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Quem tem dinheiro está preocupado; quem não tem está muito

Orçamento em elaboração, brechas no teto de gastos e frustração do mercado com as reformas prometidas encurralam o Banco Central

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José Francisco Lima Gonçalves

É professor de Economia da FEA-USP e economista chefe do Banco Fator

A elevação da Selic em um ponto percentual, para 5,25% ao ano, era aguardada. A piora da inflação corrente, mais do que se supunha, e da inflação esperada no horizonte que a política monetária afeta já era dada.

O ambiente mais tenso em relação à situação fiscal do país, o Orçamento em elaboração, as brechas no teto de gastos e a frustração do mercado com as reformas prometidas encurralam o Banco Central, reduzido a manipular a Selic para tentar atingir a meta de inflação.

Altas semelhantes, ou maiores, apenas às vésperas do governo Luiz Inácio Lula da Silva, no ambiente turbulento de 2008 ou em meados de 2001, com a incerteza da crise hídrica. Em outros momentos de alta, a Selic teve ciclos no ritmo de 0,50 ou 0,75 ponto percentual por reunião.

Sede do Banco Centra, em Brasília - Adriano Machado - 29.out.2019/Reuters/File Photo

Naqueles episódios, estávamos longe das péssimas condições da economia atual. Desemprego beirando os 15% e renda das famílias em queda real; endividamento das famílias e das empresas elevado sob qualquer perspectiva; expectativas sobre a atividade em declínio, a partir de níveis já modestos.

A avaliação do Copom, a necessidade de elevar os juros para evitar que a alta de preços se generalize e a inflação saia da meta, se baseia em parte na recuperação da economia. A ideia é abortar a recuperação em seu papel “inflacionário”. Uma economia que talvez tenha caído no segundo trimestre será abafada nos meses adiante.

O ambiente global desenha riscos para a atividade econômica e para as condições financeiras. Ainda que o banco central americano só eleve sua taxa básica de juros no fim de 2022, iniciará antes a mudança na estratégia para seu balanço e o programa de compras de ativos financeiros. A instabilidade é inevitável.

Mas, no regime de metas de inflação, tem razão o Copom. O regime se baseia em modelos que buscam estimar grandezas não conhecidas: quanto a economia pode crescer sem que pressões sobre preços apareçam e qual a taxa de juros, “neutra”, associada a esse limite.

No limite, a medida de risco adotada em tal regime é a taxa de juros de mercado, o misto de inflação esperada e prêmio de liquidez. Por mais que se negue, a experiência recente ajuda a olhar para a taxa de câmbio e outros indicadores de risco. Se, em 2018, o Copom resistiu à alta do dólar e segurou a Selic sem perder a meta, hoje, a perspectiva de mais incerteza o leva às cordas.

E a economia irá junto. Como esperado, o Copom avisou que na próxima reunião a dose será a mesma e que buscará juros acima do neutro, isto é, contracionistas. Quem tem dinheiro está preocupado. Quem não tem, muito preocupado.

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