A inflação aumentou em 2021, com várias medições oficiais de preços ao consumidor aumentando mais depressa do que nos últimos anos. Mas em um aspecto crucial os dados podem estar subestimando as coisas.

Muitos tipos de empresas que enfrentam rupturas na cadeia de suprimentos e falta de mão de obra não estão aumentando os seus preços (ou não só aumentando os preços, em alguns casos), mas adotam medidas de economia que podem dar a seus clientes uma experiência inferior.

Um quarto de hotel pode custar o mesmo valor que há um ano, mas o serviço de limpeza pode já não ser diário devido à escassez de camareiras. Alguns restaurantes estão oferecendo serviço limitado, com pequeno número de garçons. Potenciais compradores de carros estão sendo aconselhados a ser flexíveis sobre a cor e até o modelo, se não quiserem enfrentar longas filas para receber os veículos.

A percepção dos clientes sobre a limpeza dos restaurantes caiu 4,2% este ano, segundo a Black Box Intelligence, que rastreia resenhas online de 60 mil restaurantes. Houve queixas frequentes sobre a limpeza das mesas, pisos e banheiros. A satisfação com o serviço ao cliente também caiu, especialmente em relação a bebidas, com mais clientes se queixando de receber o pedido errado ou nenhuma bebida.
As pessoas que tentam comprar eletrodomésticos e outros produtos de varejo estão esperando mais. Segundo a J.D. Power, até nas lojas mais cotadas só 57% dos clientes conseguiram atendimento ao consumidor em cinco minutos neste ano, contra 68% em 2018.

Órgãos de estatísticas do governo dos EUA tentam levar em conta as mudanças na qualidade do produto quando calculam a inflação. Mas esse processo, conhecido como ajuste hedônico, se aplica mais comumente a objetos físicos. Por exemplo, é relativamente simples calcular o valor da qualidade da costura em uma camisa ou o valor de uma câmera de ré em um carro.

No entanto, há todo um mundo de alarmistas sobre custo de vida afirmando que esse processo subestima a inflação real.

Mudanças de qualidade que envolvem o serviço ao consumidor podem ser ambíguas e difíceis de medir. O Departamento de Estatísticas do Trabalho, que gera o Índice de Preços ao Consumidor, não inclui ajustes de qualidade a 237 dos 273 componentes que entram no índice, incluindo a vasta maioria dos serviços.

Alan Cole, que escreve a newsletter Full Stack Economics, notou esse tipo de problema durante uma longa viagem de carro pelo nordeste dos EUA neste verão —fast-food que demorava muito para chegar, suportes de condimentos mal abastecidos, máquinas de refrigerante sem produto.

A dinâmica ficou ainda mais clara quando ele se hospedou em um hotel que tinha uma grande área para o café da manhã que estava praticamente vazia, com algumas tristes mini caixas de cereais.

Durante anos, ele tinha afirmado que as medições oficiais da inflação na verdade exageravam a inflação, porque havia muitas melhoras pouco evidentes nos produtos que não eram capturadas pelos dados, como software que apresentava menos defeitos. Mas ele concluiu que agora parece estar acontecendo o inverso.

Quando há falta de mão de obra ou de suprimentos, algumas empresas se adaptam principalmente ou totalmente aumentando os preços. Outras acham maneiras menos óbvias e menos identificáveis de se adaptar.

Veja, por exemplo, a locação de carros em comparação com os hotéis. Ambos enfrentaram insuficiências. Mas elas apareceram de maneiras diferentes.

"A empresa de carros simplesmente teve de cobrar preços mais altos, enquanto a de hotéis aguenta o golpe reduzindo a qualidade do serviço", disse Alan Cole, ex-membro da Comissão Econômica Conjunta do Congresso por e-mail. "Nós as medimos de maneiras diferentes. O problema da companhia de carros é medido como inflação, enquanto o do hotel é visto como um problema eventual."

Não é raro as empresas enfrentarem a falta de suprimentos com mecanismos que não sejam a majoração de preços. Os comerciantes não querem atrair acusações de preços extorsivos quando os produtos estão com pouca oferta, especialmente em tempos de desastres naturais. Então eles acabam com as prateleiras vazias, uma forma disfarçada de racionamento. Na década de 1970, os preços da gasolina dispararam, mas não o suficiente para evitar longas filas e regras sobre quais carros podiam se abastecer em certos dias.

Esta crise econômica em particular teve consequências de longo alcance que tornaram ainda mais difícil interpretar os dados econômicos.

"Geralmente, quando há um desastre, se você for um macroeconomista é um ponto na tela do radar", disse Carol Corrado, pesquisadora convidada na The Conference Board que estuda medições de inflação. "Mas estamos diante de um assunto diferente com o choque da Covid, e as implicações e os custos econômicos se tornaram muito mais desafiadores de medir que no passado."
Seria difícil para órgãos de estatísticas do governo tentar medir esses custos ocultos e fatorá-los nas medições de inflação, dizem pessoas que estudam os dados de perto.

As preferências de serviço ao consumidor —especialmente quanto vale um bom serviço— variam muito entre pessoas e são difíceis de quantificar. Quanto a mais você pagaria por um hambúrguer de uma lanchonete que limpa os toaletes com maior frequência que outra?

"O que chega ao nível de um ajuste de qualidade se torna muito subjetivo", disse Alan Detmeister, economista sênior no UBS que antes acompanhou dados de inflação para o Federal Reserve. "Se o Departamento do Trabalho decidisse ajustar pela qualidade algumas dessas coisas, teria muita dificuldade para fazê-lo."

Em alguns casos, a melhora da qualidade para uma pessoa é deterioração para outra. O check-in online em um hotel é uma função desejável que economiza tempo, ou uma perda de contato pessoal que tem valor real? Pessoas razoáveis podem discordar.

Além disso, embora pareça haver certa inflação-sombra nas indústrias de serviços, o inverso foi considerado verdadeiro durante muitos anos.

Suponha que você acredita que a comida de restaurantes se tornou mais variada e deliciosa nas últimas décadas, pois os chefes se tornaram mais experientes e criativos. Nesse caso, talvez a inflação anual média de 2,7% nos preços de restaurantes de 2000 a 2019, relatado pelo Departamento do Trabalho, tenha sido alta demais.

É plausível acreditar que isso é verdade, e também que o aumento de 4,9% nesses preços nos 12 meses que terminaram em agosto foi lento demais, se levarmos totalmente em conta os efeitos da escassez de mão de obra.

Isso sugere que a inflação incomoda as pessoas e é um campo minado político para o governo Biden. Não são apenas os preços que você vê e os números inseridos nos modelos econômicos, ou as notícias e as metas de inflação do banco central.

É também que uma determinada quantidade de gastos compra experiências que são um pouco menos satisfatórias, e isso se soma a um acúmulo de frustrações que não aparecem necessariamente nos números.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves