Para filha de Lucio Costa, venda de Palácio Capanema seria atestar ignorância

Arquitetos lançam manifesto contra inclusão de edifício icônico em feirão da União

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Rio de Janeiro

Filha do arquiteto Lucio Costa, a também arquiteta Maria Elisa Costa, 86, publicou nas redes sociais uma carta em que critica a intenção do governo Bolsonaro de vender o Palácio Gustavo Capanema, prédio icônico projetado pelo pai, no Rio de Janeiro. Na postagem, Maria Elisa afirma que o edifício foi um marco definitivo na consolidação da arquitetura moderna não apenas no Brasil, mas no mundo.

E acrescenta: "Ignorar este fato é um atestado de ignorância que o Brasil não merece. Como afirma Lucio Costa num vídeo: 'Nós não somos medíocres, não temos vocação para a mediocridade'", escreveu Maria Elisa, que preside o Instituto Lucio Costa.

Como antecipado pelo jornal Valor Econômico e confirmado pela Folha, o palácio de 16 andares integra o pacote de imóveis que o governo planeja apresentar, no fim deste mês, a potenciais investidores. O feirão programado pelo Ministério da Economia inclui outros 2.263 imóveis situados no Rio de Janeiro.

O programa já identificou 3,8 mil imóveis com valor estimado em R$ 30 bilhões em todo o país.

Para Maria Elisa, a inclusão do Palácio Capanema no leilão significa "considerar como um 'terreno baldio' a ser posto à venda nada menos do que a área central do Rio de Janeiro onde foi construída, nos anos 30, a sede do Ministério da Educação e Saúde, criado pelo ministro Gustavo Capanema".

"Não é possível que o mesmo país precursor, que construiu o "Ministério" nos anos 30, admita a possibilidade de destruí-lo hoje", conclui.

A comunidade arquitetônica lançou um manifesto em que se diz assombrada com a ameaça de venda do palácio, construído durante a 2ª Guerra Mundial e inaugurado pelo presidente Getúlio Vargas em 3 de outubro de 1945. O presidente foi deposto três semanas depois.

Sob o título "o MEC não pode ser vendido", o documento endossado por arquitetos e urbanistas relata que, "em 1935, Lucio Costa foi encarregado por Gustavo Capanema, então ministro da Educação e Saúde Pública, para elaborar o projeto do edifício com a colaboração de Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy e Ernani Vasconcellos. A equipe de arquitetos contou com a consultoria Le Corbusier, apontado como mestre da arquitetura moderna."

Encabeçado pelo CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil), o abaixo-assinado lembra que o MEC, como o prédio é conhecido, foi tombado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1948. Na justificativa, foi descrito como "a primeira edificação monumental, destinada a sede de serviços públicos, planejada e executada no mundo, em estrita obediência aos princípios da moderna arquitetura”.

Assinado pela Abea (Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo), pela Abap (Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas) e pelo Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Brasileiro, o manifesto diz que o valor do palácio é incalculável.

"Quanto vale um prédio concebido, projetado e construído para ser um símbolo da cultura nacional? O edifício sobre pilotis pousa elegantemente na esplanada com jardins de Roberto Burle Marx e a escultura Juventude de Bruno Giorgi. No térreo, revestido com painéis de azulejos de Candido Portinari, encontram-se as obras de Prometeu e o Abutre de Jacques Lipchitz. Por tudo isso, a sede do ministério passou a ser denominada, na década de 1970, Palácio Cultura", diz.

O abaixo-assinado descreve detalhes do palácio, cuja construção foi iniciada em 1937, com afrescos de Cândido Portinari e móveis projetados por Oscar Niemeyer. E ressalta que, desde 1996, o prédio integra a lista Indicativa do Brasil ao reconhecimento como Patrimônio Mundial.

O manifesto diz que, em 1943, o Palácio Capanema foi considerado, pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, o edifício mais avançado em construção no mundo. Segundo o documento, torna-se "impensável que se possa tratar este símbolo do Brasil, moderno e amante das artes, como um simples prédio administrativo a ser vendido para gerar caixa para o Governo Federal".

Ex-presidente do IPHAN, Jayme Zettel, 89, afirma que "o primeiro prédio moderno no mundo é o Gustavo Capanema".

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