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Controlar o setor imobiliário vai desacelerar o crescimento da China

Em editorial, Financial Times afirma que perigo imediato para os mercados financeiros é uma resposta exagerada de Xi Jinping

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Financial Times

Os mercados mundiais estão assustados com a possibilidade de que os problemas da Evergrande, a incorporadora imobiliária mais endividada do planeta, se tornem um “momento Lehman Brothers” para a China —e com efeitos colaterais sobre o mundo inteiro. Os riscos para o sistema financeiro internacional são, na realidade, muito menos graves do que os causados pelo colapso do banco de investimento americano 13 anos atrás. No entanto, as repercussões do caso Evergrande podem causar desaceleração considerável no ritmo de crescimento rápido que a China vem registrando.

O contexto da crise da Evergrande é inteiramente diferente do que existia em 2008, quando o Lehman Brothers quebrou. Uma das diferenças mais evidentes é que o Lehman Brothers operava em um mercado aberto; a Evergrande não. O destino do banco americano foi selado quando outras instituições recusaram novos empréstimos a ele. A maior parte do passivo da Evergrande é para com instituições financeiras chinesas, ainda que se saiba que fundos estrangeiros adquiriram os títulos offshore denominados em dólares emitidos pela companhia. O setor bancário quase integralmente estatal da China só vai negar crédito à Evergrande enquanto Pequim assim desejar.

Portanto, embora os títulos denominados em dólares da Evergrande estejam sendo negociados a preços que apontam para um calote, é improvável que Pequim permita que a derrocada da companhia se agrave a ponto de gerar o risco de uma crise sistêmica. A maneira correta de encarar a grave crise da Evergrande é compreendê-la como uma explosão controlada.

Pequim está ensinando à incorporadora uma lição muito dolorosa, e de maneira muito pública. O objetivo é fazer com que as centenas de grandes companhias do setor imobiliário chinês compreendam que o governo está falando sério sobre as “três linhas vermelhas” que as autoridades anunciaram no ano passado. Essas restrições ao nível de endividamento que uma incorporadora de imóveis pode manter em seu balanço têm por objetivo evitar uma crise, e não causá-la. ​

Logo da Evergrande no escritório da empresa em Xangai, na China - Aly Song - 22.set.2021/Reuters

Mesmo assim, os riscos que fluem da crise da Evergrande são reais e variados, e giram em torno do crescimento chinês. O setor imobiliário, em sua definição mais ampla, contribui com cerca de 29% do PIB (Produto Interno Bruto) chinês, de acordo com as estimativas. Um mercado vibrante também permite que governos locais vendam terrenos a empresas de imóveis, o que responde por um terço de sua arrecadação e permite que eles emitam “instrumentos de financiamento de governo local”.

Os proventos dessas emissões ajudam a alimentar a obsessão nacional com infraestrutura e com outros investimentos em ativos fixos, que contribuem para mais uma proporção considerável do crescimento. Assim, se as vendas de imóveis se desacelerarem —como estão fazendo agora—, e se isso resultar em um colapso na venda de terrenos, os governos locais disporão de menos recursos para levantar capital necessário à construção de infraestrutura.

A China deseja, e com razão, desvincular seu crescimento do investimento em imóveis e ativos fixos. Mas, em curto prazo, o risco de contágio internacional é palpável. Os preços do minério de ferro caíram em 60% desde o recorde de alta atingido em maio, e os preços do cobre também sofreram um abalo, porque os “traders” estão preocupados com a queda na demanda por matérias-primas usadas no ramo da construção. Os economistas estão começando a revisar para menos as projeções de crescimento anual da China, e o país enfrenta a possibilidade de que sua economia venha a sofrer em longo prazo.

Mas o perigo imediato para os mercados financeiros —e para a China— é uma resposta exagerada. Se, em seu zelo de ensinar uma lição à Evergrande, as autoridades provocarem queda excessiva nas vendas nacionais de imóveis e impedirem centenas de incorporadoras de ganharem acesso ao financiamento de que necessitam desesperadamente, as pressões que vêm se acumulando no mercado de títulos offshore denominados em dólar podem causar um desastre. O número de construções residenciais iniciadas pode cair para níveis anêmicos na China, o que deprimiria ainda mais os mercados mundiais de commodities.

Xi Jinping, o líder autoritário chinês, claramente apoia as medidas de repressão ao setor de imóveis, tendo declarado em 2017 que “casas são para morar, não para especulação”. Mas ele e a China precisam caminhar com cuidado em seus esforços para colocar as incorporadoras de imóveis sob controle. Fazer demais, e rápido demais, pode provocar uma desaceleração abrupta no crescimento chinês – com consequências para o mundo inteiro.

Traduzido por Paulo Migliacci

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