Falta de trabalhadores prejudica abastecimento no Reino Unido

Empresas enfrentam dificuldades para preencher vagas

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Eshe Nelson
Londres | The New York Times

Pubs com falta de cerveja, supermercados com falta de Diet Coke, milk-shakes em falta no McDonald’s: parece que cada novo dia no Reino Unido traz uma notícia nova sobre escassez de produtos, enquanto as empresas do país tentam lidar com a falta de motoristas de caminhão e outros trabalhadores.

O problema se estende para além das partes mais visíveis da economia. Hoje existem 20% mais postos de trabalho vagos no Reino Unido do que antes da pandemia, e há falta de trabalhadores em quase todas as ocupações, o que inclui programadores de computadores, auxiliares de enfermagem e trabalhadores rurais.

No entanto, o Reino Unido continua a ter quase 250 mil pessoas desempregadas e em busca de emprego a mais do que tinha antes da pandemia. E isso sem contar os cerca de 1 milhão de pessoas que continuam em licença remunerada —sem trabalhar ou trabalhando apenas em tempo parcial e recebendo subsídios governamentais. É provável que muitas dessas pessoas percam o emprego quando o programa de apoio governamental se encerrar, no final deste mês.

O mercado de trabalho, em resumo, está “emperrado”: os empregadores contam com postos de trabalho que precisam preencher, e muita gente está procurando emprego, mas as vagas disponíveis não são aquelas que as pessoas querem ou se disporiam a ocupar. Os Estados Unidos estão enfrentando o mesmo problema, e ele ameaça os imensos programas de construção de infraestrutura do presidente Joe Biden.

No Reino Unido, analistas dizem que os descompassos não serão resolvidos rapidamente. Com a recuperação econômica já perdendo ímpeto, esse problema adicional acarreta o risco de desacelerá-la ainda mais.

“Temos mais vagas do que temos candidatos”, disse Niki Turner Harding, vice-presidente sênior da Adecco UK & Ireland, agência de recrutamento que seleciona pessoal primariamente para postos de escritório, atendimento a clientes e assistência administrativa, além de serviços logísticos e armazéns.

Os motivos para o dilema? “O impacto retardado do brexit, a pandemia e as licenças remuneradas”, que se combinaram para reduzir a disponibilidade de candidatos, ela disse.

Embora números exatos não estejam disponíveis, economistas do banco Goldman Sachs, do Instituto de Estudos do Emprego e de outras instituições estimam que 200 mil cidadãos da União Europeia tenham deixado o Reino Unido recentemente. O brexit pôs fim à livre entrada de trabalhadores da União Europeia no Reino Unido, e por isso, quando setores recomeçam a operar, eles não conseguem cobrir qualquer falta de pessoal com contratações rápidas fora do país. ​

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Pub em Londres - Mary Turner - 12.abr.2021/The New York Times

A pandemia também levou muita gente a reavaliar sua vida profissional e a rejeitar o retorno à normalidade. No Reino Unido, centenas de milhares de pessoas deixaram seus empregos para voltar a estudar. A proporção de pessoas que estão fora da força de trabalho por estar estudando é a maior que já foi registrada, em um indicador que começou a ser acompanhado no começo da década de 1990. Outros trabalhadores saíram em busca de trabalho mais flexível, menos sacrificado e com benefícios melhores, o que causou escassez de mão de obra, especialmente no setor de hospitalidade.

Existe alguma esperança de que as pessoas que continuam em licença remunerada sirvam como um pool de mão de obra. O programa governamental foi concebido para evitar demissões, ao oferecer subsídios governamentais de até 80% do salário para trabalhadores cujos postos tivessem sido afetados pela pandemia. Quando esses benefícios expirarem, os empregadores terão de decidir se reincorporarão essas pessoas às suas folhas de pagamento ou as demitirão.

Nos últimos 18 meses, o programa ajudou a manter 11,6 milhões de pessoas empregadas. Mas com perto de um milhão de pessoas ainda em licença remunerada e a maioria delas já trabalhando em tempo parcial, especialistas em recursos humanos advertem que o fim do programa não vai aliviar a escassez de mão de obra, pelo menos não em curto prazo.

Para começar, talvez não haja pessoas em licença remunerada em número suficiente para satisfazer a demanda. No final de agosto, havia 1,7 milhão de postos de trabalho em aberto no Reino Unido, de acordo com a Confederação do Trabalho e Emprego. E além disso, o tipo de trabalho que as pessoas estão procurando não deve ser um bom encaixe para o tipo de vaga que precisa ser preenchida.

“Não acredito que as pessoas necessariamente tenham as qualificações e competências necessárias para atender à demanda”, disse Kate Shoesmith, vice-presidente executiva da confederação. “E assim isso nos leva a questionar o que estamos fazendo para treinar e desenvolver pessoas”.

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Propaganda de emprego no Hotel Chocolat, em Londres - Tom Jamieson/The New York Times

Na metade do ano passado, o Reino Unido se preparou para uma crise de emprego diferente, quando o governo começou a descontinuar parcialmente o programa de licença remunerada. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) previu que o índice de desemprego no país chegaria a 15% pelo final de 2020, caso houvesse uma segunda onda da pandemia. Mesmo a projeção mais otimista do Banco da Inglaterra parecia sombria: o desemprego atingiria um pico de 7,5% da força de trabalho, o que significaria que mais um milhão de pessoas estaria desempregada e à procura de trabalho.

Por isso, o governo dobrou sua força de “coaches” de emprego, que ajudam as pessoas que recebem benefícios-desemprego a procurar trabalho. As autoridades contrataram 13,5 mil “coaches”, uma força maior do que a que foi montada para combater as consequências da crise de 2008.

Mas as consequências foram muito menos severas do que se previa. Depois que o Tesouro britânico prolongou o programa de licença remunerada, o desemprego atingiu um pico de 5,2% em dezembro e agora é de 4,7%.

“Foi uma recuperação bem rápida”, disse Dan Taylor, diretor executivo da Morgan Hunt, uma companhia de recrutamento que ajuda a encontrar pessoal para cerca de 600 organizações, a maior parte das quais no setor público.

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Dan Taylor, diretor executivo da companhia de recrutamento Morgan Hunt - Tom Jamieson/The New York Times

Em pouco mais de seis meses, a empresa foi de “enfrentar problemas para encontrar vagas para candidatos registrados conosco a uma situação em que não conseguimos encontrar pessoal com a experiência e a qualificação requeridas”, disse Taylor. “Eu nunca tinha visto o mercado se movimentar assim tão rápido”.

No mês passado, Andrew Bailey, presidente do Banco da Inglaterra, destacou o problema mutável que o país vem encarando. “O desafio de enfrentar uma alta acentuada no desemprego foi substituído pelo de garantir o fluxo de trabalhadores para os empregos em aberto”, ele disse. “E é um desafio crucial”.

Alguns setores estão tentando resolver seus problemas com dinheiro. Empresas de transporte rodoviário, armazéns e logísticas estão oferecendo bonificações de até 5.000 libras (R$ 36,2 mil) a pessoas que possam começar a trabalhar imediatamente.

Quando a Morgan Hunt estava ajudando uma organização de habitação pública a contratar um empregado para coordenar o combate a incêndios, com um salário de 90 mil libras anuais (cerca de R$ 651,2 mil), duas pessoas estavam prontas a aceitar o posto —até que uma loja de departamentos contratou as duas, oferecendo salários muito mais altos, disse Taylor. Isso criou um dilema, porque expandir o pool de candidatos para um posto de trabalho que requer alta capacitação técnica não é fácil, quando os empregadores relutam em contratar pessoal menos experiente.

“As empresas têm dificuldades reais para encontrar pessoas com a capacitação e experiência necessárias para chegar e resolver o problema”, ele disse.

A demanda por trabalhadores apanhou os “coaches” de emprego de surpresa. No mês passado, um programa para apoiar pessoas desempregadas há entre três e seis meses ajudou a colocar 500 trabalhadores no centro de Londres, disse Liz Maifredi, que administra cinco centrais de empregos no centro e norte da capital britânica. Isso não é comum, porque agosto costuma ser um mês lento em termos de contratações.

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Liz Maifredi coordena cinco centrais de empregos para o Departamento do Trabalho e da Previdência em Londres - Tom Jamieson/The New York Times

Mas o governo ainda assim precisaria expandir os serviços dos centros de emprego a fim de ajudar a preencher as vagas no mercado de trabalho no período posterior ao fim da crise da pandemia. No total, cerca de dois milhões de pessoas a mais do que antes da pandemia, ou 6% da força de trabalho, continuam desempregadas, em licença remunerada ou fora do mercado, e a questão é como atrai-las de volta.

Tradicionalmente, a Jobcentre Plus, agência governamental na qual os “coaches” trabalham, tem por foco requerer que as pessoas procurem empregos, e organizar seus benefícios, mais do que ajudá-las a encontrar trabalho, disse Tony Wilson, diretor do Instituto de Estudo do Emprego, uma organização de pesquisa britânica.

“Não creio que os empregadores recorram ao Jobcentre Plus para resolver seus problemas da maneira que fariam em outros países, quando procuram uma central de empregos”, ele disse.

E isso deveria mudar, acrescentou.

“Minha preocupação é que o governo diga que o trabalho está feito e não precisamos mais dos ‘coaches’ de emprego; melhor dispensá-los antes que o trabalho deles se torne caro demais”, disse Wilson. “Mas na verdade vamos precisar de serviços de emprego especializados. Vamos precisar de investimento em saúde ocupacional, serviços para crianças e assim por diante. E tudo isso terá um custo. Eu preferiria que mantivéssemos o investimento e nos concentrássemos em tornar o pool de mão de oba maior”.

Tradução de Paulo Migliacci

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