Descrição de chapéu inflação

Só peru morre de véspera; leia coluna de João Sayad de 1999 sobre inflação

Economista e professor morreu neste domingo (5)

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São Paulo

O economista e professor João Sayad, que morreu aos 75 anos no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, foi colunista da Folha, e em novembro de 1999 escreveu artigo sobre a inflação, àquela época em 8,4% no acumulado de 12 meses.

O debate sobre a inflação voltou após o IPCA, o índice oficial de preços do país, subir nos últimos meses. Atualmente o índice está em 8,99% no acumulado até julho.

Leia a coluna de Sayad.

O economista João Sayad durante entrevista - Luis Ushirobira/Valor Econômico/Folhapress

Só peru morre na véspera

A inflação vai voltar? Uma pequena inflação é como uma pequena gravidez? Inflação de 12% trará de volta a indexação?

Nós brasileiros somos especialistas em inflação: como medir, prever, atenuar, rever, conviver, reajustar, expurgar e se adaptar. É preciso não perder a calma e lembrar do que sabíamos antes.

1) Não existe "inflação de custo"

Aumentos de preços destinados a repassar o aumento do petróleo, de produtos agrícolas ou do dólar geram inflações muito pequenas e, de fato, deveriam ter outro nome.

O presidente Kennedy fez um escarcéu contra a United States Steel, que aumentou o preço do aço em 5% em 1962, desobedecendo a controles de preço do governo. O impacto desse aumento, levando em conta todos os efeitos diretos e indiretos, no automóvel, na lâmina de barbear, na ponte de aço etc., não passava de 0,1%.

A taxa cambial desvalorizou-se 60% entre janeiro e este mês. Qual a inflação necessária para repassar a desvalorização para todos os preços? O câmbio é importante para o preço da gasolina, do trigo, do frango, do milho, do papel, da soja, da televisão etc. etc. etc.

A regra para calcular o impacto final da desvalorização levando em conta todos os efeitos, diretos e indiretos, é multiplicar a participação dos exportáveis e importáveis no produto nacional vezes a desvalorização.

Exportáveis e importáveis representam 12,5% do produto. Vamos dizer que seja 20%, para exagerar.

Desde janeiro deste ano, a desvalorização foi 60%. Assim, 60% vezes 20% dá 12%. Portanto, por causa da desvalorização, devemos ter uma inflação de 12% para refletir toda a desvalorização cambial. Podem ser três anos de 4%, dois anos de 6% ou um ano de 12%.

Essa inflação não dá medo. Não é pequena gravidez. Nem é inflação.

2) Os empresários afirmam que existem preços reprimidos, inflação reprimida. Custos subiram e preços não se reajustaram.

Quando, e se, conseguirem repassar os aumentos de custos para aumentos de preços, haverá alguma inflação. É elevação temporária de preços, inflação de custos. Pela regra anterior, dá no máximo 15%. Não é pequena gravidez.

3) A inflação-pesadelo, que amedronta os brasileiros, não é a inflação de custos.

A superinflação que conhecíamos só voltará se a maior parte dos setores da economia começarem a fazer contas sobre o valor de compra, o "valor real" da moeda, tentando corrigir preços não em função dos custos, mas em função de índices gerais de preços.
Estamos muito longe disso. Só peru morre na véspera.

4) Não é verdade que o IPC tenha que acompanhar o IPA.

Isso só acontece em economia com inflação permanente, com o dólar indexado à inflação. Do contrário, não há razão para acontecer. Podemos esquecer a diferença entre IPC e IPA.

5) Para inflação-pesadelo, são necessárias duas condições simultâneas.

Primeiro, demanda e emprego elevados para que trabalhadores e sindicatos tenham condição de pedir aumentos de salários ou indexar salários. Estamos longe dessa situação. Os departamentos de recursos humanos das empresas gastam mais tempo com candidatos a emprego do que com questões de reajustes salariais.

Segundo, é preciso que o câmbio esteja subindo permanentemente, o que não aconteceu neste ano. A melhor política antiinflacionária é exportar para estabilizar a taxa cambial.

6) A inflação só deve nos preocupar quando todos estiverem preocupados com a inflação. Ainda não aconteceu.

A pesquisa de opinião pública que indicou que 75% da população está preocupada com a inflação deve ter feito pergunta inadequada, do tipo: "Você está preocupado com a inflação?".

A melhor pergunta seria: "Com o que você está preocupado?". E duvido que a resposta seja inflação. A resposta deve ser desemprego ou segurança.

7) A inflação é medida por índice de preços ao consumidor e não por índice de preços por atacado, onde a taxa cambial tem impacto muito grande.

Os IPAs e o IGP-M medem mais a desvalorização cambial do que a inflação.
Os IPAs da FGV e o IGP-M apresentam muitos problemas que o IPC da Fipe não tem.

8) Calcular índices de inflação causa inflação. Calcular índices inadequados causa mais inflação ainda. Falar sobre inflação causa inflação.

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