Descrição de chapéu Folha ESG sustentabilidade

ESG chega ao mercado imobiliário e pode amenizar impactos socioambientais do setor

Do uso consciente de recursos naturais a soluções para o déficit habitacional, construtoras passam a incorporar boas práticas

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Belo Horizonte

Em 2019, as emissões de carbono da construção civil atingiram o nível mais alto da história. O setor responde por 38% das emissões de CO2 relacionadas à energia e, considerando todo o segmento de infraestrutura, consome 50% dos recursos naturais extraídos do planeta.

Os dados constam de um relatório divulgado em dezembro de 2020 pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), que alertou sobre a necessidade urgente de descarbonizar o setor.

Algumas empresas já estão se mobilizando nesse sentido. Em meio à pressão do mercado por boas práticas ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança corporativa), construtoras têm adotado iniciativas para minimizar seus impactos socioambientais.

É o caso da Plano & Plano. Tão logo o processo de abertura de capital na Bolsa foi concluído, no final de 2020, a companhia viu a necessidade de estruturar sua agenda ESG.

“Agora nós entramos no mundo dos adultos, e tem um monte de coisas que é preciso fazer”, afirma Rodrigo Von, diretor presidente da Plano & Plano.

Segundo ele, a incorporadora —que é focada em empreendimentos econômicos e de classe média baixa— já tinha práticas sustentáveis desde os anos 2000, mas o IPO acelerou a consolidação dessa agenda internamente.

"Se eu não tinha um ESG estruturado é porque eu não precisava ter, não é que a gente não quisesse. Íamos fazendo de acordo com a nossa competição. No momento em que você está no mundo dos adultos, a coisa muda de figura", diz.

Em 2021, a companhia lançou seu primeiro relatório de sustentabilidade, elaborado segundo as diretrizes da GRI (Global Reporting Initiative), referência internacional de padronização para esse tipo de relatório.

De acordo com o diretor, a jornada ESG apenas começou. Agora é preciso espalhar essa cultura pela empresa.

Uma das iniciativas já adotadas pela construtora é em relação ao uso de recursos naturais. Por meio de um software de gerenciamento, a Plano & Plano controla o consumo de água, energia elétrica e destinação de entulho de cada obra.

“Um [indicador] que a gente está atrás é medir a nossa quantidade de carbono. Esse é um pouco mais complicado, porque tem que fazer um cálculo para cada nota fiscal que entra no empreendimento”, afirma Von.

Segundo o diretor, a ideia é que, em meados de 2022, a companhia já saiba o quanto emite para conseguir desenhar um plano de ação.

“Nós entendemos que o primeiro ano é de aprendizado. A gente nem sabia o que queríamos fazer de ESG, agora sabemos, temos um plano de metas, então a coisa vai se estruturando”, diz.

Aprendizado também é mencionado por Bianca Setin, diretora de operações da Setin Incorporadora, especializada em empreendimentos de médio e alto padrão em São Paulo.

Em outubro do ano passado, a companhia criou um comitê de ESG. Segundo a diretora, a proposta foi juntar diversas áreas da empresa para permitir múltiplas perspectivas sobre o tema e pulverizar a agenda ESG pela organização.

"Não adianta ficar na mão de uma pessoa. A empresa precisa respirar todas essas práticas para que elas entrem no cotidiano”, afirma.

Neste ano, a companhia teve um de seus prédios certificados em quesitos de sustentabilidade. O Aeté Jardim Paulista recebeu o selo internacional Edge (excelência em design para maior eficiência, na sigla em inglês), que reconhece empreendimentos imobiliários tendo em vista a eficiência energética da obra, o consumo de água e a redução de energia incorporada aos materiais.

Imagem de prédio com vidros
Fachada do Aeté Jardim Paulista, prédio da Setin, em São Paulo, que recebeu o selo internacional Edge. A certificação foi criada pela IFC (International Finance Corporation) e reconhece empreendimentos imobiliários tendo em vista a eficiência energética da obra, o consumo de água e a redução de energia incorporada aos materiais - Divulgação

Segundo Setin, a empresa adota padrões ambientais em suas obras, como o reúso de águas pluviais para irrigação de jardim, instalação de luminárias com sensores de presença e arejadores de torneira para reduzir o consumo hídrico. Outro ponto-chave, na visão da diretora, está na escolha de materiais.

"Em vez de construir as paredes internas de um apartamento em bloco, onde eu vou consumir mais água para fazer o cimento e [gerar] resíduos a mais, a gente opta em 99,9% dos empreendimentos por paredes internas em drywall", explica.

No entanto, a Setin não possui metas públicas relacionadas a temas ambientais. De acordo com a diretora, a companhia ainda está engatinhando na agenda.

“Nós estamos conhecendo o que é de fato o ESG. Já temos bastante ações, mas para criar metas nós precisamos conhecer a fundo e saber das nossas limitações”, afirma. Mas a incorporadora não é exceção no setor.

Um estudo da consultoria Luvi One, que analisou relatórios publicados por 384 companhias de capital aberto do país, mostrou que a construção civil é um dos segmentos com menos metas ambientais da Bolsa. Das 27 empresas do setor listadas na B3, apenas uma tinha objetivos climáticos.

Para Mauricio Colombari, sócio da PwC Brasil, os dados não surpreendem. "De fato é um segmento que precisa avançar nesse sentido, das metas e métricas", afirma.

Segundo ele, diferentemente de outros setores, as atividades de construção civil são menos regulares, o que prejudica o estabelecimento de metas.

"Imagine [a dificuldade] para esse setor que uma hora tem cinco obras, outra hora tem 25, outra hora não tem nenhuma. É um modelo mais desafiador para estabelecer metas de ESG”, diz.

Colombari também diz não haver um tema socioambiental prioritário para a construção civil, como geralmente acontece em outros segmentos econômicos. No entanto, ele destaca alguns pontos de atenção, como segurança do trabalho, impactos ambientais no pré e no pós-construção e o uso de cimento e aço —abundantes na construção civil e com produção intensiva em emissões de carbono.

Outro tema ESG que Colombari entende ser importante é a acessibilidade à moradia. Segundo ele, o déficit habitacional é algo que deveria ser trabalhado pelas empresas do setor, especialmente as que atuam no segmento econômico.

Segundo a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional brasileiro em 2019 era de 5,8 milhões de moradias. Com o aumento do desemprego, a perda de renda de parte da população e a alta dos custos de aluguel, esse número deve subir para 6,1 milhões em 2021.

Ajudar a resolver o problema é um dos objetivos da Magik JC, incorporadora que trabalha com empreendimentos do programa Casa Verde e Amarela (antigo Minha Casa, Minha Vida).

Desde 2016, a Magik é certificada como uma Empresa B —companhias cujo modelo de negócio contribui com o desenvolvimento social e ambiental.

"Eu comecei a ver que nosso papel como incorporador vai muito além da boa construção, fazer prédios e gerar emprego. A ferramenta é muito potente, a gente incentiva a criação de novas comunidades", afirma André Czitrom, diretor-executivo da Magik JC.

Após estudar investimentos de impacto nos Estados Unidos e fazer uma pós-graduação em história da arte, Czitrom decidiu que o foco da companhia seria fazer projetos do Minha Casa Minha Vida com boa arquitetura e na região central de São Paulo —em vez de localidades mais afastadas, como era tradicional.

Segundo ele, o mercado imobiliário pode ser peça fundamental para resolver o problema do déficit habitacional, já que não adianta deixar tudo nas costas do poder público.

"O caminho para resolver o déficit está em soluções que nascem na iniciativa privada, que tem tempo e criatividade para isso, mas em conjunto com o poder público”, diz.

Para contribuir com o tema, a incorporadora está estudando formas de facilitar a aquisição de imóveis por pessoas que têm condições financeiras, mas não conseguem comprar por entraves burocráticos e dificuldades de financiamento.

Outro objetivo da empresa é atender a quem não tem dinheiro para comprar um imóvel. Para esse projeto de locação acessível, a Magik está indo atrás de modelos de financiamento alternativo e de capital de impacto.

"[A ideia] é construir prédios com a característica dos que a gente já faz, mas que [as pessoas] possam alugar por R$ 800."

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