Teleconferência de US$ 40 milhões com falso executivo do Youtube deu errado

Ozy nasceu em 2013 como um sonho da geração X sobre o que deveria ser a mídia do milênio: honesta, focada em políticas, inclusiva

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Ben Smith
The New York Times

No último inverno, o Goldman Sachs estava fechando um investimento de US$ 40 milhões (R$ 216,8 milhões) na Ozy, companhia de mídia digital fundada em 2013, e parecia haver muitos motivos para fazer o negócio. A Ozy anunciava uma grande audiência em seu site de interesse geral na web, em suas newsletters e seus vídeos, e a companhia tinha um presidente-executivo carismático, Carlos Watson, ex-âncora de TV a cabo que trabalhou no Goldman Sachs no início da carreira. E, crucialmente, a Ozy disse que tinha um ótimo relacionamento com o YouTube, onde muitos de seus vídeos atraíam mais de 1 milhão de visitas.

Era sobre isso que deveria ser a videoconferência pelo Zoom em 2 de fevereiro que a Ozy arranjou entre a divisão de gestão de ativos do Goldman e o YouTube. Os participantes agendados incluíam Alex Piper, chefe de programação não criptografada do YouTube Originals. Ele estava atrasado e pediu desculpas à equipe do Goldman Sachs, dizendo que teve problemas para se conectar ao Zoom, e sugeriu que a reunião fosse transferida para uma teleconferência, segundo quatro pessoas informadas da reunião, as quais falaram sob a condição do anonimato, por revelar detalhes de uma conversa particular.

Quando todo mundo passou para uma teleconferência à moda antiga, o convidado disse aos banqueiros o que eles esperavam ouvir: que a Ozy era um grande sucesso no YouTube, atraindo um número significativo de visitas e de dólares de publicidade, e que Watson era um bom líder, como parecia. Enquanto ele falava, porém, sua voz começou a ficar estranha para a equipe do Goldman, como se tivesse sido alterada digitalmente, segundo as quatro pessoas.

Logo da Goldman Sachs em recepção de unidade em Sydney, na Austrália - David Gray - 18.mai.2016/Reuters/File Photo

Depois da reunião, alguém do lado do Goldman Sachs procurou Piper, não pelo endereço de email que Watson tinha fornecido antes da reunião, mas pelo assistente de Piper no YouTube. Foi quando as coisas ficaram estranhas.

Piper, confuso, disse à investidora do Goldman Sachs que não tinha falado com ela antes. Outra pessoa, ao que parecia, estivera fazendo o papel de Piper na ligação com a Ozy.

Quando o YouTube soube que alguém aparentemente tinha imitado um de seus executivos em uma reunião de negócios, sua equipe de segurança abriu uma investigação, segundo a companhia confirmou. O inquérito não foi muito longe até que surgiu um nome: em poucos dias, Watson tinha pedido desculpas ao Goldman Sachs, dizendo que a voz na ligação pertencia a Samir Rao, cofundador e diretor operacional da Ozy, segundo as quatro pessoas.

Em suas desculpas ao Goldman Sachs e em um email para mim na sexta-feira (25), Watson atribuiu o incidente a uma crise de saúde mental e compartilhou o que, segundo ele, eram detalhes do diagnóstico de Rao.

"Samir é um colega valioso e um amigo próximo", disse Watson. "Orgulho-me de tê-lo defendido quando ele teve problemas, e estamos felizes em vê-lo agora novamente na ativa."

Ele acrescentou que Rao tirou uma licença do trabalho depois daquela ligação e que agora estava de volta à Ozy. Rao não respondeu a pedidos de comentários.

Marc Lasry, um diretor de fundo hedge, coproprietário do time de basquete Milwaukee Bucks e presidente do conselho da Ozy, disse em um comunicado: "O conselho soube do incidente e aprovamos totalmente o modo como foi conduzido. O incidente foi um evento isolado infeliz, e Carlos e sua equipe mostraram o tipo de compaixão que todos desejaríamos se enfrentássemos uma situação difícil em nossa vida".

Um sonho de mídia da geração X

A Ozy nasceu em 2013 como um sonho da geração X sobre o que deveria ser a mídia do milênio: honesta, focada em políticas, inclusiva, enxuta e sem serifa. Outros empreendimentos da mesma era, Mic e Fusion, projetavam imagens semelhantes.

A face pública da Ozy era Watson, filho de uma família de trabalhadores jamaicanos de Miami e formado em direito pelas universidades Harvard e Stanford. Além de sua escala inicial no Goldman Sachs, ele trabalhou na McKinsey & Co. e foi âncora na MSNBC durante parte de 2009. Seu cofundador, Rao, também veio do Goldman Sachs, via Harvard.

Watson levantou o dinheiro para começar a Ozy de uma lista de amigos blue-chip. Laurene Powell Jobs, que havia fundado com Watson um curso preparatório sem fins lucrativos em 1997, investiu e entrou para o conselho da Ozy. O capitalista de risco do Vale do Silício Ron Conway também investiu, assim como David Drummond, que era então diretor jurídico do Google.

Em 2014, a gigante editorial Axel Springer, de Berlim, investiu uma quantia não revelada. Em 2019, a Ozy também levantou US$ 35 milhões (R$ 189,7 milhões) de um grupo liderado por Lasry, uma ajuda que incluía dinheiro do banco de investimentos focado na mídia Lion Tree e da companhia de rádio e podcasts iHeart Media. A Ford Foundation, buscando apoiar uma empresa liderada por minorias, também a apoiou com bolsas, segundo seu presidente, Darren Walker. O serviço de dados PicthBook relata que a Ozy tinha levantado mais de US$ 83 milhões (R$ 449,86 milhões) em abril de 2020 e se avaliava em US$ 159 milhões (R$ 861,78 milhões).

A Ozy gastou parte desse dinheiro contratando jornalistas e produzindo uma série de boletins, reportagens especiais e vídeos, assim como artigos patrocinados que promoviam uma série de empresas, a partir de seus escritórios em Mountain View, na Califórnia. Seus editores principais incluíam Jonathan Dahl, que havia chefiado a revista Smart Money e a seção de fim de semana do Wall Street Journal, e Fay Schlesinger, jornalista estrela do Times de Londres, ambos os quais deixaram a Ozy depois de períodos relativamente curtos.

O site gerou certo burburinho, e Watson disse que tinha tráfego comparável. Em um comunicado de imprensa de 2019, a companhia disse que tinha 50 milhões de usuários únicos mensais.

Eugene Robinson, um dos primeiros contratados da Ozy que era editor independente, disse que depois que ouviu Watson se gabar do tráfego da companhia por volta de 2015 achou que os números "pareciam altos" e começou a comparar as alegações com fontes públicas de dados de audiência. Robinson, que disse em uma entrevista que foi demitido no início deste ano, concluiu que o site era uma "aldeia Potemkin".

Em 2017, o BuzzFeed News relatou que a Ozy estava entre as editoras que compravam tráfego na web de "fontes de baixa qualidade", empresas que usam sistemas que fazem artigos abrirem por baixo do navegador do leitor sem que este perceba. A Ozy disse que estava comprando tráfego para aumentar sua lista de emails e que não cobrava dos anunciantes essas visitas. (Eu era editor-chefe do BuzzFeed News na época desse artigo. Mais tarde, conheci Watson quando me envolvi perifericamente em conversas de aquisição entre as empresas. Watson disse ao The New York Times que acreditava que foi antiético eu escrever esta coluna. Sob a política do The New York Times, eu não posso escrever sobre o BuzzFeed extensamente até que eu me desfaça das opções de ações da companhia, de onde saí no ano passado.)

A Ozy não conta com medições de tráfego padrão, mas o serviço mais conhecido, Comscore, não mostra nada próximo das alegações públicas da companhia. Segundo a Comscore, a Ozy alcançou quase 2,5 milhões de pessoas durante alguns meses em 2018, mas só 230 mil pessoas em junho de 2021 e 479 mil em julho. Watson chamou os números da Comscore de "incompletos", notando que eles não incluem impressões em plataformas que vão de redes sociais a televisão e podcasts.

Outros números parecem altos, mas são difíceis de verificar. A Ozy disse à Axios em janeiro que as newsletters da empresa tinham "mais de 20 milhões de assinantes". Em comparação, o Morning Brew, empresa de mídia de sucesso baseada em newsletters, diz que tem 3 milhões de assinantes.

"Nunca ouvi uma explicação da Ozy que fizesse sentido", disse Brian Morrissey, ex-editor-chefe da Digiday, publicação que cobre mídia digital e a indústria tecnológica, que hoje escreve a newsletter The Rebooting, focada em empresas de mídia. Ele disse que ficou surpreso com as afirmações da Ozy, e acrescentou: "Então você faz a checagem pessoal, e nenhuma vez na minha vida um conteúdo da Ozy cruzou meu mundo organicamente".

Watson disse no email que compreende a desconfiança, mas que o crescimento da Ozy "foi completamente real".

Mesmo enquanto lutava para formar um público digital, porém, a Ozy também fez sucesso offline, com eventos que incluem o OzyFest, um festival de humor, música e palestras semirregular. E graças ao trabalho incessante de Watson e à sua rede de relacionamentos, a Ozy fechou uma série de acordos de produção do tipo que outras novas companhias de mídia desejam. Estes incluem "Third Rail With Ozy", uma série de debates da PBS em 2017 conduzidos por Watson, e "Defining Moments", uma série de entrevistas em 2020 no Hulu que apresentou o músico John Legend, o investidor Mark Cuban e a atriz Jameela Jamil. "Own spotlight: Black Women OWN the Conversation", um programa da Ozy comandado por Watson, na Oprah Winfrey Network, ganhou um Emmy no ano passado na categoria discussão e análise de notícias.

Enquanto Watson muitas vezes desmentiu um interesse por transformar a empresa em um veículo para seu próprio talento como apresentador, seu estilo cordial de entrevistas carregou a maioria dos programas, incluindo um podcast que a Ozy começou no ano passado com a BBC, apresentando sua âncora Katty Kay, chamado "When Katty Met Carlos". (Kay trocou a BBC pela Ozy este ano.)

A companhia investiu mais recentemente em uma onda de marketing para "The Carlos Watson Show", que apresentou entrevistas com o doutor Anthony Fauci e a cineasta Ava Duvernay (assim como outras figuras pouco conhecidas, incluindo eu). Além dos cartazes, as promoções do programa incluíram um suplemento publicitário no estilo revista, com o rosto de Watson na capa, dentro da edição impressa de fim de semana do The New York Times. O título: "Conheça Carlos Watson".

Depois da ligação

O Goldman Sachs não tomou mais medidas depois da ligação com o executivo da Ozy que parecia imitar o executivo do YouTube. Mas a equipe de segurança do Google, que é propriedade do YouTube, determinou que um crime pode ter acontecido.

O Google alertou o FBI, disseram duas pessoas informadas sobre o assunto. O Goldman Sachs então recebeu um inquérito de autoridades do órgão policial, segundo uma pessoa informada. Watson disse na sexta-feira que a Ozy não foi contatada por investigadores. Piper não quis comentar, segundo um funcionário do YouTube.

O risco legal é real, disse John Coffee Jr., professor de direito na Universidade Columbia, para quem descrevi o caso. Enganar potenciais investidores para levantar capital seria a base para acusações criminais de fraude em transferência e fraude em investimento, disse ele, assim como um potencial processo civil da Comissão de Valores Mobiliários. Mas ele acrescentou que um promotor não poderia levar o caso adiante porque o negócio não se concretizou.

O escritório do FBI em San Francisco disse em um email que não confirmaria nem negaria a existência dessa investigação.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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