Bolsonaro joga fora recuperação econômica com ameaça golpista, diz Lazzarini

Ambiente econômico incerto ficou pior após discursos do presidente, afirma professor do Insper

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São Paulo

Ao escalar suas ameaças autoritárias no último dia 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deve jogar fora o início de recuperação econômica que se desenhava, após os piores momentos da pandemia até agora, segundo o professor do Insper Sérgio Lazzarini.

"Ainda estamos precisando completar a retomada, enquanto o cenário externo ainda parece favorável. Era para estarmos aquecendo a economia", diz. Ele também avalia que a fabricação da crise institucional por parte do presidente deve adiar a recuperação, já que o Executivo depende de acordos e aprovações com os outros Poderes para tocar sua agenda.

O professor ressalta que, se o ambiente econômico já era incerto para os negócios (com aumento da dívida e da inflação, além da perspectiva de mais gastos no ano eleitoral), começa a ficar pior. "O investidor fica preocupado demais para colocar seu dinheiro no Brasil."

Ele também diz acreditar que a elite econômica, que classifica como ingênua ao ter apoiado Bolsonaro na eleição de 2018, já debandou do projeto do presidente e não acredita mais na tese de que o governo é liberal e reformista.

Sérgio Lazzarini, professor do Insper onde coordena o Metricis, núcleo que estuda o impacto socioambiental de iniciativas dos setores privado e público, sentado, em uma poltrona
Sérgio Lazzarini, professor de administração do Insper - Keiny Andrade - 12.jan.18/Folhapress

Os efeitos na economia das ameaças autoritárias do presidente da República são preocupantes? Preocupam muito, vejo um retrocesso institucional. Estamos discutindo como manter a independência dos Poderes e como fica a democracia, coisas que eram dadas, mesmo quando a gente passou por outras crises. No governo de Dilma Rousseff [2011-2016], houve uma crise relevante, com protestos nas ruas e reflexos negativos na economia, a operação Lava Jato em seu auge, mas não se entrou no mérito da discussão sobre a democracia.

A gente discutia disciplina fiscal, mas agora estamos regredindo muitas casas, tendo de assegurar coisas básicas. Quem olha para esse cenário vê um país atrapalhado, na iminência de conflitos. Não sabemos se outras invasões, como a que tivemos agora no Ministério da Saúde, vão se tornar rotineiras.

O investidor, que já olhava o Brasil com preocupação, ficou ainda mais ressabiado depois dos eventos de 7 de Setembro? Sem dúvida. Se o ambiente já era incerto para os negócios, começa a ficar pior. O investidor fica preocupado demais para colocar seu dinheiro no Brasil. No fim do governo do [ex-presidente dos Estados Unidos Donald] Trump, também aconteceram agitações e se chegou a ter invasões sérias, mas as instituições de lá foram sólidas o bastante para assegurar o funcionamento da democracia. No Brasil, a situação é mais complexa. Até onde vai isso, que tipo de impasse vai ser formado? Não sabemos. Começamos a entrar no campo do imponderável, tudo agora pode virar risco e incerteza, tudo.

Até recentemente, a maior parte dos analistas era otimista com o avanço da vacinação e a reabertura do setor de serviços. Agora, o futuro é de mais inflação, desemprego, crise institucional. O governo jogou fora a recuperação da economia? Sem dúvida. Há dois meses, as perspectivas eram otimistas. Ainda estamos precisando completar a retomada após as primeiras ondas da pandemia, enquanto o cenário externo ainda parece favorável. Era para estarmos aquecendo a economia, ainda com a esperança de o governo tocar alguma reforma no Congresso. Já estava difícil, por estarmos entrando em uma janela eleitoral, mas foi tudo jogado fora. Estamos discutindo como enfrentar essas bravatas, é uma coisa muito complicada.

O governo não só jogou boas notícias fora, mas ele jogou oportunidades fora. A começar pelo manejo da pandemia. Se ele tivesse recomendado medidas sanitárias para a população logo no início, oferecido apoio em vez de confronto, acelerado as compras de vacinas, estaríamos em outra situação. Mas não foi assim, toda hora tinha um atrito diferente. Primeiro, inventaram a cloroquina para enfrentar a Covid-19, depois veio voto impresso e agora criam um embate direto com o Supremo Tribunal Federal. Todas essas coisas são absolutamente desnecessárias e ainda atrapalham a economia.

O presidente teria mais capital político para aprovar reformas e manejar a recuperação da economia se tivesse agido de outra forma no combate à pandemia? E ainda poderia estar com uma popularidade muito maior agora. A gente não consegue nem entender racionalmente essa escolha que ele fez, mas parece ser uma tentativa de entregar demandas para um grupo eleitoral que o leve ao segundo turno. Mas mesmo assim, está chegando a um ponto em que ele só perde eleitores e apoio. Pode nem chegar ao segundo turno, se surgir uma terceira via competitiva.

Resta algum ambiente para discutir reformas agora? Não, ficaram inviabilizadas todas as ações e tramitações no Congresso. É inacreditável, pois o presidente depende de acordos e aprovações para tocar o governo. É fácil fazer reformas em um regime autoritário. Na democracia, é preciso discutir ideias e não continuar escalando conflitos.

Há uma preocupação com a aprovação do Orçamento do ano que vem, após o presidente queimar as pontes de diálogo? Todas essas questões de Orçamento, reformas e equilíbrio fiscal ficaram em segundo plano. Sem resolver os conflitos, nada vai avançar, enquanto a gente não pacificar a democracia. Isso vai requerer sinais claros e um esforço coordenado das instituições. O presidente ultrapassou uma linha naqueles palanques.

Como deve ficar a relação do governo com a elite econômica a partir de agora? Empresariado e mercado estão perplexos, vários deles já debandaram e não acreditam mais na tese de que o governo é liberal e reformista. Agora, é esperar para ver como esses conflitos vão evoluir. E começar a monitorar o cenário eleitoral. O mercado, em geral, não aprecia a volta do [ex-presidente] Lula ao governo, por entender que ele traria uma agenda menos reformista, eventualmente, mas também não apreciaria a continuidade de Bolsonaro, causando tanto conflito. E a terceira via ainda não apareceu.

A elite econômica foi ingênua ao apoiar o projeto Bolsonaro em 2018? Foram totalmente ingênuos em 2018, queriam muito acreditar que as coisas funcionariam bem, mesmo com um candidato que exibia sinais de autoritarismo. Esse cara iria abraçar uma agenda que respeita as instituições? Bem, está provado que não. O autoengano foi grosseiro. O ministro Paulo Guedes [Economia] tentou vender a ideia de que poderia 'amansar' Bolsonaro e fazer com que ele se empolgasse com a agenda liberal. O presidente até deu umas piscadas para essa agenda, mas o histórico dele já deveria ser um indicativo de que isso não iria durar. Guedes, hoje, não tem mais peso e ele nem tem muito o que fazer, os grandes projetos vão acabar parando até que essa crise se resolva.


  • RAIO-X
    Sergio Lazzarini, 50
    É professor titular da Cátedra Chafi Haddad, do Insper, Ph.D. em administração pela John M. Olin School of Business, na Washington University (Estados Unidos) e mestre pela FEA-USP.
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