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Desenvolvimentistas se inspiram em Biden, mas reconhecem limites para imitá-lo no Brasil

Livro examina oportunidades e desafios para financiar plano de investimentos como o dos EUA

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São Paulo

A chegada de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos e o lançamento de seus planos econômicos trilionários animaram os desenvolvimentistas brasileiros a voltar a sonhar com o futuro, cinco anos após serem afastados do palco com o fim do governo Dilma Rousseff (PT).

Em março, o Congresso americano aprovou a primeira parte do Plano Biden, que oferece US$ 1,9 trilhão em benefícios para ajudar famílias vulneráveis e pequenos negócios a se recuperar mais rapidamente da profunda recessão em que a economia dos EUA mergulhou na pandemia do coronavírus.

Biden suou nos últimos dias em busca de apoio para a segunda parte, que prevê US$ 2 trilhões em investimentos em infraestrutura e novas tecnologias na próxima década. Encontrou resistência até no seu partido, e tudo indica que precisará conter suas ambições para ver o pacote aprovado.

O terceiro pilar da estratégia do presidente americano também está em debate no Congresso. Ele oferece US$ 1,8 trilhão em investimentos na área social e créditos fiscais para famílias, a serem financiados por uma reforma tributária que aumenta impostos para empresas e pessoas com renda alta.

Homem branco de cabelos brancos, vestido de terno azul escuro, camisa branca e gravata azul clara com listras brancas, discursando com os braços abertos, com uma grande escavadeira ao fundo.
O presidente americano Joe Biden, em visita a um centro de treinamento de engenheiros no estado de Michigan. - Nicholas Kamm/AFP

As iniciativas de Biden entusiasmaram os desenvolvimentistas brasileiros porque reforçam o papel do governo no planejamento e na coordenação de investimentos e na correção de desigualdades sociais, e porque se afastam da lógica que presidiu a política econômica americana desde os anos 1980.

Em vez de desonerar a renda do capital para estimular o setor privado na esperança de fazer o bolo crescer, Biden pôs de lado a cartilha dos seus antecessores e quer taxar os ricos para ampliar ações sociais, recuperar o dinamismo da indústria americana e enfrentar a competição com a China.

Como os economistas André Roncaglia e Nelson Barbosa dizem no recém-lançado "Bidenomics nos Trópicos", é a "reabilitação, após 40 anos de ostracismo e má reputação, das ideias de planejamento e coordenação estatais e sua reinserção no centro do poder da maior economia do planeta".

Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo, e Barbosa, da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro do governo Dilma e colunista da Folha, recrutaram 20 colegas de diferentes instituições de pesquisa para examinar as possibilidades de replicar a estratégia de Biden no contexto brasileiro.

A maioria dos artigos reunidos no livro aponta carências conhecidas do país em áreas como saúde, educação e infraestrutura, fazendo uma espécie de mapeamento de oportunidades que poderiam ser exploradas se o Brasil fosse liderado por um governo disposto a imitar a iniciativa americana.

Os textos abordam também as dificuldades encontradas pela indústria brasileira para se manter competitiva e alcançar a fronteira tecnológica, como o baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento e a insuficiência dos fundos federais desenhados para financiar a inovação no setor privado.

Soa como uma lista de desejos ambiciosa, apresentada sem muita discussão sobre seus custos e sem menção a benefícios que poderiam resultar de políticas alternativas. Isso torna mais interessantes os capítulos que tratam dos obstáculos que o país encontraria para levar adiante planos como o de Biden.

Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, diz que haveria espaço para financiar um plano de investimentos robusto recorrendo ao excesso de poupança acumulada desde o início da pandemia, mexendo no sistema tributário e reavaliando programas ineficientes.

Mas Pires vê riscos na expansão da dívida pública, hoje equivalente a mais de 80% do PIB (Produto Interno Bruto) por causa do aumento de gastos no enfrentamento da Covid. Para ele, as incertezas do ambiente econômico tornam mais difícil viabilizar planos de longo prazo em países como o Brasil.

"Mesmo nos países que largaram na frente da expansão fiscal, não existem pacotes fiscais que joguem todo o custo para a dívida pública", diz Pires. "Não se pode confundir um alívio conjuntural decorrente de uma situação econômica mais favorável com possibilidades permanentes de expansão fiscal."

Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério da Economia, calcula que uma reforma que aumentasse o Imposto de Renda para as empresas e os mais ricos e criasse um novo tributo sobre patrimônio poderia gerar receitas de até R$ 153 bilhões, ou 1,8% do PIB.

Mas Nelson Barbosa observa no livro que as dificuldades nesse campo são maiores no Brasil do que nos EUA, por causa da complexidade do sistema tributário do país. Como a discussão da proposta de reforma apresentada pelo governo neste ano mostrou, a oposição no Congresso é grande.

Faz falta à coletânea uma avaliação mais aprofundada dos resultados obtidos pelo Brasil no passado, quando outros governos buscaram estimular investimentos com crédito barato, subsídios e outros benefícios a setores selecionados, como os autores sugerem que se faça novamente agora.

Um dos capítulos é bastante benevolente com o governo Ernesto Geisel (1974-1979), que executou na ditadura militar um programa audacioso como resposta à crise provocada pelo choque dos preços do petróleo em 1973, financiando grandes obras de infraestrutura e a criação de novas indústrias.

Os cálculos apresentados sugerem que o plano do general não só permitiu sustentar as elevadas taxas de crescimento econômico da época, mas alcançou taxas de produtividade mais altas do que as registradas em outros períodos, tese que outros estudos sobre o tema põem em dúvida.

As comparações só vão até 2006, quando Luiz Inácio Lula da Silva se reelegeu e iniciou a fase de maior expansão fiscal de seu governo. Elas excluem o governo Dilma, cujos erros contribuíram para que o Brasil afundasse na pior recessão de sua história, da qual o país não se recuperou até hoje.

Em geral críticos do pensamento econômico convencional e dos governos que sucederam ao de Dilma, os autores da coletânea parecem depositar grande confiança na capacidade do Estado brasileiro de executar um programa como o de Biden e fazer as escolhas certas, mas oferecem pouco para persuadir os céticos.

Bidenomics nos trópicos

  • Preço R$ 36 (e-book)
  • Autor André Roncaglia e Nelson Barbosa (organizadores)
  • Editora FGV
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