Drible ao teto de gastos pode fazer despesa crescer em até R$ 160 bi, diz economista

Bolsonaro garantiu que vai respeitar a regra, um dia após impasse sobre a origem dos recursos

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São Paulo

A flexibilização do teto para turbinar o Bolsa Família e sustentar outros gastos pode levar a um aumento de despesa de até R$ 160 bilhões, ou 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto) em relação ao que está proposto na atual versão do Orçamento.

Segundo cálculos do economista Marcos Mendes, um dos pais do teto de gastos, o aumento representaria uma inflexão na trajetória da despesa pública, que em 2021 deve fechar em torno de 18,7% do PIB, para 19%.

Também reverteria a tendência atual de redução do déficit primário, que deve fechar 2021 em torno de 1,3%, para 1,7%, segundo ele.

Esse aumento da despesa ocorreria em um cenário mais pessimista, em que o governo conseguiria deixar os R$ 89 bilhões em despesas com precatórios (dívidas judiciais) fora do teto de gastos.

O presidente Jair Bolsonaro, sentado, ao lado de uma cadeira vazia, durante cerimônia em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro, durante cerimônia em Brasília - Pedro Ladeira - 13.set.21/Folhapress

"Isso abriria espaço para se pagar, dentro do teto, não só as emendas de relator e o aumento do fundo de campanha, mas também outras medidas, como o auxílio-gás, a desoneração da folha e o auxílio aos agricultores familiares", diz Mendes, que também é pesquisador do Insper.

Além disso, haveria um aumento do auxílio emergencial dado aos invisíveis —que receberam o benefício, mas não estavam no Bolsa Família antes da pandemia— para R$ 400, fora do teto. ​

A proposta de aumento do Auxílio Brasil, o substituto do Bolsa Família, para R$ 400 é uma das principais bandeiras do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que deve tentar a reeleição no ano que vem.

Entre os analistas, no entanto, causam preocupação tanto o desenho do novo programa como a fonte de recursos para financiá-lo.

Para conter esses temores, o presidente garantiu nesta quarta (20) que vai respeitar o teto de gastos, um dia após o impasse sobre a origem dos recursos e forte reação do mercado financeiro por causa desse movimento.

O ministro Paulo Guedes (Economia), no entanto, apresentou ideia em avaliação que pode furar o teto, durante evento de incorporadoras no fim da tarde desta quarta.

"O que o governo está tentando fazer é dar para os mais pobres com uma mão e tirar com a outra. As incertezas jogam o câmbio para o alto e a inflação também, esses R$ 400 vão acabar sendo corroídos. Além disso, o desenho do programa de assistência que está sendo criado importa, não apenas o valor do benefício", avalia Mendes.

Para o economista João Leal, da gestora Rio Bravo, o crescimento econômico no ano que vem pode ficar entre zero e 0,5%, caso ocorra um rompimento do teto. Ele aponta um cenário em que a atividade seria pressionada por uma taxa de juros acima de 10%.

Além desse cenário mais pessimista, Mendes prevê mais três alternativas para que o governo tente equacionar suas ambições de aumentos de despesas.

Em um deles, caso o governo postergasse o pagamento de R$ 50 bilhões em precatórios, como estava previsto em seu plano original, mais da metade desse valor (R$ 26 bilhões) seria corroído pela aceleração da inflação pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Esse indicador serve de referência para a atualização do pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais.

Sobrariam, portanto, R$ 24 bilhões para aumentar o valor do novo Bolsa Família, além dos R$ 35 bilhões previstos no Orçamento para o programa atual, ou R$ 59 bilhões.

Caso o governo seguisse com sua proposta original para os precatórios e quisesse pagar R$ 400 para 17 milhões de família no novo Auxílio Brasil, conforme sinalizou o presidente Bolsonaro, seriam necessários R$ 82 bilhões, ou gastar R$ 23 bilhões fora do teto de gastos.

"O presidente não formou uma coalização para governar, ele se rendeu ao centrão. A única resistência ao aumento de gastos hoje é o Ministério da Economia, mas ele perdeu muita força, até por incompetência", diz Mendes.

Um outro cenário previsto por ele seria deixar os R$ 82 bilhões a serem investidos no Auxílio Brasil fora do teto de gastos, deixando espaço dentro do teto para o pagamento de emendas de relator e aumentar o fundo de financiamento de campanha, sem a necessidade de sacrificar os investimentos.

"Sobraria, ainda, espaço para atender outras demandas do parlamento, como a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos, o Auxílio Gás e a transferência de renda a agricultores familiares. Seria possível pagar R$ 59 bilhões em dívidas judiciais dentro do teto, postergando-se apenas R$ 30 bilhões."

Caso o governo opte por esse caminho, ao se somar toda a despesa primária de 2022 com os precatórios que deixarão de ser pagos, haveria uma despesa primária total de 18,2% do PIB.

Um outro caminho, projeta Mendes, seria o Congresso aprovar, além do novo Bolsa Família, uma prorrogação do Auxílio Emergencial para quem tenha recebido o benefício durante a pandemia, mas não estava incluído no Bolsa Família. Isso levaria a uma despesa de R$ 24 bilhões fora do teto de gastos.

Segundo o economista, o mais relevante nos sinais que estão sendo dados pelo governo não é o tamanho da despesa para o ano que vem, mas a opção por destruir a última regra fiscal que ainda tinha eficácia —o teto de gastos.

"Enfraqueceram a regra de ouro e a LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal]. O teto vinha funcionando bem nesse sentido e isso agora vai ser perdido", diz.

Mendes ressalta que a regra antes do teto era gastar ao máximo e financiar esse gasto com dívida, o que leva o país à crise. "Vamos voltar ao cenário de 2014, partindo de um patamar de dívida ainda mais alto", avalia.

​"O ambiente político atual não permite fazer apostas de qual cenário deve se materializar, mas os que colocam mais despesas fora do teto, como o novo auxílio inteiro, devem ser os mais prováveis", conclui Mendes.

Ainda que o Congresso coloque limite para o pagamento de precatórios dentro do teto e proíba que se emita novos precatórios além do que o teto permite, essas travas podem esbarrar em contestações dentro do STF (Supremo Tribunal Federal) ou por pressão do próprio Congresso no futuro, diz o economista.

Com Reuters

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