Descrição de chapéu The New York Times

Tóquio teve promessa de glória e riquezas, mas não viu nenhuma

Pandemia acabou eliminando praticamente qualquer vantagem econômica dos Jogos Olímpicos

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Ben Dooley Hikari Hida Hisako Ueno
Tóquio | The New York Times

Os líderes desta cidade prometeram glória e riquezas quando a capital japonesa ganhou a disputa para sediar os Jogos Olímpicos de verão de 2020. Os empregos e a economia cresceriam. O público daria todo o seu apoio. A posição internacional do Japão seria elevada.

As Olimpíadas terminaram neste domingo (8), um ano depois da data planejada e muito fora do script que os organizadores apresentaram quando ganharam os jogos em 2013. O coronavírus obrigou os organizadores a colocar as Olimpíadas dentro de uma bolha anticoronavírus, eliminando praticamente qualquer vantagem econômica ou mesmo espiritual para Tóquio.

Em vez disso, a cidade foi reduzida a um mero recipiente para um megaevento que exigiu muito, mas ofereceu pouco em troca. Mesmo depois de gastar muitos bilhões de dólares, Tóquio viveu as Olimpíadas praticamente como qualquer outra cidade: um evento pela televisão.

Makoto Inoue fez um grande empréstimo para abrir um restaurante mexicano em 2018, perto do novo Estádio Olímpico de Tóquio, esperando que a localização atraísse visitantes nas Olimpíadas e multidões de turistas nos próximos anos.

Makoto Inoue at Ocho Taqueria, the restaurant he borrowed heavily to open in 2018, near the Olympic Stadium in Tokyo, Aug. 6, 2021. Inoue hoped the location would attract visitors plus crowds of tourists for years to come
Makoto Inoue na Ocho Taqueria, restaurante mexicano aberto em 2018, próximo ao novo Estádio Olímpico, em Tóquio; ele esperava que a localização garantisse milhares de turistas - James Whitlow Delano/The New York Times

Na tarde que antecedeu o início dos jogos, clientes se amontoaram em sua pequena loja no porão –uma das primeiras vezes desde que a pandemia começou. Mas às 20h as restrições do coronavírus o obrigaram a fechar as portas, exatamente quando ocorria a cerimônia de abertura dos jogos.

"Eu consegui ver os fogos de artifício", disse Inoue, 43.

Em vez de um reforço econômico, as Olimpíadas trouxeram uma sensação crescente de mal-estar. Já sob o peso de escândalos e bilhões de dólares além do orçamento, os jogos aconteceram contra o desejo da maioria da população japonesa, que os considerava um risco inaceitável para a saúde pública. A insistência dos organizadores em realizá-los reforçou a sensação do público de que os líderes do país são inconfiáveis.

Depois de suportar tanto, muitas pessoas no Japão ficaram se perguntando de que adiantou tudo isso.

"A confiança nacional está frágil", disse Nobuko Kobayashi, sócia da filial japonesa da firma de consultoria Ernst & Young, que escreve habitualmente sobre questões sociais no país.

O caos em torno dos jogos reforçou "uma fome de um novo sistema e uma nova maneira de fazer as coisas", disse ela.

Decisões e medidas erradas levaram a uma série de renúncias entre autoridades dos jogos. O Japão enfrenta agora seu pior surto de coronavírus até hoje, pois algumas pessoas parecem ter usado as Olimpíadas como licença para baixar a guarda.

Os eleitores poderão punir os líderes japoneses por sua insistência. O partido de Yoshihide Suga, o primeiro-ministro cada vez mais impopular, provavelmente manterá o governo diante da fraca oposição nas eleições parlamentares marcadas para até o final de outubro. Mas seu poder de fato poderá ser consideravelmente enfraquecido, e o destino de Suga depois disso é uma pergunta em aberto.

As opiniões sobre os jogos se abrandaram um pouco ao encerrarem seu ciclo de duas semanas, favorecidas pela maior conquista de medalhas do Japão até hoje. Os líderes do governo contornaram as perguntas sobre os benefícios que os jogos conferiram, dando respostas banais sobre o sucesso dos atletas diante da adversidade, que será um exemplo para o mundo na luta contra a pandemia.

Toshiko Ishii, who runs a traditional hotel, in the Taito Ward of Tokyo, Aug. 6, 2021. Ishii spent over $180,000 converting the building's first floor into a restaurant in anticipation of a flood of tourists
Toshiko Ishii, que comanda um hotel tradicional em Tóquio; ela fez investimentos para abrir um restaurante no primeiro andar, na expectativa de que o fluxo de turistas cobrisse os gastos - James Whitlow Delano/The New York Times

O maior revés para os jogos foi a pandemia, que obrigou os organizadores a adiar o evento por um ano, levando ao inchaço dos custos, prejuízos econômicos e dissidência política. O custo total não está claro: a falta de espectadores provavelmente reduziu o benefício econômico em US$ 1,3 bilhão, segundo projetou antes do início das competições o Instituto de Pesquisas Nomura, um grupo de pensadores de Tóquio.

Mas muitos fracassos foram criados pelo próprio Japão. Escândalos sobre coisas tão diversas quanto fraude nas licitações, estouro de orçamentos, plágios e comentários misóginos pelo chefe do Comitê Olímpico do Japão acumularam desfavores sobre os jogos.

A organização prometeu entregar um evento de preço razoável e com caráter ecológico, que incluiria diversidade e sustentabilidade e produziria benefícios econômicos que durariam anos.

Mas quando Tóquio acionou seus guindastes e betoneiras o custo oficial disparou de US$ 7,3 bilhões para US$ 14,9 bilhões. O atraso de um ano devido à pandemia fez os custos subirem mais 20%, segundo um relatório do governo. Mas esses números provavelmente ainda não representam o custo real. Uma auditoria do governo realizada antes da pandemia já tinha situado o preço real em US$ 27 bilhões.

As previsões econômicas também começaram a parecer frágeis. Estimativas oficiais sugeriram que o evento e os impactos de seu legado criariam quase 2 milhões de empregos e acrescentariam mais de US$ 128 bilhões à economia através de investimentos, turismo e aumento do consumo.

Mas "esses números eram realmente grandes. Com ou sem a Covid-19, isso não teria acontecido", disse Sayuri Shirai, professora de economia na Universidade Keio em Tóquio e ex-membro do conselho do Banco do Japão. Os jogos têm uma história de promessas exageradas onde quer que se realizem.

Quando a pandemia chegou, muitos investimentos olímpicos mudaram de tinta preta para vermelha. Tóquio 2020 tinha triplicado o recorde de patrocínios corporativos domésticos, atraindo mais de US$ 3,6 bilhões para os organizadores. Mas muitos desses parceiros depois decidiram –pelo menos no país– se distanciar do evento.

Dias antes da cerimônia inaugural, a Toyota, uma das empresas mais poderosas do Japão, anunciou que não veicularia seus anúncios olímpicos no mercado interno e que seu presidente não iria ao evento. Outros patrocinadores a seguiram. A mídia local relatou que a Toyota gastou US$ 1,6 bilhão em um acordo de patrocínio olímpico por um ano. A empresa não quis comentar.

Os prejuízos são um erro secundário para a enorme economia do Japão. Mas as empresas menores nos calçadões e becos de Tóquio talvez nunca se recuperem.

Toshiko Ishii, 64, que dirige um hotel tradicional no bairro de Taito, gastou mais de US$ 180 mil para transformar o primeiro andar do prédio em um restaurante, prevendo uma inundação de turistas.

Já era um pouco arriscado, e quando a pandemia veio Ishii ficou preocupada que talvez tivesse de fechar. Mesmo com as Olimpíadas ela não teve clientes durante semanas.

"Não há nada que você possa fazer realmente sobre as Olimpíadas ou o coronavírus, mas estou preocupada", disse ela. "Não sabemos quando isso vai terminar, e tenho muitas dúvidas sobre quanto tempo conseguiremos levar o negócio adiante."

Com ou sem pandemia, a realidade está destinada a ficar aquém das grandes expectativas dos líderes japoneses.

Eles venderam Tóquio 2020 como uma oportunidade para mostrar ao mundo um Japão que se livrou de décadas de estagnação econômica e da devastação do terremoto e tsunami de 2011 que desencadearam o desastre da usina nuclear de Fukushima.

Apelando à nostalgia pela Olimpíadas de 1964, quando o Japão impressionou o mundo com sua tecnologia avançada e força econômica, Shinzo Abe, o ex-primeiro-ministro, enquadrou os jogos de 2020 como uma campanha publicitária de um país moderno e confiante, equivalente à China em ascensão.

Após décadas de percepção de declínio, "cada vez mais japoneses, a geração mais velha, os idosos, queriam lembrar, repetir a experiência bem-sucedida novamente no século 21", disse Shunya Yoshimi, professor de sociologia na Universidade de Tóquio que escreveu vários livros sobre a relação do Japão com os acontecimentos.

Mas a pandemia trouxe uma sensação de medo e incerteza que foi agravada pelas decisões dos líderes japoneses.

As autoridades prometeram umas Olimpíadas seguras, mas agiram devagar para criar as condições para isso. Os organizadores hesitaram entre permitir espectadores, decidindo barrá-los só quando os níveis de coronavírus estavam claramente em tendência ascendente.

Mesmo enquanto eles discutiam se permitiriam a entrada de turistas no país, parecia haver pouca urgência inicial de vacinar a população japonesa. Os índices de vacinação mal passavam de 20% quando os jogos começaram, muito atrás dos níveis de outros países ricos. Os organizadores insistem que os jogos em si não são responsáveis pela aceleração das taxas de infecção em Tóquio, citando os testes intensos em torno dos locais de provas.

"As pessoas estão desfrutando as Olimpíadas, mas sentem que o governo não fez um bom trabalho de planejamento", disse Takuji Okubo, economista-chefe da Japan Macro Advisors.

"Quando se trata de políticas reais, ele foi OK", acrescentou Okubo, referindo-se ao primeiro-ministro Suga. "Mas sua comunicação foi muito ruim. Foi aí que ele realmente falhou como líder do governo japonês."

A incerteza econômica e política criada pelos jogos não será facilmente resolvida enquanto a pandemia perdurar. Inoue, o dono do restaurante mexicano, disse que ele ficará aberto durante a cerimônia de encerramento.

Depois, "não há nada a fazer além de sobreviver", afirmou.

Traduzido orginalmento do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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