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PEC de precatórios burla teto, cria Orçamento paralelo e tem efeito negativo na dívida pública, diz IFI

Órgão que monitora a qualidade das contas públicas critica drible à regra fiscal que abre espaço no Orçamento em ano de eleições

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Brasília e São Paulo

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) apresentada ao Congresso pelo governo Jair Bolsonaro para parcelar precatórios e criar um fundo com ativos da União representa uma burla ao teto de gastos e abre caminho para a criação de um Orçamento paralelo, avalia a IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado).

Nota técnica antecipada à Folha pelo órgão que monitora a qualidade as contas públicas conclui que os efeitos negativos da PEC sobre os juros e a dívida pública serão relevantes e poderão anular potenciais ganhos de curto prazo promovidos pelo texto do governo.

O documento, assinado pelos diretores da IFI Felipe Salto e Daniel Couri, afirma que a PEC não traz nenhum avanço em termos de ajuste fiscal para abrir espaço no teto, regra que limita o crescimento das despesas do governo à variação da inflação. Segundo eles, a margem é criada apenas pela falta de pagamento imediato de um gasto obrigatória como o precatório.

“O parcelamento de despesas obrigatórias constitui séria burla às regras do jogo. A proposta, na prática, cria nova exceção ao teto de gastos para possibilitar seu cumprimento em 2022. Um arcabouço de normas fiscais que se pretenda crível, isto é, que sirva à ancoragem de expectativas, não pode ser alterado para atender a objetivos de curtíssimo prazo. Na iminência do descumprimento, altera-se a regra”, afirma o documento.

A estrutura principal da proposta estabelece o parcelamento em dez anos de todos os precatórios (dívidas do governo reconhecidas pela Justiça) com valor superior a R$ 66 milhões. Além disso, cria uma regra temporária para parcelar débitos sempre que o valor desses passivos superar 2,6% da receita líquida. Para 2022, está previsto o parcelamento de todos os débitos judiciais com valor superior a R$ 455.

Com a medida, o governo espera abrir R$ 33,5 bilhões de espaço no Orçamento de 2022. A proposta viabiliza, por exemplo, que o Bolsa Família seja turbinado.

A nota técnica ressalta que a PEC institui um fundo a ser composto por receitas de venda de imóveis e participação de empresas da União, dividendos recebidos de estatais, receitas de concessões e recursos de petróleo.

Com o mecanismo, o governo poderá usar o dinheiro que ingressar nesse fundo para amortizar a dívida pública e quitar antecipadamente precatórios que forem parcelados. Foi aventada a possibilidade de usar essa verba também para repasses a programas sociais, mas a ideia não foi inserida na versão final da PEC.

“As operações passarão ao largo da Lei Orçamentária —fora, portanto, do controle parlamentar— e não estarão sujeitas ao teto de gastos. Presume-se que a tese defendida para tanto seja a de que os precatórios constituem dívida, a ser então amortizada via novo fundo. Perde-se transparência e abre-se caminho à criação de orçamentos paralelos”, diz a nota.

O documento afirma que o adiamento dos precatórios afeta a dinâmica do teto em um contexto de eleições presidenciais e ressalta que esse espaço deve ser ocupado por benefícios sociais criados em substituição ao Bolsa Família.

Para os economistas, a medida representa uma materialização de riscos fiscais, gerando consequências negativas sobre o preço de ativos.

Na visão da IFI, o risco gera aumento dos juros exigidos pelo mercado nas operações com títulos públicos. Além disso, tem impacto sobre câmbio e inflação, o que pode levar a uma ampliação da taxa Selic pelo Banco Central.

A instituição afirma que haverá efeito negativo desses dois pontos sobre a dívida pública, com aumento do custo médio das novas emissões do Tesouro. Isso, segundo a IFI, prejudica a dinâmica do endividamento do governo, dificultando a tarefa de tornar a dívida sustentável.

“O efeito de uma medida que preconiza produzir espaço fiscal, mas à custa das regras do jogo, causará uma turbulência relevante sobre as expectativas do mercado. O ganho que se observa na superfície será rapidamente suplantado pelo prejuízo causado ao quadro fiscal agregado, via juros e dívida pública”, afirma.

A IFI atribui o impasse apresentado agora pelo governo a uma falha na elaboração da PEC Emergencial, aprovada neste ano e que criou uma série de gatilhos de ajuste fiscal, como a suspensão de concursos e reajustes de servidores.

Segundo o órgão, o mecanismo da PEC Emergencial é inconsistente e apenas acionará os gatilhos em caso de estouro do teto ou restrição orçamentária que já inviabilizaria o funcionamento da máquina pública (95% de despesas obrigatórias em relação ao teto).

Para os economistas, se o percentual fosse mais factível, por exemplo em 92%, a regra de ajuste poderia ser acionada já em 2022 e não haveria necessidade de se propor a PEC com parcelamento de precatórios.

Em relatório de gestão, o a gestora de recursos Verde afirmou que o país "parece flertar perigosamente com o passado".

"As seguidas discussões recentes sobre tirar gastos do teto, com vistas a operações de cunho eleitoral, sinalizam uma preocupante vontade de reviver de modo permanente o 'acelerador fiscal' no modelo macro brasileiro", afirmou.

Segundo a gestora, tal medida demandaria, no futuro, a volta de um "freio monetário", afetando a performance dos ativos de risco brasileiro "e reverter, ou prejudicar, o processo de aprofundamento e sofisticação do mercado de investimentos no Brasil".

Regra de ouro

Sobre o trecho da PEC que autoriza o Executivo a descumprir a regra de ouro sem um aval específico do Congresso, o economista da Tendências Fabio Klein, especialista em contas públicas, lembra que o cumprimento da regra passou a ser um problema mais recentemente.

"Talvez, a mudança traga ganhos de agilidade, mas o problema segue sendo o mesmo: estamos tendo déficits correntes e as nossas despesas correntes consomem quase todos os recursos. Hoje, diz, a regra de ouro é furada para cobrir despesas primárias. "Para mudar isso, é preciso fazer reformas."

Já o economista do Insper Marcos Mendes, um dos pais do teto de gastos, avalia que a regra de ouro já é uma medida que não tem funcionado nos últimos anos e que o mercado já entendeu que a regra de ouro hoje é mais um problema do que uma medida preventiva.

"Mas isso pode fragilizar o teto de gastos. Ao pagar menos precatórios, cria-se um incentivo para não pagar outras despesas, deixar que elas se transformem em ações judiciais e que sejam parceladas lá na frente", pondera.

Ele afirma, ainda, que a PEC é uma medida que demonstra a opção do governo por aumentar gastos em vez de tentar reduzir despesas. "O sistema político escolheu aumentar o Bolsa Família sem cortar outros programas, escolheu também aumentar as emendas para relator. Fazer esse tipo de escolha custa caro."

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