Alta do IOF prejudica bancos digitais e fintechs ao reduzir concorrência, dizem especialistas

Para gestores, medida também eleva percepção de risco, pois sinaliza que governo tem dificuldades para fechar a conta do teto de gasto

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São Paulo

O aumento na alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para bancar gastos do governo com o programa Bolsa Família vem na contramão da agenda do BC (Banco Central) de fomentar a competição para reduzir o custo do dinheiro no país, avaliam especialistas.

Diego Perez, presidente da ABFintechs (Associação Brasileira de Fintechs), afirma que a medida coloca em xeque o trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos anos pela autoridade monetária no sentido de promover a competição no mercado, de modo a abrir espaço para novos entrantes e assim conseguir reduzir o spread bancário.

“O aumento do IOF faz com que todo esse esforço seja enfraquecido, ou até em vão. Enxergamos como uma medida negativa que, se permanecer no longo prazo, pode trazer impactos para o barateamento dos serviços financeiros, que ainda continuam entre os mais caros em termos globais”, diz Perez.

O presidente da ABFintechs lembra que o aumento no custo para o tomador final contribui para a redução nas margens das empresas, que repassam essa despesa para o cliente final, em um movimento que pode levar a um maior endividamento das famílias e retroalimenta a pressão inflacionária.

Gabriel Cabral/Folhapress

Sandro Reiss, presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD) afirma que, em geral, o crédito que é ofertado no ambiente digital tende a ser um pouco mais barato, na média, do que o praticado no mercado convencional, por conta da menor estrutura de custos e maior eficiência na análise de dados.

Por isso, quando o imposto sobre as transações financeiras aumenta de maneira indiscriminada, o impacto em termos proporcionais acaba sendo maior para as taxas de crédito no ambiente digital, explica o presidente da ABCD, com repercussões negativas também para os tomadores de crédito.

​"Aumentar o IOF é aumentar o endividamento das famílias de uma forma que não é saudável, porque elas não estão aumentando o endividamento para ter mais crédito, mas por estar pagando mais caro por ele”, diz Reiss.

Entre os agentes no mercado financeiro, a recepção quanto à medida também foi ruim —menos pelo impacto direto na economia em si, e mais pela sinalização que o governo transmite com esse tipo de postura.

“O maior impacto hoje para os mercados diz respeito à credibilidade do governo e o que ele vem fazendo para tentar fechar a conta do teto de gastos”, diz Filipe Villegas, estrategista da Genial Investimentos.

Villegas nota que o aumento da incerteza política tem contribuído para a deterioração na percepção de risco do investidor em relação às oportunidades no mercado brasileiro, o que tem derrubado os preços das ações na Bolsa local.

“Quando vemos medidas como essa do aumento do IOF, dando um peso maior para o financiamento de programas de transferência de renda do que para melhorar o ambiente e o custo de captação para as empresas e para as pessoas, é algo entendido pelo mercado como uma sinalização negativa”, endossa Pietra Guerra, especialista em ações da Clear Corretora.

Ela acrescenta que, ao aumentar a alíquota do imposto sobre transações financeiras, o governo cria um ambiente menos amigável para a geração de lucro por parte das empresas e reforça os questionamentos sobre sua preocupação e capacidade de avançar com a agenda de reformas.

“A Bolsa já tem sentido o cenário de incerteza, puxada também por outros fatores, como a queda das ações de commodities, mas podemos dizer que a medida tem, sim, um impacto negativo para a Bolsa”, afirma a especialista da Clear.

A medida também não foi bem recebida por instituições mais tradicionais de grande porte. A avaliação é que a alta do imposto deve desacelerar o ritmo de concessão de crédito às pessoas e às empresas, bem como criar mais um empecilho para já cambaleante retomada econômica.

Em nota, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) aponta que o aumento de impostos sobre o crédito, mesmo que temporário, agrava o custo dos empréstimos, particularmente em um momento em que o BC precisará subir ainda mais a taxa básica de juros para conter a alta da inflação.

“O resultado é o desestímulo aos investimentos e mais custos para empresas e famílias que precisam de crédito”, diz a nota da federação dos bancos, que defende também a aprovação de reformas.

Nicolau Neto, presidente da Associação Brasileira das Sociedades de Microcrédito, avalia que o encarecimento do crédito, como reflexo do aumento do imposto, contribui para a lentidão da recuperação econômica.

“Todos nós pagaremos por isso, em especial a classe empreendedora mais baixa, que depende do microcrédito. O governo preferiu encarecer a produtividade, que de fato gera e distribui renda, para abastecer um programa que não apresenta o mesmo impacto”, afirma Neto.

Luis Miguel Santacreu, analista de instituições financeiras da Austin Rating, diz que, se por um lado, o aumento do IOF traz um impacto positivo para as operações de bancos e seguradoras, por outro, é preciso entender quais serão os reflexos da medida para a capacidade de pessoas e empresas de seguirem tomando empréstimos e para a inadimplência.

“Se o preço do dinheiro aumentar e a quantidade de crédito concedido também, pode ter um efeito positivo na margem dos bancos, mas é preciso acompanhar qual será a evolução do volume de crédito concedido com os juros mais caros”, afirma o especialista.

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