Descrição de chapéu Ásia Evergrande

Crise da Evergrande deve fazer governo chinês proteger credor local, diz ex-embaixador

Marcos Caramuru não vê sinais de abalo sistêmico nos mercados; impacto no Brasil deve ser limitado

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São Paulo

O risco de um abalo sistêmico nos mercados internacionais causado pela crise da incorporadora chinesa Evergrande ainda parece remoto, avalia o ex-embaixador do Brasil em Pequim Marcos Caramuru.

Nesta segunda-feira (4), o grupo imobiliário Evergrande, que enfrenta grandes dificuldades, suspendeu as operações na Bolsa de Hong Kong. As ações da empresa registraram queda de quase 80% desde o início do ano, com o grupo à beira de um colapso por uma dívida gigantesca.

Na terça-feira (5), às 10h, Caramuru vai participar do seminário virtual “A crise da Evergrande e o novo modelo de crescimento chinês”, para discutir essas transformações e seu impacto para o Brasil. O evento é promovido pelo CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China), em parceria com o Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).

As inscrições podem ser feitas por meio do link do evento.

À Folha Caramuru ressalta que a crise da Evergrande deve ser considerada no contexto de mudanças que o governo chinês tenta implementar no modelo de crescimento do país, que vão da redução do grau de endividamento ao corte no consumo de energia por razões ambientais.

Marcos Caramuru, ex-embaixador e ex-secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda
Marcos Caramuru, ex-embaixador e ex-secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda - 20.nov.10/AFP

Proteção do investidor
As coisas parecem se encaminhar para uma proteção do investidor interno chinês, já que o mercado imobiliário é uma importante poupança para os chineses e eles tendem a responsabilizar o governo por qualquer perda ou ganho que tenham —sendo assim, o governo tende a intervir para proteger os investidores chineses. O que a gente tem hoje, porém, uma grande dúvida sobre a segurança dos credores internacionais.

Crise sistêmica
A boa notícia é que o risco sistêmico tem sido administrado aos poucos, o próprio banco central começou a injetar liquidez, e não vejo temores tão grandes de uma crise do sistema causada pelo caso Evergrande. Por outro lado, haverá algum impacto sobre as empresas que fornecem serviços e bens para as empresas de construção.

Crescimento menor
Sim, ocorre que o consumo não está crescendo como se esperava e nem o investimento industrial. Não acredito, porém, em uma queda brutal do crescimento da China este ano, mas ele deve ficar em torno de 6% e 7%. O governo chinês tem condições de rapidamente mandar recursos para os governos locais e mudar essa tendência de desaceleração. A aceleração do crescimento é sempre uma decisão do governo, quando ele vê que será baixo, distribui recursos e diz para os governos locais gastarem. Tudo leva a crer, portanto, que eles estão dispostos a aceitar uma taxa de crescimento mais baixa do que se antecipava.

Brasil será afetado?
O preço do minério de ferro já foi afetado, mas não acredito que as commodities agrícolas devam ter um impacto muito grande. As pessoas não vão deixar de comer, e os grãos comprados pela China são necessários para a produção da ração animal. Com a demanda forte por alimentos, não vejo um cenário devastador para as commodities agrícolas, o que pode haver é uma redução pontual que se recompõe adiante. O risco maior para o Brasil era a Evergrande causar uma instabilidade nos mercados internacionais e isso ter um contágio. Mas se o governo chinês administrar essa crise com racionalidade, isso não deve nos afetar de forma muito vigorosa.

Dependência da China
Estrategicamente seria interessante desviar a demanda, mas desviar para qual lugar? Quem poderia comprar do Brasil nessa magnitude? Sem essa resposta, vamos ter uma política que mira em não vender os nossos produtos e esse raciocínio não leva a lugar algum. Temos uma economia com muita dependência do setor agrícola e isso é uma questão estrutural. Não se cria um mercado para as commodities —ele existe ou não. O melhor seria deixar de explorar o mercado chinês? Não creio.

Ciclo das commodities
O ciclo foi positivo, as empresas ganharam bastante e não deixaram de investir em agricultura. O setor agrícola se modernizou. Precisamos ter uma discussão sobre os nossos problemas internos, como a questão fiscal, mas também precisamos discutir a economia que queremos ter. O Brasil não tem propriamente uma política microeconômica, sobre os segmentos da economia que vamos estimular. A última experiência foi a dos campeões nacionais, que não deu bom resultado. A gente sempre trabalha com estímulos horizontais, esperando que o setor privado reaja, mas em lugar disso, precisamos discutir o nosso caminho.

Ataques de Bolsonaro aos chineses
O papel do governo é gerar confiança, e apesar das provocações que aconteceram, a relação com a China segue firme. O setor de commodities vai bem, a China continua investindo no Brasil. Quando as críticas chegam a um nível crítico, os próprios empresários cobram um freio. Mas o cenário parece estar mais calmo agora do que já foi anteriormente. É inevitável ter uma relação amadurecida com a China e o governo percebe isso. O problema é que o governo não é uma entidade uniforme, há pessoas que entendem isso e alguns que tratam a China apenas em uma perspectiva ideológica.

RAIO-X:
Marcos Caramuru, 67
É membro do Comitê Consultivo do CEBC, conselheiro internacional do Cebri e esteve à frente da Embaixada do Brasil na China de 2016 a 2018. Foi secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington

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