Descrição de chapéu inflação juros

Retomada perde fôlego, e cenário é de instabilidade e crescimento medíocre

Reaquecimento dos serviços anima economistas, mas inflação, juros em alta e antecipação de eleições pesam contra

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São Paulo

Alessandro Cardoni, 49, quase não consegue segurar a ansiedade. Dono da casa de jazz Whiplash Bar, em São Paulo, ele teve de fechar as portas com apenas seis meses de funcionamento, por conta das medidas de isolamento, e finalmente vai poder reabrir o negócio em setembro.

O empresário pretendia ampliar a casa noturna pouco antes da pandemia, mas os oito meses em que ficou sem funcionar adiaram os planos. "Depois da perda de vidas, a pior coisa da pandemia é não conseguir se planejar", diz.

Parte de um setor combalido pela Covid-19, ele não deve investir na empresa ou fazer contratações tão cedo. Só voltará a pensar nisso se a recuperação for consistente, o que ainda não está no seu radar.

O empresário Alessandro Cardoni, dono da casa de jazz Whipash, que está segurando investimentos, sentado no balcão da casa de shows vazia, por causa da pandemia
Alessandro Cardoni, dono da casa de jazz Whipash, que está segurando investimentos - Zanone Fraissat/Folhapress

Cardoni sintetiza um sentimento crescente não apenas entre empresários, mas também entre os economistas.

Se, por um lado, o reaquecimento do setor de serviços é uma das principais fontes de otimismo entre analistas quando falam do segundo semestre, por outro, ganha espaço a percepção de que o pico da recuperação já tenha ocorrido no começo do ano e que o país está voltando ao "mais do mesmo".

Na década de 2011 a 2020, o Brasil cresceu na casa dos 2% e havia a expectativa de que poderia iniciar um ciclo mais auspicioso com a mudança de governo e reformas. Na esteira da retomada, os analistas reviram para cima as projeções de crescimento deste ano, prevendo alta 5% no PIB (Produto Interno Bruto).

O IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central), que monitora o crescimento mensalmente e é considerado uma prévia do PIB, tem sinalizado o amortecimento da retomada. Depois de forte crescimento em janeiro e fevereiro (1,04% e 1,7%), sofreu retração em março (-1,59%) e subiu um pouco em abril (0,85%). Em maio, voltou a registrar queda (-0,43%), decepcionando analistas que previam uma alta de 1%, segundo levantamento da Reuters.

As projeções para o ano que vem, porém, já refletem a "volta do mesmo". O Boletim Focus, que reúne avaliações das principais casas de análise semanalmente, previa, em janeiro deste ano, que o crescimento de 2022 seria de 2,5%. Em março, as expectativas começaram a cair. No levantamento da semana passada, a projeção estava em 2,1%. O FMI (Fundo Monetário Internacional) já baixou para 1,9%.

O cenário do segundo semestre vai ficando turvo para a economia diante do crescimento de múltiplos riscos: inflação persistente, seca histórica que compromete o abastecimento de energia elétrica e o agronegócio, altas de juros e desarranjo fiscal somado à deterioração do ambiente político e institucional.

Ao colocar o processo eleitoral em dúvida e fazer ataques cada vez mais intensos aos ministros do Supremo Tribunal Federal, o próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) também acaba por antecipar e aumentar as turbulências políticas, que antes eram esperadas apenas lá na frente, no período eleitoral.

Na visão dos analistas, aumento da volatilidade no câmbio e da insegurança provocada pela antecipação da disputa presidencial já contaminam expectativas. Prova disso é que o setor empresarial reagiu de maneira inédita. O setor privado publicou na quinta-feira (5) um manifesto de apoio ao sistema eleitoral e à democracia, e repudiando "aventuras autoritárias".

O documento começou com 110 nomes entre banqueiros, empresários e outros representantes da sociedade e atraiu na sequência mais de 6.000 adesões.

Outra força contrária à retomada afeta diferentes setores em escala global. Trata-se do aumento do preço das matérias-primas e da ruptura da cadeia de fornecimento que persiste em vários segmentos, especialmente no automotivo.

"Com o avanço da vacinação, o setor de serviços vai voltar, mas já há um choque de oferta agora, que vai bater cada vez mais na crise de energia, e a inflação de serviços também vai apertar os demais preços", avalia o economista do Insper Roberto Dumas. "Não sejamos líderes de torcida, é melhor o país crescer do que cair, mas os problemas não deixaram de existir."

Ele também ressalta que um outro desafio, que hoje parece fora do radar de parte dos analistas, tende a voltar no ano que vem: a escalada da dívida pública. "Comemorou-se a queda da relação dívida/PIB para 84%, mas isso não ocorreu por alguma reforma fiscal que o governo tenha feito. Foi a inflação mais alta que escondeu parte do problema e ele vai voltar a aparecer quando a inflação cair."

Para João Leal, analista da Rio Bravo, o efeito direto de um agravamento da crise política e de uma ruptura do processo eleitoral é um aumento da incerteza na economia. "Em um ambiente de riscos elevados há uma paralisação ou mesmo uma fuga de investimentos externos e internos."

O reflexo disso, ele explica, seria a desaceleração da atividade econômica ou até uma retração, com desemprego mais elevado, câmbio depreciado, inflação e juros mais altos. Esse cenário de erosão da democracia acabaria por criar um ciclo vicioso, prejudicial para a economia e para a renda da população.

"A tendência é que 2022 traga um período de cautela muito grande dos investidores estrangeiros em relação ao Brasil e que os brasileiros também se retraiam. Isso vai limitar o crescimento no ano que vem. E nem é algo esperado só para o ano que vem, mas já para o fim deste ano", completa Leal.

José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, também avalia que os efeitos da eleição na economia preocupam e devem gerar volatilidade.

"Mas muita água ainda vai passar debaixo da ponte. Um ano e cinco meses no Brasil é muito tempo e vai ser crucial saber qual candidato vai conseguir capitalizar com o fim da pandemia", pondera o economista.

Tudo que o país não precisava agora era de um agravamento da crise política, diz o professor da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro. Ele avalia que o risco de uma ruptura da ordem democrática, com a não aceitação do resultado das eleições, seria uma catástrofe.

"No mesmo dia, os embaixadores das maiores economias do mundo se retirariam do Brasil, o país seria proscrito e embargos comerciais seriam levantados, arruinando o agronegócio", afirma.

Olhando para a economia, ele ressalta que os dados mais recentes de produção industrial mostram o setor entrando novamente em estagnação –e a recuperação, que vinha forte no segundo semestre do ano passado e nos primeiros meses de 2021, perdeu fôlego.

"O agronegócio também não tem capacidade de 'arrasto' para impulsionar a economia e a alta da renda que seria gerada pelo setor este ano já aconteceu", diz Oreiro.

Segundo o professor, ainda que a economia cresça mais de 5% este ano, é preciso lembrar que 3,6% disso correspondem ao chamado carregamento estatístico (a herança de um período anterior). "Para sair do 'mais do mesmo', seria preciso um grande programa de investimentos em obras públicas e focado na economia verde."

Outro movimento importante e que pesa sobre a recuperação no segundo semestre é a alta dos juros. Na semana passada, o Banco Central decidiu elevar novamente a taxa Selic, só que desta vez em 1 ponto percentual, para 5,25%.

Quando o Copom (Comitê de Política Econômica), do Banco Central, eleva os juros básicos, o objetivo é conter a demanda e isso se reflete nos preços, já que juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança. Quando os juros caem, o objetivo é oposto: estimular a atividade econômica.

O momento atual é delicado, pois a alta dos juros ocorre em um cenário de início de recuperação, mas com quase 15 milhões de desempregados e uma inflação que chega a 8,35% em 12 meses até junho, pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor - Amplo), considerado a inflação oficial no país.

Ao mesmo tempo, a crise de energia e a variante delta do novo coronavírus, que joga uma sombra sobre a recuperação tanto no Brasil quanto no exterior, acende um sinal amarelo para os próximos meses. ​

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas), lembra que a pandemia rompeu com os manuais e aumentou a imprevisibilidade. "O risco é que a inflação contamine o ano que vem. Além disso, é de extrema importância ter um avanço rápido da vacinação, com ampla oferta de vacinas."

A inflação tem castigado mais abertamente as famílias mais pobres, com a elevação dos preços de alimentos e energia. Mas também entre os empresários a alta de preços preocupa.

Gestor de marcas na calçadista gaúcha Boaonda, Cássio Romani, 30, considera que a inflação é um dos pontos mais delicados neste início de recuperação. "Não temos certeza se os problemas agravados pela pandemia serão resolvidos por completo. A inflação e a escassez de matéria-prima deixam dúvidas se o consumidor vai ter dinheiro no bolso."

Apesar das incertezas, a empresa ainda não deve segurar investimentos, só considera que os aportes e contratações no setor poderiam ser mais robustos, caso o cenário fosse menos nebuloso.

Segundo o JP Morgan, apesar de a decisão do Banco Central ser esperada e estar na direção correta, o BC ainda parece ter uma visão otimista demais quanto à evolução da inflação este ano e mais cauteloso que a maioria dos analistas ao olhar para a recuperação da atividade econômica.

Já o Goldman Sachs alerta para uma eventual reversão da recente alta dos preços das commodities —os produtos básicos de que o Brasil depende para exportar.

Para o economista e pesquisador na Universidade de Johanesburgo (África do Sul) Paulo César Morceiro, é preciso cautela na alta de juros, para não aprofundar a crise. Ele também defende que o governo crie um programa de estímulos para a recuperação.

"Os países avançados estão se recuperando bem por dois motivos: vacinação, com a economia voltando a um nível de normalidade, e estímulos fiscais. O Brasil deveria focar nas duas medidas, caso queira sair do 'mais do mesmo' e acelerar a recuperação no pós-pandemia."

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