Governo prepara 'programa de crescimento verde' para investidores, mas Economia pediu regras ambientais frouxas

Ideia de reunir ações de desenvolvimento sustentável e investimento verde vão em direção contrária a uma solicitação para flexibilizar normas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Alvo recorrente de críticas pela condução da agenda ambiental no país, o governo está preparando um conjunto de medidas, batizado de “Programa de Crescimento Verde”, a ser apresentado a investidores.

No entanto, documentos do governo mostram que o Ministério da Economia sugeriu ao Ministério do Meio Ambiente alterações em normas para afrouxar regras ambientais em uma iniciativa para redução do custo Brasil.

Ofício enviado em maio pela Economia foi publicado nesta quinta-feira (23) pelo portal G1 e confirmado pela Folha. O documento traz uma lista de demandas apresentadas pelo setor privado para aumentar a produtividade e "eliminar dificuldades que elevem o custo de fazer negócios no país".

A pasta pede, então, que o Ministério do Meio Ambiente analise os pedidos e indique, se possível, quais ações do governo estão em curso nesse sentido e qual a situação de cada medida.

Entre as proposições, está a mudança de regras que restringem o desmatamento em regiões de Mata Atlântica.

Decreto vigente hoje define que o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) precisa dar autorização prévia para a supressão de vegetação acima de 50 hectares (ou três hectares em áreas urbanas). O documento sugere que essa exigência exista apenas para áreas superiores a 150 hectares (ou 15 hectares em áreas urbanas).

"A legislação traz grandes entraves burocráticos em caso de supressão de vegetação mesmo em estágios de regeneração permitidas pela lei", diz o documento, assinado pelo secretário de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação do Ministério da Economia, Jorge Luiz de Lima.

O ofício também sugere a dispensa de licenciamento ambiental para uso de rejeito de mineração nos casos em que a atividade principal já estiver licenciada. Outro pedido prevê a concessão de licenças ambientais de forma automática em caso de demora do poder público.

Em outro ponto, o documento propõe que o mapa de biomas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) seja alterado para que todas as áreas com características de cerrado sejam definidas com esse título. Isso porque há regiões desse tipo dentro do espaço classificado como Amazônia.

A reportagem do G1 aponta que um novo ofício, enviado na última terça-feira (21) pelo Ministério do Meio Ambiente ao Ibama, solicita análise desses pedidos e posterior encaminhamento de informações até 30 de setembro.

O Ministério da Economia negou que tenha solicitado alterações de regras ambientais. A pasta informou que mantém diálogo com o setor produtivo para identificar pontos que atrapalham os negócios.

“Quando os pleitos solicitados envolvem outras áreas do governo, encaminhamos as solicitações para análise e avaliação dos órgãos competentes, sem nenhum julgamento prévio”, disse.

A pasta afirmou que busca sempre o desenvolvimento sustentável que gere emprego e renda, o que depende da redução do custo Brasil, incluindo eliminar burocracia excessiva. Segundo o órgão, mesmo que algumas demandas do setor privado “sejam sensíveis”, elas precisam ser encaminhadas para análise das áreas competentes.

A Folha procurou o Ministério do Meio Ambiente e não teve retorno até a última versão deste texto.

Em outra direção, o governo pretende apresentar um plano que deve reunir ações de desenvolvimento sustentável e investimento verde. A ideia é fazer o lançamento em evento comemorativo de mil dias de governo, celebrado na próxima semana, ou na Cop-26 (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), em novembro.

Os detalhes do programa ainda estão em elaboração no governo. Entre os pontos, deve ser lançada a CPR (Cédula de Produto Rural) Verde, um instrumento financeiro que permite negociação relacionada a florestas e ao carbono captado por elas. Segundo um membro do governo, donos de terras poderão emitir os títulos e receber recursos condicionados à preservação.

O plano também deve prever US$ 2 bilhões (R$ 10,6 bilhões) em recursos para financiar empreendimentos sustentáveis e programas de infraestrutura verde.

Não haverá aporte do Orçamento do governo e a maior fatia desse investimento deve partir do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como banco do Brics). A instituição é presidida por Marcos Troyjo, que é ex-secretário do ministro Paulo Guedes (Economia).

Segundo relatos, há uma disputa política relacionada ao lançamento do programa. Enquanto uma ala do governo prefere fazer a apresentação na Cop-26, há pressão da equipe econômica e da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que buscam reconhecimento pelo projeto e querem antecipar a apresentação.

Inicialmente, Guedes havia demonstrado interesse em incorporar ao plano uma reestruturação da Zona Franca de Manaus. Para ele, a região deveria ser um polo de investimentos sustentáveis e pesquisas científicas.

No entanto, é alta a resistência sobre qualquer alteração no funcionamento da Zona Franca. Por isso, o ministro tem afirmado que prefere levar esse tema para as discussões da reforma tributária.

O governo Bolsonaro é alvo de críticas por causa de sua gestão ambiental. No discurso de abertura da 76ª Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), nesta semana, o mandatário minimizou o desmatamento na Amazônia.

O presidente afirmou que houve uma redução de 32% nas derrubadas na região em agosto, na comparação com o mesmo mês de 2020.

A afirmação estava correta, mas omitia que os 918 km² desmatados representam uma área 75% superior à registrada em agosto de 2018 (526 km²), última medição, para o mês, anterior ao início do governo Bolsonaro.

Segundo dados do sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o bioma cerrado apresentou uma alta de 137% na área de desmate no mesmo período, segundo o mesmo sistema.

Dados de outro levantamento, o SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento), produzido pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), apontam para o sentido oposto ao apresentado por Bolsonaro na ONU.

De acordo com as informações do sistema, este foi o mês de agosto com a maior área desmatada em dez anos, equivalente a cinco vezes o tamanho da capital mineira, Belo Horizonte. Ainda segundo o SAD, o acumulado desde janeiro é o pior da década.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.