Governo de São Paulo tenta trazer modelo de desenvolvimento da Disney para destinos turísticos

Olímpia já se tornou distrito turístico e região dos parques Hopi Hari e Wet'n Wild será a próxima a ganhar o título

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Dois parques vistos do alto, um aquático e um de diversões

Os parques Wet'n Wild e Hopi Hari, que ficam na divisão de Itupeva e Vinhedo, duas das cidades que vão compor o distrito turístico Serra Azul Eduardo Anizelli/Folhapress

São Paulo

No início de setembro, o governador João Doria foi até Olímpia (a 437 km de São Paulo) para inaugurar um resort com mil quartos e oficializar a cidade como o primeiro distrito turístico do estado.

Em 30 de novembro, São Paulo deve ganhar outra região com essa categoria. Será o distrito de Serra Azul, uma área de 41 quilômetros quadrados nas cidades de Itupeva, Vinhedo, Jundiaí e Louveira, a cerca de 75 km da capital.

O objetivo do distrito turístico é atrair investimentos que consolidem o potencial de lazer da região. Para ser considerado distrito, segundo o decreto aprovado pela Assembleia Legislativa paulista em junho, é preciso ter interesse cultural, histórico, ambiental e econômico, orla marítima ou a presença de complexos de lazer e parques temáticos.

O distrito tem um comitê gestor, que elabora um plano diretor para o turismo da região. Qualquer obra ou modificação feita ali precisa de aprovação do conselho e deve seguir as diretrizes do plano, e a meta é que só sejam desenvolvidos atrativos que tenham relação com a atividade turística. Restaurantes são bem-vindos, fábricas, não.

O comitê é formado por representantes dos municípios que compõem o distrito, do governo estadual e também da iniciativa privada.

Para ajudar na atração de investimentos, a lei prevê que sejam dados benefícios fiscais e de acesso a crédito.

“O distrito é uma concentração de empresas que têm capacidade de atrair grande volume de turistas para uma cidade ou região, e para isso precisa ter um plano de captação de investimentos, que reflita a estratégia dos municípios”, afirma Vinicius Lummertz, secretário estadual de Turismo e Viagens.

O plano serve também para equilibrar a oferta de atrações, de forma a evitar uma concorrência predatória, que diminua a rentabilidade ou inviabilize os empreendimentos.

Segundo o empresário Alain Baldacci, presidente do parque aquático Wet’n Wild, a região já tem o embrião de um distrito, com atrações turísticas reunidas em um espaço próximo —além do seu parque, há o temático Hopi Hari, o resort Quality, o shopping SerrAzul e o Outlet Premium— às margens da rodovia dos Bandeirantes, que agora terão um planejamento integrado.

Estão previstas para a região, mas ainda sob análise, a implantação de um campo de golfe com residencial para idosos, shopping com área para prática de esportes de aventura, a ampliação de um centro hípico e do Outlet Premium, com 60 novas marcas, uma pista para automobilismo, um hotel temático do parque Wet’n Wild, com 330 apartamentos, e outro hotel com mais 600 quartos.

Dario Pacheco, prefeito de Vinhedo, fala também sobre a criação de uma represa para esportes náuticos, arenas de tênis e condomínios residenciais, enquanto Baldacci cita a ampliação de seu parque aquático e a possibilidade de implementação de estacionamentos, campings, aquário, torre de observação, parque temático de carros e área para shows.

Segundo Lummertz, empresários da região preveem um investimento de R$ 1,8 bilhão nos próximos dois anos, chegando a R$ 10 bilhões em cinco anos.

Também é prevista uma reforma nos acessos às atrações, partindo da rodovia dos Bandeirantes, e na iluminação e sinalização desses locais. “Precisa ter um visual bastante agradável, para que o turista se sinta fora do seu cotidiano”, diz Baldacci.

Para o empresário, o objetivo é criar uma “massa crítica” de turismo, que permita que os viajantes fiquem quatro ou cinco dias sem sair da região. “Pode até visitar Holambra, o Circuito das Frutas, ir para São Paulo ver um jogo, mas ficam hospedados no distrito”, afirma. Ele analisa que os efeitos da política devem ser sentidos em três ou quatro anos.

O modelo de distrito turístico escolhido pelo estado de São Paulo se assemelha ao desenvolvido em Orlando, por ser baseado em parques temáticos e estar em uma região que não é famosa por atrações naturais ou culturais.

“Orlando foi feita em um pântano, Las Vegas e Dubai, em um deserto; o distrito cria um novo destino turístico”, diz o presidente do Wet’n Wild.

O mesmo modelo já está em funcionamento em Olímpia, que ganhou fama por suas fontes de água termal. Apesar de ter um festival de folclore há quase 60 anos, a cidade desenvolveu seu turismo com a criação de parques aquáticos, e vive hoje um boom da oferta hoteleira, com a inauguração de resorts de multipropriedade, no qual várias pessoas compartilham a posse de um quarto.

Foi um empreendimento desse tipo, o Solar das Águas Park Resort, que Doria inaugurou em setembro.

“É um município que tem crescido muito com propriedade compartilhada e precisa de organização, senão vai ter mais apartamento do que atração turística”, diz Lummertz.

Fernando Cunha, prefeito de Olímpia, afirma que mais três resorts do tipo já receberam licença e estão aguardando o desenrolar da pandemia para iniciar as obras.

Parque aquático visto de cima, com muitas árvores; há dois conjuntos de prédios no horizonte
Parque aquático Thermas dos Laranjais, em Olímpia (SP), com hotéis no horizonte - Ricardo Benichio21.dez.2019/Folhapress

Ele conta que a cidade desenvolveu outros atrativos turísticos, como o Parque dos Dinossauros, inaugurado em 2019, e um museu de arte sacra. Estão previstos um outlet, um centro de convenções e um museu de cera com bar de gelo. Há conversas sobre um aquário, o que Cunha afirma que deve ser definido até o final do ano.

Ele espera que o distrito ajude a cidade a ter interlocução mais direta com o governo estadual. A cidade é uma das 70 estâncias turísticas do estado, o que garante um investimento anual do governo, mas Cunha reclama que a atenção fica pulverizada entre os municípios.

“O estado pode ter política linear para todas as estâncias, mas alguns lugares requerem atenção diferenciada, e Olímpia é um deles”, defende.

A cidade, de 55 mil habitantes, registrou 4 milhões de diárias de turistas em 2019, e a expectativa é chegar a 6 milhões até 2023 —a movimentação de visitantes hoje já é semelhante ao período pré-Covid, segundo o prefeito.

Mariana Aldrigui, professora da USP e presidente do conselho de turismo da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do estado de São Paulo), analisa que a criação dos distritos é positiva, porque traz para o estado a iniciativa de atrair investimentos. Porém, alerta para o fato da política ser voltada para regiões já desenvolvidas, que recebem recursos privados e atenção pública.

“Podemos, na verdade, só formalizar condições que já estavam dadas, enquanto o legal seria criar o efeito Orlando de fato. Orlando era um pântano, desabitado e sem perspectiva, e alguém falou ‘peraí, vamos transformar’”, afirma.

Um local que poderia quebrar essa dinâmica é o Vale do Ribeira, no sul do estado. Segundo Lummertz, está em análise a criação de um distrito na região da reserva Legado das Águas, que pertence à Votorantim, em Tapiraí (a 134 quilômetros de São Paulo).

“É absolutamente fundamental que tenha algo nessa linha no Vale do Ribeira. É uma das únicas áreas de preservação de mata atlântica que temos, mas com desenvolvimento abaixo do restante do estado”, diz Aldrigui.

Quando o projeto dos distritos turísticos estava tramitando na Assembleia Legislativa, a bancada do PT demonstrou preocupação com as consequências ambientais da medida.

Cunha diz que a implementação do distrito não trouxe risco ambiental para a cidade. “Aqui em Olímpia, a sustentabilidade é vital, o aquífero Guarani tem que ser preservado, temos que intensificar a recuperação das nascentes, e trazer a iniciativa privada para debater sua participação nisso nos ajuda”, afirma o prefeito.

Aldrigui não vê ameaças imediatas no texto aprovado, mas reforça que grandes investimentos imobiliários, mesmo que para o turismo, têm impacto ambiental. “Precisa de muita atenção da sociedade civil nos projetos”. Segundo ela, empreendimentos de turismo precisam levar em conta o ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) ao quadrado.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.