Delivery de produtos frescos reduz desperdício e encurta cadeias

Startups investem em oferecer novas formas de fazer compras

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São Paulo

Até 1950, os brasileiros abasteciam suas despensas por meio de compras de balcão em armazéns, modelo em que os funcionários pegavam os produtos para os clientes nas prateleiras. Naquela década, porém, o país abraçou a primeira loja com autosserviço, modelo que já vigorava nos Estados Unidos e que é o tipo mais comum até hoje.

Para os empreendedores do setor, isso está prestes a mudar. A pandemia catalisou uma novidade já em curso: fazer as compras por delivery até mesmo de alimentos frescos. A oportunidade de negócio é deixar de operar com lojas físicas e focar na entrega, com redução de desperdício, estoque e custos de um alimento perecível.

São os casos das startups Shopper e da Frexco, na entrega de frutas, legumes e verduras, e da Santan, fundada este ano para entregar, inicialmente, carne de porco.

Funcionários separam alimentos no centro de distribuição da Shopper, que neste ano lançou a compra programada de alimentos frescos - Eduardo Anizelli/Folhapress

"O setor não mudou em gerações", diz Fábio Rodas quando questionado sobre as motivações para abrir a Shopper, um tipo de supermercado online. "A gente estava em 2015, tinha um smartphone no bolso, mas comprava da mesma forma que os nossos avós."

Naquele início, o foco dele e da sua sócia, Bruna Vaz, era automatizar compras mensais de itens mais resistentes, como produtos de higiene e limpeza e comidas industrializadas. Na plataforma, o cliente programa a sua compra e agenda o dia de entrega no mês.

Em 2019, quatro anos depois da criação da marca, eles resolveram fazer um teste: disponibilizar no aplicativo cerca de 20 produtos perecíveis, como cenoura, banana e batata.

A novidade foi bem recebida pelos clientes, mas nada comparado ao boom desses itens na plataforma durante a pandemia. O empresário conta que, do final de março ao começo de abril do ano passado, a Shopper saiu de 150 funcionários para 300.

O sucesso fez os sócios criarem, em julho deste ano, a compra Fresh, uma outra loja no mesmo aplicativo, mas com produtos frescos. Há desafios próprios em vender esse tipo de alimento, diz Rodas. "São itens mais sensíveis. O que é maduro para mim pode não ser para você."

Para conseguir entregar frutas e verduras, a empresa otimiza ao máximo a sua operação. "A gente tem que ter um controle de qualidade muito maior do que se a gente tivesse em uma loja física", diz o empresário. A compra dos produtos é feita pela empresa após o cliente confirmar a intenção de receber a sua lista de itens predeterminados naquele período.

"Ao invés de comprar do produtor e ficar esperando o cliente, é o contrário. Invertemos a lógica. A gente vende para o cliente, faz o pedido para o produtor, recebe no centro de distribuição, monta o pedido e entrega", afirma Rodas.

Os produtos chegam do Brasil inteiro e até saírem para a casa dos clientes das 72 cidades paulistas onde atuam, ficam em um centro de distribuição em Osasco (SP). Lá, cada tipo de verdura tem uma sala específica: úmida, seca, mais fria, mais quente. São sete temperaturas diferentes, diz Rodas.

"Para aumentar a vida útil do item, você tem que armazenar ele na temperatura correta, que não é a de uma loja física. A temperatura boa de uma loja física é aquela para um ser humano andar", afirma.

Fábio Rodas, 28, e Bruna Vaz, 27, fundadores da Shopper - Eduardo Anizelli/Folhapress

Colocar a tecnologia no setor fez o número de intermediários entre o agricultor e o consumidor final cair drasticamente nessas empresas.

"Cada vez que bate uma caixa, como dizemos internamente, perde-se um pouco de produto. A gente tenta reduzir todas essas ineficiências sendo um único intermediário na cadeia", diz Eduardo Pietraroia, cofundador da Frexco, startup com um modelo de negócio parecido com o da Shopper —mas focada somente em alimentos frescos.

A sensibilidade desse tipo de item, que por um lado aumenta os desafios da entrega, faz o cliente voltar com mais frequência à plataforma. "Frutas, legumes e verduras têm uma recorrência imensa. Para criar o hábito, eu preciso ter o alimento fresco", explica Mateus Erthal, também fundador.

Se feito até as 18h, o pedido sai para entrega a partir das 7h do dia seguinte. "O grande barato desse modelo é que quando temos uma vida útil muito preservada, a distribuição é muito eficiente. O cliente recebe o alimento quase recém-colhido", diz Erthal.

Nesse modelo, saem de cena as tradicionais centrais de abastecimento, como a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) e entra a comunicação por WhatsApp com o agricultor, que não está mais isolado no campo.

Por meio do aplicativo, a empresa fala com os 180 produtores cadastrados em um raio de 150 km da base de operação, em Piedade, nos arredores de Sorocaba (SP), e traduz os dados de demanda e oferta. Para isso, cruza tendências de comportamento com previsão do tempo e outros fatores que influenciam a produção e distribuição de alimentos que perecem tão rápido.

Os empresários contam que têm tentado aumentar a comunicação com os agricultores, indicando quanto vão comprar. "Na cadeia tradicional, esse pequeno produtor está completamente às cegas, atuando em cima de rumor, boatos", afirma Pietraroia.

A startup foi impactada pela pandemia. Antes, entregavam somente para restaurantes, e agora prestam serviço também ao consumidor final nas três cidades paulistas em que atuam: Campinas, São Paulo e Sorocaba.

A recém-criada Santan guarda semelhanças com empresas de entrega de legumes e verduras, mas aplica a tecnologia para entrega de carne de porco.

"A Santan não tem uma câmara fria de congelamento. Nós só vamos abater o que foi vendido e pago", explica o criador da empresa, André Santin. "Se eu não vender, o porco está engordando no pasto."

"Pasto", porque os porcos da marca estão sendo criados de uma maneira bem específica. Alimentados com milho, batata-doce, abóbora e sem transgênicos ou ração, eles são criados soltos em fazendas do sudoeste do Paraná.

Apesar de a empresa ser dona de uma área de 24 hectares na região, a maior parte dos animais comercializados pela marca será criada em fazendas de parceiros que contarão com a infraestrutura da Santan —veterinário, cerca e alojamento, além do animal matriz. Até o final do ano, a previsão é que 2.000 animais sejam próprios e 3.000 de parceiros.

Uma tipo de criação tão peculiar eleva o preço: Santin conta que paga ao produtor parceiro três vezes o preço do porco comercializado por grandes marcas no dia e vende em São Paulo pelo preço que negociar, normalmente o dobro de um produto semelhante. A carne chega por terra ou pela aeronave da empresa.

A startup planeja abrir uma loja da marca no Mercado Municipal de São Paulo em dezembro, apesar do atual foco em entrega para consumidores finais. Supermercados estão fora de cogitação por enquanto.

"Se você pegar uma carne fresca e deixar ela em uma gôndola por 2 ou 3 dias, o trabalho nosso de meses foi todo por água abaixo. A carne fresca é o grande segredo da Santan. Se o sangue coagula junto, acabou", justifica.

A atenção minuciosa, diz, também é importante para garantir a qualidade da carne. E um desafio compartilhado por quem entrega produtos frescos.

"Não tem como garantir que o produto esteja fresco se não tiver um comprometimento de 110% da equipe cuidando do passo a passo. Não é como pegar um produto congelado e, se demorar 10 horas, tudo bem", afirma.

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