Guedes defende drible no teto, diz que fica no governo e estanca piora do mercado

Ministro defende equilíbrio entre interesses de alas política e econômica e diz que Auxílio Brasil não abala regras fiscais

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Brasília

O ministro Paulo Guedes defendeu nesta sexta-feira (22) o plano para turbinar o Bolsa Família, com drible em regras fiscais. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse ainda ter "confiança absoluta" no titular da Economia.

As declarações refletiram imediatamente no mercado. Enquanto falavam em Brasília, a Bolsa inverteu a curva de queda e o dólar passou a cair. O mercado reagiu à permanência de Guedes no governo.

Após a crise aberta em torno dos gastos com o Auxílio Brasil —substituto do Bolsa Família—, Guedes indicou que o governo vai pisar no freio na austeridade fiscal. Para ele, é preferível haver um ajuste menos intenso e um "abraço social um pouco mais longo".

O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante coletiva de imprensa na tarde de hoje, na sede do ministério - Pedro Ladeira - 22.out.2021/Folhapress

No dia seguinte à debandada de secretários do Ministério da Economia insatisfeitos com manobras fiscais, Guedes disse que não pediu demissão e ressaltou que o presidente também não insinuou nenhum movimento nesse sentido.

"Eu estou errado de não pedir demissão porque vão gastar R$ 100 a mais [no benefício do Auxílio Brasil], R$ 30 bilhões? As despesas do governo são de R$ 1,5 trilhão. Eu devo pedir demissão porque estamos gastando R$ 30 bilhões a mais?"

Guedes concedeu entrevista após receber o presidente em seu gabinete. A visita foi tratada como um gesto de aceno ao titular da Economia, que vinha passando por um processo de fritura no governo.

Ao lado de Guedes, Bolsonaro disse que o governo não fará "nenhuma aventura" com o Auxílio Brasil.

"Guedes é uma pessoa que conheci bem antes das eleições, nos entendemos muito bem. Tenho confiança absoluta nele e ele também entende as aflições que o governo passa", disse o presidente.

Conhecido por posicionamentos incisivos em defesa do arcabouço fiscal, Guedes adaptou o discurso para defender a manobra elaborada pelo governo para turbinar os gastos sociais.

"Nós preferimos um ajuste fiscal menos intenso e um abraço no social um pouco mais longo", disse.

Guedes disse entender seus subordinados "mais jovens" que pediram demissão, que não aceitaram ceder nas negociações, mas afirmou que é importante haver um equilíbrio entre os interesses das alas política e econômica.

"Os dois secretários que pediram para sair, é natural. Eles querem que fique nos R$ 300 [o valor do benefício do programa social], dentro do teto [regra que limita o aumento das despesas pública]. A ala política, olhando para os mais frágeis, pede mais. Deve haver uma linha de equilíbrio aí", afirmou.

Na entrevista, ele confirmou o nome de Esteves Colnago, que hoje é assessor especial da pasta, para assumir o comando da Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento. Ele ocupará a vaga de Bruno Funchal, que pediu exoneração.

A outra vaga foi aberta com a saída de Jefferson Bittencourt da Secretaria do Tesouro Nacional. Para o posto, foi escalado Paulo Valle. Mais dois adjuntos pediram exoneração nesta quinta-feira (21).

Para justificar a necessidade de fazer o gasto adicional de R$ 30 bilhões para turbinar o programa social e garantir R$ 400 às famílias atendidas, o ministro disse que os mais pobres foram atingidos pelo aumento nos preços da energia e dos alimentos.

"Temos que escolher, vamos tirar 10 em fiscal e 0 em social? Abaixa um pouco a média do fiscal e aumenta do social", disse. "Eu detesto furar teto, mas não estamos aqui só para tirar 10 no fiscal. Nós fomos um dos governos que menos gastaram, então temos de pensar no social também."

Guedes disse ainda que o benefício de R$ 400 anunciado por Bolsonaro nesta quinta a caminhoneiros deve ter um custo pouco acima de R$ 3 bilhões.

O ministro ressaltou que a turbulência criada nos últimos dias é fruto de um "colapso de comunicação" do governo, além "falta de boa vontade e tolerância" com a gestão Bolsonaro.

Segundo ele, o novo programa social não representará uma quebra do compromisso do governo com as regras fiscais. "Não altera os fundamentos fiscais da economia, não abala os fundamentos fiscais", disse.

Com as falas, a Bolsa de Valores brasileira fechou em queda de 1,34% nesta sexta, a 106.399 pontos. No início da tarde, o recuo havia chegado a 4,53%, diante de rumores de que Guedes poderia deixar o cargo.

O pronunciamento do ministro também ajudou o dólar a recuar 0,74%, a R$ 5,6250. Mais cedo, a moeda americana tinha alcançado a máxima de R$ 5,7550, alta de 1,55%.

O ministro argumentou que o governo controlou gastos ao longo do tempo e agora observa um forte aumento da arrecadação. Ele afirmou que essa combinação permite um aumento de despesas, mas ponderou que há limites.

"Eu agora parece que fui promovido a fura-teto. Estão dizendo que eu fui agora promovido para a ala política. Eu não acredito nisso. Eu luto pelo que acredito, mas tenho um presidente, quem teve os votos foi ele, e eu tenho de avaliar até o limite de onde é possível gastar sem abalar os fundamentos fiscais", disse.

Segundo o ministro, o reforço aos programas sociais já estava nos planos do governo e a decisão tomada agora não é eleitoreira nem populista.

Nesta semana, contrariando os interesses de Guedes, Bolsonaro exigiu que o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil, fosse turbinado para um valor de R$ 400 —o valor médio do Bolsa Família está hoje em R$ 190.

O ministro defendia um patamar mais baixo, de até R$ 300, e insistia que o reajuste fosse feito com despesas dentro do teto de gastos. No entanto, o titular da Economia foi vencido na disputa.

Para atender ao pedido do presidente e após pressão da ala política ligada ao centrão, a saída encontrada foi expandir despesas por meio de um contorno às regras fiscais, que são tratadas por Guedes como o pilar de sustentação da credibilidade do governo.

A proposta, que tramita no Congresso, muda a forma de correção do teto de gastos e limita as despesas com precatórios —dívidas reconhecidas pela Justiça. Somadas, as mudanças devem abrir um espaço de R$ 83 bilhões nas contas de 2022, ano eleitoral.

A manobra para aumentar os gastos sociais também deve permitir uma alta nas verbas de emendas parlamentares, repasses indicados por deputados e senadores para obras em bases eleitorais.

Diante do receio de que o Congresso possa aproveitar a brecha para aumentar o rombo nas contas do governo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta sexta estar comprometido com a solidez fiscal.

"Dados os fatos dos últimos dias, temos convicção de que precisamos da união de todos Poderes para solucionarmos mais este impasse. Inflação, câmbio e juros afetam diretamente a vida da população", escreveu no Twitter.

Sem citar diretamente a manobra no teto de gastos, o ministro da TCU (Tribunal de Contas da União) Bruno Dantas disse, também no Twitter, que mudar a Constituição "pode 'evitar que crime contra o orçamento se consume, mas não revoga a lei da gravidade".

Dantas atuou junto com Guedes e presidente do STF, Luiz Fux, antes da mudança proposta pelo governo nesta semana, para encontrar uma solução judicial para os precatórios, diante da dificuldade que a PEC tinha de passar no Congresso.

Diante das investidas do presidente contra o Judiciário, que aconteceram até o 7 de Setembro, não houve mais clima entre os Poderes para levar a iniciativa adiante.

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