Descrição de chapéu The New York Times

China e Evergrande cresceram juntas, mas agora uma vai cair

Crise da companhia está testando a decisão dos líderes chineses de reformar o sistema, traçando um novo rumo para a economia do país

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Alexandra Stevenson Michael Forsythe Cao Li
Hong Kong | The New York Times

Xu Jiayin foi o homem mais rico da China, um símbolo da ascensão econômica do país que ajudou a transformar aldeias pobres em metrópoles urbanizadas para a crescente classe média. Enquanto sua companhia, o China Evergrande Group, se tornava uma das maiores empreiteiras do país, ele colheu as benesses da elite, com viagens a Paris para degustar vinhos raros, um iate de milhões de dólares, jatos particulares e acesso a algumas das pessoas mais poderosas em Pequim.

"Tudo o que eu tenho e tudo o que o Evergrande Group conseguiu foram dados pelo partido, o estado e toda a sociedade", disse Xu num discurso em 2018, agradecendo ao Partido Comunista chinês por seu sucesso.

A China está ameaçando tomar tudo de volta.

A dívida que movimentou o crescimento espantoso do país durante décadas hoje ameaça a economia, e o governo está mudando as regras. Pequim sinalizou que não vai mais tolerar a estratégia de crédito para alimentar a expansão empresarial que transformou Xu e sua companhia em uma locomotiva imobiliária, levando a Evergrande ao precipício.

Na semana passada, a companhia, que tem contas devedoras no valor total de mais de US$ 300 bilhões (R$ 1,63 trilhão), deixou de cobrir um importante pagamento a investidores estrangeiros. Isso pôs o mundo em pânico sobre se a China estaria enfrentando seu "momento Lehman", referência ao colapso em 2008 do banco de investimentos Lehman Brothers, que causou uma crise financeira global.

Os problemas da Evergrande expuseram as falhas do sistema financeiro chinês —crédito, expansão e corrupção irrestritos. A crise da companhia está testando a decisão dos líderes chineses de reformar o sistema, traçando um novo rumo para a economia do país.

Se eles salvarem a Evergrande, correrão o risco de enviar a mensagem de que algumas companhias ainda são grandes demais para falir. Se não, cerca de 1,6 milhão de compradores de apartamentos que aguardam a entrega das chaves, mais centenas de pequenas empresas, credores e bancos, poderão ter prejuízo.

"Este é o início do fim do modelo de crescimento da China que conhecemos", disse Leland Miller, presidente-executivo da consultoria China Beige Book. "A expressão 'mudança de paradigma' foi tão usada que as pessoas tendem a ignorá-la. Mas é uma boa maneira de descrever o que está acontecendo neste momento."

Xu e sua empresa espelharam a ascensão econômica da China de uma economia agrária para uma que adotou o capitalismo.

Xu foi criado por seus avós na província de Henan, região rural no centro do país. Sua mãe morreu de uma doença tratável quando ele era bebê; sua família era pobre demais para pagar seu tratamento médico. Quando menino, ele morou numa choupana que não protegia do vento e da chuva. Comia farinha de batata-doce e estudava numa mesa feita de barro.

"Naquela época, eu queria muito ser ajudado por outros e conseguir um emprego, deixar o campo para sempre e comer farinha de trigo", disse Xu em seu discurso em 2018 ao aceitar um prêmio por suas doações de caridade.

Ele entrou na faculdade e depois passou dez anos trabalhando em uma siderúrgica. Começou a Evergrande em 1996 em Shenzhen, uma zona econômica especial onde o líder chinês Deng Xiaoping lançou o experimento com o capitalismo. Conforme a China se urbanizou, a Evergrande se expandiu além de Shenzhen, por todo o país.

A Evergrande atraiu novos compradores de imóveis vendendo-lhes mais que o pequeno apartamento que receberiam num enorme complexo com dezenas de torres idênticas. Os clientes da Evergrande compravam o estilo de vida associado a nomes como Jardim Nuvem Lago Real e Mansão à Beira-Rio.

Xu ampliou a Evergrande de uma pequena empresa com menos de uma dúzia de empregados para a mais prolífica empreiteira da China através de uma combinação de empréstimos desenfreados e conexões políticas de elite. A empresa muitas vezes investiu pesado em projetos nas capitais de províncias, cujas autoridades ambiciosas para ser membros do Politburo eram avaliadas por sua capacidade de gerar crescimento econômico.

No início, Xu cultivou relações com parentes de algumas autoridades graduadas do país. Em 2002, constavam no relatório anual da companhia diretores como Wen Jiahong, irmão do vice-primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, que supervisionava os bancos do país como chefe da Comissão Financeira Central.

Quando Jiabao se tornou o primeiro-ministro chinês, no ano seguinte, não apenas seu irmão era um diretor da Evergrande, como também controlava a segunda maior participação na companhia em rápido crescimento, segundo documentos corporativos vistos por The New York Times.

Em 2008, Xu entrou para um grupo de elite de assessores políticos conhecido como Conferência Consultiva Política do Povo da China.

"Ele não poderia ter crescido tanto sem a colaboração dos maiores bancos do país", disse Victor Shih, professor de ciência política na Universidade da Califórnia em San Diego, sobre Xu. "Isso sugere a ajuda potencial de autoridades graduadas com muita influência."

Para superestimular o crescimento da Evergrande, Xu muitas vezes contraiu empréstimos duas vezes sobre o mesmo terreno que desenvolvia —primeiro do banco e depois dos compradores de imóveis que às vezes se dispunham a pagar 100% do valor de sua futura casa antes que fosse construída.

Conforme a Evergrande e suas concorrentes cresciam, o setor imobiliário passou a representar até um terço do crescimento econômico da China. A Evergrande construiu mais de mil projetos em centenas de cidades e criou mais de 3,3 milhões de empregos por ano.

Quando a economia chinesa começou a esfriar, foi impossível ignorar o dano causado pelo apetite voraz da Evergrande por dívidas. Há quase 800 projetos da empreiteira inacabados em mais de 200 cidades de toda a China. Empregados, fornecedores e compradores realizaram protestos para exigir seu dinheiro. Muitos temem se tornar vítimas inocentes da campanha de reforma do crédito.

Yong Jushang, empreiteiro de Changsha, no centro do país, ainda não recebeu US$ 460 mil (R$ 2,493 milhões) de materiais e trabalho que forneceu para um projeto da Evergrande concluído em maio. Desesperado para não perder seus funcionários e sócios na empresa, ele ameaçou bloquear as ruas em torno do edifício no início do mês, até que o dinheiro seja pago. "Não é uma pequena quantia para nós", disse Yong. "Pode nos levar à falência."

Yong e outros como ele estão no centro do maior desafio dos órgãos reguladores para lidar com a Evergrande. Se Pequim tentar usar a empresa como exemplo, deixando que ela desmorone, a fortuna de milhões de pessoas poderá desaparecer com o império de Xu.

"É uma situação terrível se eles fizerem e terrível se não fizerem", disse Michael Pettis, professor de finanças na Universidade de Pequim. "Pequim deveria ter agido dez anos atrás. Eles estão tentando agir para reformar o setor agora porque os preços estão altos demais. Quanto mais esperarem, mais caro será consertar o modelo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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