Descrição de chapéu inflação

Vendas do comércio caem 3,1% em agosto; mercado projetava alta de 0,6%

Recuo, confirmado após forte revisão, é o maior para o mês na série do IBGE

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Rio de Janeiro

Em um cenário de inflação alta e dificuldades no mercado de trabalho, o volume de vendas do comércio varejista do país caiu 3,1% em agosto, na comparação com julho. O dado foi divulgado nesta quarta-feira (6) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A retração é a maior para agosto desde o começo da série histórica, em 2000. O desempenho ficou bem abaixo das expectativas do mercado. Analistas consultados pela agência Bloomberg esperavam elevação de 0,6% nas vendas.

A série do comércio tem sido marcada por fortes revisões nos últimos meses. Não foi diferente desta vez. Além de divulgar o dado de agosto, o IBGE atualizou resultados anteriores.

A alta de julho, por exemplo, ficou maior com a revisão, passando de 1,2% para 2,7%. Isso ajudou a elevar a base de comparação, causando uma espécie de “rebatimento” em agosto, apontou Cristiano Santos, gerente da pesquisa do IBGE.

Segundo o analista, a pandemia trouxe muita volatilidade para os números e, por isso, exige revisões constantes e de grande amplitude na série histórica.

“A pandemia retira uma estabilidade nos indicadores econômicos de uma maneira ou outra. É um fenômeno de amplitude tão grande que as estabilidades que existiam antes não voltaram pelo menos até agosto de 2021. É um movimento bastante diferente”, indicou.

Seis das oito atividades pesquisadas pelo IBGE tiveram taxas negativas em agosto, com destaque para outros artigos de uso pessoal e doméstico (-16%), a principal influência negativa no mês. Esse ramo é composto, por exemplo, pelas grandes lojas de departamento.

“Foi um setor que sofreu bastante no início da pandemia, mas que se reinventou com a reformulação das suas estratégias de vendas pela internet", afirmou Santos.

"Com muitos descontos, o consumidor antecipou o consumo em julho, fazendo com que o mês de agosto registrasse uma queda grande de 16%. Esse recuo, contudo, não é suficiente para retirar os ganhos dos quatro meses anteriores", ponderou.

Após os impactos iniciais da pandemia, o comércio aposta na reabertura de lojas e no menor nível de restrições a atividades para se recuperar.

A retomada, contudo, é ameaçada pela escalada da inflação e pelo desemprego elevado. Em conjunto, os dois fatores diminuem o poder de compra da população.

A inflação vem ganhando força com a pressão de itens como combustíveis e energia elétrica. No acumulado de 12 meses até agosto, dado mais recente à disposição, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) se aproximou de dois dígitos, com alta de 9,68%.

Já o desemprego ainda atingiu 14,1 milhões de brasileiros no trimestre encerrado em julho.

Devido à pressão inflacionária, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) passou a subir a taxa básica de juros, a Selic. Os juros maiores, em um contexto de desemprego acentuado e preços em alta, jogam contra o consumo das famílias.

Em agosto, além de outros artigos de uso pessoal e doméstico, as demais atividades que recuaram foram as seguintes: equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (-4,7%), combustíveis e lubrificantes (-2,4%), móveis e eletrodomésticos (-1,3%), livros, jornais, revistas e papelaria (-1%) e hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (-0,9%).

Segundo o IBGE, já é possível perceber impactos da inflação nas vendas de parte do varejo.

“Hiper e supermercados, assim como combustíveis e lubrificantes, vêm sendo impactados pela escalada da inflação nos últimos meses, o que diminui o ímpeto de consumo das famílias e empresas”, relatou Santos.

Em agosto, as duas únicas atividades que tiveram alta no volume foram tecidos, vestuário e calçados (1,1%) e artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos (0,2%).

Em relatório, a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) afirmou que a maior queda nas vendas do varejo para meses de agosto, desde 2000, "evidencia os impactos da inflação". Nesse contexto, a entidade reduziu a projeção para o crescimento do setor em 2021. A alta prevista passou de 4,9% para 4,6%.

“Há um processo de aumento da inflação e do juro no país. Os bens estão ficando mais caros, e a recuperação do mercado de trabalho tem sido muito lenta. É natural que haja uma desaceleração no varejo”, analisa Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.

Vale também chama atenção para os reflexos no comércio da retomada do setor de serviços. Durante a pandemia, parte do setor de serviços ficou fechada, e isso fez com que uma parcela maior do orçamento das famílias fosse endereçada apenas a produtos do varejo. Agora, a tendência é de uma divisão entre os recursos.

“Com o mercado de trabalho fragilizado, as pessoas têm de fazer escolhas. A tendência é de que elas olhem mais para serviços, depois de tanto tempo sem consumo nesse setor. As pessoas estão voltando a consumir mais em bares, restaurantes e viagens”, diz Vale.

Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos, avalia que parte do comércio ainda encontra dificuldades para obtenção de alguns bens, devido à desarticulação das cadeias produtivas na pandemia. Além disso, a inflação elevada também afeta o setor, diz.

“A energia ficou mais cara, o combustível ficou mais caro. Sobra menos dinheiro para o consumo das famílias. A inflação tem esse fator limitante.”

“Na área política, há projetos que não andam. Não se sabe se vai ter extensão do auxílio emergencial, se o Bolsa Família vai ser ampliado”, completa.

Mesmo com a queda frente a julho, as vendas do comércio continuam acima do patamar pré-pandemia. Estão 2,2% acima do nível de fevereiro de 2020.

O IBGE informou que, ante agosto do ano passado, o varejo teve baixa de 4,1%. Foi a primeira queda nesse tipo de comparação desde o último mês de fevereiro.

O setor também registrou avanço de 5,1% no acumulado do ano, de janeiro a agosto. Em período maior, de 12 meses, houve crescimento de 5%.

No comércio varejista ampliado, que inclui veículos e materiais de construção, o volume de vendas caiu 2,5% em agosto, na comparação com julho. A atividade de veículos, motos, partes e peças teve variação positiva de 0,7%, enquanto o ramo de materiais de construção caiu 1,3%.

Antes de apresentar o resultado do comércio, o IBGE divulgou, na terça-feira (5), o desempenho da produção industrial, que também ficou no vermelho em agosto. Conforme o instituto, a produção das fábricas caiu 0,7% no oitavo mês deste ano. O dado do setor de serviços, por sua vez, será conhecido na próxima semana.​

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