Descrição de chapéu Financial Times Ásia CRISE ENERGÉTICA

Crise energética na China ameaça mundo com longa falta de produtos

País tenta acelerar troca de carvão por renováveis, mas demanda por energia agrava escassez

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Primrose Riordan Edward White Harry Dempsey
Hong Kong, Seul e Londres | Financial Times

Donos de fábricas na China e seus clientes em todo o mundo foram avisados que devem se preparar para interrupções no fornecimento de energia como parte da vida, enquanto o presidente Xi Jinping tenta livrar a segunda economia do mundo de sua dependência do carvão.

Meses de escassez cortaram a eletricidade de famílias no nordeste da China e causaram interrupções em fábricas de todo o país. Mas a demanda energética continua crescendo em meio à demanda recorde por exportações chinesas, e os problemas serão intensificados pela perspectiva de temperaturas abaixo de zero no inverno.

Apesar de uma série de intervenções do governo central, conduzidas pelo primeiro-ministro, Li Keqiang, industriais chineses e multinacionais foram igualmente solicitados a reforçar a eficiência energética em suas fábricas e acelerar o investimento em energia renovável.

Demanda por energia cresce em meio a recorde de pedidos por exportações chinesas - 30.set.2021/AFP

A indústria Trueanalog Strictly OEM, que produz alto-falantes perto de Guangzhou, é emblemática do gargalo que já atinge os exportadores por causa dos frequentes cortes de energia. O proprietário, Philip Richardson, disse que sua companhia está emperrada, "brincando de pega-pega".

"É o efeito dominó quando você corta a eletricidade: afeta diretamente as colas da linha de produção, temos de reacertar o ritmo, isso corta de 20% a 30% da produtividade do dia. É realmente um problema", disse ele.

Will Jones, diretor de operações da Associação Britânica do Setor de Aperfeiçoamento Residencial, disse que um terço dos membros do setor de bricolagem e jardinagem relataram que os fornecedores ampliaram seus prazos de entrega. O efeito dominó, segundo Jones, foi maior pressão inflacionária e um leque maior de produtos em falta.

"Isso está tendo um impacto numa situação já muito difícil para os fornecedores com restrições de disponibilidade de espaço nos navios de contêineres e custos em espiral", disse Jones.

O governo chinês adotou uma abordagem pragmática em curto prazo sobre a escassez de energia, revertendo para combustíveis mais sujos, apesar de suas promessas em longo prazo de reduzir o uso de carvão.

Na última semana, o governo ordenou uma rápida expansão das minas de carvão. Também decretou reformas de mercado abrangentes, forçando todas as geradoras de energia a carvão a venderem no mercado atacadista, permitindo que os preços da eletricidade subissem até 20% e elevando os limites de preços para alguns grandes usuários.

A reorganização do mercado é um "enorme passo" na direção da liberalização do setor energético, disse David Fishman, analista de energia no Lantau Group.

As ações do governo, porém, não deverão acabar de imediato com as interrupções de fornecimento. Ao lado de tensões no setor imobiliário, a escassez acrescentou uma grande dose de incerteza aos números do crescimento chinês no terceiro trimestre. o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,9% entre julho e setembro, o ritmo mais fraco desde o terceiro trimestre de 2020 e desacelerando 7,9% em relação ao segundo trimestre.

"Muitas companhias foram realmente surpreendidas pela intensidade" da carência, disse Thomas Luedi, especialista em energia sediado em Xangai na consultoria Bain. Mas eles tiveram de "reconhecer que isso poderá ocorrer de novo perto do fim do ano".

Luedi acrescentou que os aumentos do preço da energia rapidamente obrigarão alguns industriais a cortar a produção, oferecendo um certo alívio à rede de energia sobrecarregada.

"Os produtores ineficientes poderão cair do penhasco", disse ele, apontando pequenos fabricantes de materiais de fundição, como ferromanganês e silício em grau metalúrgico, como prováveis primeiras vítimas.

Em Guangdong, maior pólo manufatureiro da China, autoridades graduadas disseram que quase 150 mil companhias sofreram falta de energia no mês passado, segundo disseram ao Financial Times pessoas informadas sobre uma diretriz do governo.

Reconhecendo que os problemas não serão resolvidos imediatamente, autoridades de Guangdong advertiram em particular que o racionamento provavelmente continuará. Elas também encorajaram as companhias a usarem geração própria de eletricidade, o que provavelmente significará um uso ainda maior de diesel.

Uma barraca de churrasco fornece alguma iluminação em um parque industrial em Houjie, na província de Guangdong, área atingida por restrições de energia - Noel Celis - 30.set.2021/AFP

Muitas empresas voltarão a seus geradores antigos, alguns deles ilegais, afirmou um empresário no sul da China, que pediu para não ser identificado. Apesar de antigos, são mais rápidos que acionar novas usinas.

A escassez está eliminando 30% a 40% do tempo de operação, e as companhias experimentam as mesmas dificuldades, disse ele, acrescentando que a escassez energética não vai "desaparecer amanhã".

O industrial Richardson recorreu à geração com diesel, apesar de um aumento de custo de cinco vezes, para entregar seus alto-falantes a clientes na Europa e nos EUA. Ele também contratou empregados temporários para turnos noturnos e está recorrendo a fretes aéreos mais caros para escapar dos portos congestionados.

Até empresas bem situadas para se beneficiar da resposta do governo —como as que vendem serviços de mineração e geração de energia de emergência—​ enfrentam problemas para aproveitar a oportunidade.
Nathan Stoner, que chefia as operações na China da Cummins, grupo de mineração e energia dos EUA, disse que embora haja algumas oportunidades, as operações da empresa foram restritas por cortes de energia que atingiram suas fábricas e as de seus fornecedores.

No Reino Unido, Steve Levy, diretor-gerente da varejista Heat Outdoors, disse que todos menos um de seus fornecedores chineses de aquecedores para espaços abertos e secadores de mãos, que estão principalmente em Jiangsu e Guangdong, experimentaram cortes de energia em parte da semana. Os prazos de entrega de um fornecedor chinês saltou para seis meses, contra quatro meses durante a maior parte da pandemia e dez semanas antes da Covid.

"Não posso tomar uma decisão para abril", disse Levy, porque ele "não tem ideia" de como estará o mercado.

Luedi, da Bain, advertiu que as pessoas não devem ser "enganadas" pela reversão da China ao carvão para administrar esta crise.

"A tendência é clara. Mas temos muita volatilidade em torno da tendência", disse ele. "Basta haver mais alguns pontos percentuais de crescimento econômico para deixar o sistema temporariamente enlouquecido."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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