empregados—, mais sucesso eu vou ter no meu negócio.

Se uma empresa for capaz de trazer o propósito para dentro da atividade, não vai haver incompatibilidade entre propósito e lucro. Escolher entre um ou outro acontece quando você faz coisas completamente desconectadas do "core-business" [essência do negócio], o que passa a ser quase uma área de filantropia da empresa.

Existe um argumento de que erradicar a pobreza e combater a desigualdade são funções públicas e não de entes privados. Que responsabilidade social as empresas têm?

Acho que temas macro não são de responsabilidade do governo, são responsabilidade de todos. Claro que assuntos vinculados a legislações são eminentemente governamentais. Nós, como sociedade civil, podemos influenciar, discutir, nos posicionar, mas não temos como vestir o traje de governo e tomar as decisões.

Qual o problema estrutural brasileiro que é pouco trabalhado ou mesmo invisível para as empresas?

A inclusão produtiva. Esse é o gargalo da maior parte das empresas. A dificuldade de contratação é imensa, apesar do desemprego em massa. Hoje o tema é relevante para as empresas e elas vão ter que se posicionar, ajudar no treinamento, no acolhimento das pessoas.

Não acho nem que seja invisível. A gente não tem noção é do tamanho do problema. Não são apenas os 14% de desempregados, o problema é o efeito nefasto disso no tempo. Imagine uma sociedade como a brasileira ter o próximo ciclo —que é o ciclo do boom demográfico— de pessoas mais pobres que seus pais.

Recentemente o presidente Jair Bolsonaro deu declarações que foram consideradas afrontosas à democracia, especialmente ao questionar a legitimidade das eleições. Isso é algo que preocupa investidores?

Eu prefiro não entrar muito no tema da política, mas eu diria que hoje a imagem do Brasil não é positiva. Essas volatilidades obviamente afetam o país. A gente vê um retorno agora do capital internacional para o Brasil com um pouco mais de fluxo, mas há uma preocupação com as instituições —e esse é um problema nosso como sociedade.

Isso pode prejudicar o avanço do tipo de negócio que a EB Capital quer escalar?

Não. Acho que tem muito espaço no mercado. Existe muita liquidez hoje e uma consciência clara dessa grande oportunidade. Eu vejo um espaço enorme para crescimento do perfil de negócios que a gente está olhando.

Defender a democracia é um tema com o qual as empresas deveriam estar comprometidas?

Acho que nós como sociedade civil devemos nos posicionar sobre qual país queremos. Então, indiretamente, acredito que sim.

E o ambiente corporativo brasileiro está comprometido com isso?

A partir da pandemia de Covid-19 houve uma mobilização da sociedade civil em torno de causas relevantes para o país que eu nunca tinha visto na minha vida adulta. Se dá para ter algum saldo positivo de pandemia, é o fato de que a sociedade brasileira está muito mais presente do que antes.

A Alemanha pós-guerra, por exemplo, se uniu para ajudar o país a ressurgir das trevas. Claro que tem muito brasileiro saindo do Brasil e desgostoso com a situação do país, mas eu nunca tinha visto antes —talvez apenas nas Diretas Já— um movimento com tanta garra de 'somos brasileiros'. Eu vejo um senso de pertencimento importante, ainda que os desafios sejam grandes.

Quais são os principais desafios em que investidores podem contribuir no pós-pandemia?

Os investidores precisam aliar suas crenças pessoais com seus investimentos. Eu já vejo isso acontecendo em relação a temas como clima, questões sociais, governança. Cada vez mais o brasileiro e o investidor externo precisam alinhar o que investe com o que acredita. Isso não quer dizer abrir mão de resultado e de retorno financeiro.

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