Empresas devem considerar riscos climáticos para ontem, diz diretor do Pacto Global

Para Carlo Pereira, setor privado precisa entender como a crise do clima afetará os negócios nos próximos anos

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Belo Horizonte

“É urgente que as empresas coloquem o clima como fator crítico em suas análises de risco”. A afirmação é de Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global, uma iniciativa das Nações Unidas para engajar o setor privado na adoção de práticas sustentáveis.

Para ele, entender como o clima vai afetar os negócios nos próximos anos deveria ser a maior prioridade das companhias quando o assunto é ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa).

“Para um país onde o que pesa na balança é o agribusiness, esse é um tema que tem que estar na ordem do dia de todas as empresas, para ontem”, diz Pereira, em entrevista à Folha.

Na avaliação do diretor, a situação ambiental apresentada no último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) não traz grandes novidades, mas reforça o que vinha sendo debatido há anos e serve como mais um instrumento de pressão às vésperas da COP-26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas).

Carlo Pereira, 43, é diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global. Mestre em Ciência pela USP, possui MBA em Sustentabilidade pela University of Lüneburg e especialização em International Leadership Training pela Deutsche GIZ (Gesellschaft für Internationale) - Marlene Bergamo/Folhapress

A 26ª edição da COP vai reunir líderes do mundo todo em novembro deste ano para debater a crise do clima. Será em Glasgow, na Escócia.

Segundo o diretor, a expectativa é que a conferência coloque ainda mais pressão nas empresas brasileiras e force o setor privado —e o governo— a reduzir o prazo de suas metas ambientais.

Como você vê os alertas feitos no último relatório do IPCC?

Falar que o relatório não traz novidade é muito forte, mas ele reforça muita coisa que a gente já vinha sabendo. A ciência vai sempre se acumulando, e os relatórios do IPCC vão acompanhando isso. Então, é possível dizer com mais clareza quais são as possíveis consequências [com a temperatura do planeta] aumentando um grau, meio grau etc.

Vamos lembrar que, apesar dos pesares, o IPCC é muito conservador. Então eles trazerem que é inequívoca a participação do homem [no aquecimento global] é muito forte. Mas não há grandes novidades no relatório que a gente pense “poxa, não imaginava isso”. Acho que são coisas que já discutíamos.

Mas além da conclusão de ser inequívoca [a contribuição humana], o relatório também mostrou que algumas mudanças são inevitáveis e irreversíveis. Como você avalia a reação a isso?

Nos outros relatórios, a mídia até trazia uma coisa ou outra, mas de maneira bem acanhada. Neste relatório, todos os jornais não apenas mencionaram o IPCC, mas a metade da primeira capa era falando sobre isso. Isso mostra que a sociedade em geral veio para esse tema de maneira muito contundente, o que reflete também no setor privado.

Uma coisa que a gente vem percebendo, para além do relatório, é que as empresas estão sendo cobradas por causa da mudança do clima. O mercado financeiro entendeu que a gestão do risco climático faz parte do seu dever fiduciário. Ou seja, você pode ser processado —e o relatório do IPCC mostra como vem aumentando esse litígio climático— se não lidar de maneira adequada com o risco climático.

Enquanto a ciência não estava avançada o suficiente, era possível "dar uma de louco". Hoje não. Todo mundo sabe quais são os efeitos da mudança do clima.

Por isso que a gente está vendo uma enxurrada de compromissos públicos. E é por isso que o Pacto Global lançou, com outras instituições, um observatório das metas. Vamos qualificar as metas que estão sendo colocadas e monitorar. Ano a ano, a gente vai reconhecer as empresas que tiveram melhor avanço e apontar o dedo para aquelas que não estão avançando.

Na sua avaliação, as empresas brasileiras reagiram a contento aos alertas do relatório?

Eu acho que sim. Esse relatório é importante, sem dúvida nenhuma, mas não tem nenhum grande fato novo ali. Ele, na verdade, só vem a apurar as informações que já estavam chegando.

Tanto que, quando eu vi que o IPCC falou que o papel do homem é inequívoco, eu pensei "como assim?". Eu nem lembrava que o IPCC nunca tinha dito que era inequívoco, porque essa é uma informação que a gente já tem como verdade há muito tempo.

Por isso eu acho que não teve um movimento específico no setor privado por causa do relatório. O que teve, até em razão da repercussão geral, foi mais gente das empresas mencionando o relatório.

O relatório não sobe o tom na gravidade da situação climática?

Ele sobe. Isso de falar que o papel do homem é inequívoco, por exemplo. Mas eu não diria que ele põe a faca no pescoço de maneira a apertar ainda mais. A gente já tinha toda essa discussão de maneira forte. É claro que ele vem a servir como um objeto adicional de pressão, rumo à COP-26.

Como você vê os compromissos climáticos que as empresas estão fazendo hoje em dia no Brasil?

Você tem de tudo. Por isso que eu falei do observatório. Mais do que enfiar a faca no pescoço das empresas, a gente quer reconhecer aquelas que são sérias.

Tem muita empresa que está colocando metas bem no greenwashing [propaganda enganosa verde] mesmo. Nessa febre ESG que estamos vivendo, onde o greenwashing mais aparece são nessas metas de carbono. Mas tem muita empresa séria.

Uma meta séria é quando você tem compromisso de longo, médio e curto prazo, que sejam nos escopos um, dois e três. Resumindo, escopo um é emissão direta, escopo dois é energia comprada e escopo três é cadeia de valor.

Em novembro deste ano acontece a COP-26. Como esse evento deve impactar o mundo dos negócios aqui no Brasil?

Vai impactar muito. Está havendo uma pressão cada vez maior para que os países contratem metas de neutralidade, e esse é o grande foco da COP. Se eu fosse resumir a COP em um item, seria neutralidade.

Lembrando que boa parte dos grandes fundos [de investimentos] do mundo, como BlackRock e a Pimco, estabeleceram metas de neutralidade do seu portfólio. Então, as empresas que estão ali terão que ser neutras.

Isso é uma coisa que a gente está sentindo falta por parte dos bancos brasileiros. Neste ano, por causa da da COP, surgiram vários movimentos de neutralidade carbônica por parte dos fundos de ativos e dos bancos. Para a nossa surpresa, dos bancos, não tem nenhum brasileiro [nesses movimentos].

O setor financeiro brasileiro deu uma escorregada nisso. Não dá para ficar de fora, tem que ter meta de neutralidade. Hoje não dá para estar fora dessa discussão, e a COP vai colocar muita pressão nesse sentido.

O Brasil vai sofrer um calor danado para que empresas, e o próprio país, reduzam [o prazo de] suas metas. Como consequência, as empresas e os países que estão assumindo essas metas vão pressionar mais o setor privado brasileiro —e o governo por questão de desmatamento, que é o grande mal.

Qual deveria ser a prioridade número um das empresas quando a gente fala em ESG hoje?

É urgente que as empresas coloquem o clima como fator crítico em suas análises de risco. Isso de uma maneira geral, mas alguns setores são mais vulneráveis, como os que têm qualquer tipo de atividade agrícola. Desde celulose à soja, cana, ou o que for: é preciso entender como o clima vai te afetar nos próximos anos. Tem que ter a mais absoluta clareza disso.

Como vai ser a soja no centro-oeste do país nos próximos anos? Vai ser produtivo? A gente está vendo falar que a mudança do clima vai acabar com o café e o cacau. Para onde vai a fronteira agrícola dessas culturas?

Para um país onde o que pesa na balança é o agribusiness, esse é um tema que tem que estar na ordem do dia de todas as empresas, para ontem.

As empresas já estão atentas a isso?

Sim, o empresariado brasileiro está bem acordado. Como tudo em ESG, ainda está muito no "barata voa". Sabem que tem que fazer algo, mas não tem clareza muito do quê.

Vale lembrar que, até ontem, havia a pressão única, em cima do CEO, por resultado financeiro. Essa mudança é muito recente. Então está todo mundo tentando entender como que faz. Acho que ainda falta muito, mas a gente engatou nessa estrada.

Agora as coisas vão começar a acontecer numa velocidade muito maior. Eu acompanho o Al Gore [ex-vice presidente dos EUA e ativista ambiental] quando ele diz que a revolução da sustentabilidade tem a profundidade da revolução industrial e a velocidade da revolução digital. Acho que a gente está nesse momento.

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