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Vinil está vendendo tão bem que está ficando difícil vender vinil

Gargalos na produção e dependência de máquinas antigas causam atrasos sem precedentes

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Ben Sisario
Nova York | The New York Times

No escritório da Joyful Noise Recordings, um selo especializado em Indianapolis que atende a amantes de gravações em vinil de rock underground, há um canto que os empregados chamam de "caverna do torno".

Ali fica um torno de gravação Presto 6N, uma máquina "vintage" dos anos 1940 do tamanho de um micro-ondas, que faz discos cortando um sulco em uma placa de vinil. Diferentemente da maioria dos discos comuns, que são impressos às centenas de milhares, cada disco gravado no torno deve ser criado individualmente.

"É incrivelmente trabalhoso", disse Karl Hofstetter, fundador do selo. "Se uma canção tiver três minutos, leva três minutos para gravar cada um."

Essa tecnologia antiga —o torno arranhado e ruidoso parece tirado de um submarino da Segunda Guerra Mundial— é uma parte principal da estratégia da Joyful Noise para sobreviver ao próprio surto de popularidade do vinil que o selo ajudou a alimentar.

Moose Adamson na Joyful Noise, em Indianapolis (EUA) - AJ Mast/The New York Times

Dados por mortos com o advento dos CDs nos anos 1980, os discos em vinil são hoje o formato físico mais popular e de maiores receitas na indústria musical. Os fãs os preferem como artigos de coleção, pela qualidade sonora ou simplesmente a experiência tátil da música, em uma era de efemeridade digital. Depois de crescerem constantemente durante mais de uma década, as vendas de LPs explodiram durante a pandemia de Covid-19.

Nos primeiros seis meses deste ano, 17 milhões de discos de vinil foram vendidos nos Estados Unidos, gerando US$ 467 milhões (cerca de R$ 2,5 bilhões) em receitas no varejo, quase o dobro da quantia no mesmo período em 2020, segundo a Associação da Indústria de Gravadoras dos EUA.

Dezesseis milhões de CDs também foram vendidos no primeiro semestre de 2021, no valor de US$ 205 milhões (R$ 1,1 bilhão). Os discos físicos são hoje apenas uma fração dos negócios totais de música —o streaming gera 84% da receita doméstica--, mas podem ser um forte indício da lealdade dos fãs, e astros como Taylor Swift e Olivia Rodrigo fazem do vinil uma parte importante de seu marketing.

Mas há sinais preocupantes de que a bonança do vinil superou a capacidade industrial necessária para sustentá-lo. Os gargalos na produção e a dependência de máquinas de impressão emperradas, com décadas de serviço, causaram o que os executivos consideram atrasos sem precedentes. Alguns anos atrás, um disco novo poderia ser posto no mercado em poucos meses; agora pode levar até um ano, provocando o caos nos planos dos artistas.

Kevin Morby, um cantor-compositor de Kansas City, disse que seu último LP, "A Night at the Little Los Angeles", mal chegou a tempo para ser vendido durante sua turnê no outono. E ele é um dos poucos sortudos. Artistas que vão de Beach Boys a Tyler, the Creator, tiveram seus vinis atrasados há pouco tempo.

Outros estão simplesmente frustrados. Thrill Jockey, um selo de Chicago para conhecedores de indie-rock, quer comemorar seu 30º aniversário no próximo ano com uma série de reedições, mas sua fundadora, Bettina Richards, disse que não tem ideia de que títulos poderão ser gravados a tempo. John Brien, da Important Records, que lança trabalhos de compositores contemporâneos, declarou recentemente que "o vinil está morto", mas esclareceu em entrevista que o formato é essencial demais para ser abandonado.

Nem mesmo os grandes astros estão imunes. Em uma entrevista neste mês para a BBC Radio, Adele, cujo álbum "30" deve sair em 19 de novembro —e certamente será um campeão de vendas em LP— disse que a data do lançamento foi marcada seis meses atrás para conseguir que o vinil e o CD ficassem prontos a tempo.

Jovens em loja de disco de vinil em Buenos Aires
Jovens em loja de disco de vinil em Buenos Aires - Martín Zabala - 4.jun.2021/Xinhua

"Foi tipo uma antecipação de 25 semanas!", disse ela. "Muitas fábricas de CD e de vinil fecharam mesmo antes da Covid, porque ninguém mais os imprimia."

Especialistas em música e em manufatura citam diversos fatores por trás dos atrasos. A pandemia fechou muitas fábricas durante algum tempo, e problemas na cadeia de suprimentos global desaceleraram a produção de tudo, de papelão a policloreto de vinila —ou PVC, o "vinil" de que são feitos os discos (e encanamento para água)— a álbuns acabados. No início de 2020, um incêndio destruiu uma das duas únicas fábricas do mundo que fazem discos de resina, uma parte essencial no processo de gravação de discos.

Mas o maior problema talvez seja simplesmente a oferta e demanda. O consumo de LPs de vinil cresceu muito mais depressa que a capacidade da indústria de fabricar discos. O negócio depende de uma infraestrutura envelhecida de máquinas de impressão, a maioria das quais data dos anos 1970 ou antes e são de manutenção cara. Novas máquinas surgiram só nos últimos anos e podem custar até US$ 300 mil cada. E também há um gargalo nas encomendas destas.

Surgem problemas exóticos que jamais interfeririam com um lançamento no YouTube ou na SoundCloud. "Tivemos uma infestação de gambás que nos atrasou uma semana", disse Caren Kelleher, da Gold Rush Vinyl, uma fábrica-butique em Austin, no Texas.

Os limites dessa infraestrutura estão sendo testados enquanto artistas importantes —e as superlojas como Walmart e Amazon— cada vez mais oferecem vinil. Não é difícil ver por quê: em um momento em que as vendas de CDs estão desaparecendo e o streaming deixou os artistas reclamando de pagamentos minúsculos, um novo LP, especialmente se apresentado em cores chamativas ou em desenhos variados para atrair colecionadores, pode ser vendido por US$ 25 ou mais.

Na opinião de algumas pessoas, os lançamentos dos principais artistas pop estão emperrando a cadeia de produção, o tempo todo expulsando os artistas menores e selos que continuaram fiéis ao formato.
"O que mais me preocupa é que os selos principais vão ocupar toda a capacidade, o que não acho uma boa ideia", disse Rick Hashimoto, da Record Technology Inc., fábrica de médio porte em Camarillo, na Califórnia, que trabalha com muitos selos independentes.

Outros dizem que os grandes selos são apenas um alvo conveniente. O verdadeiro problema, segundo eles, não é que as celebridades embarcaram no vinil, mas que a rede industrial simplesmente não se expandiu com rapidez suficiente para suprir a demanda crescente.

"Estou irritado porque Olivia Rodrigo vendeu 76 mil cópias de seu disco?", disse Ben Blackwell, da Third Man, gravadora e império do vinil que conta com Jack White, dos White Stripes, como um de seus fundadores. "De jeito nenhum! Esse era o meu sonho quando começamos a Third Man, que os maiores artistas da linha de frente estejam promovendo o vinil e a garotada está aprovando. "Se alguém está bravo porque isso impede algum outro título de ser gravado", disse Blackwell, "parece um pouco elitista e protecionista."

Mas há preocupações de que o renascimento possa correr riscos se novos atrasos frustrarem os consumidores e artistas, ou se o vinil vier a ser tratado como mais um artigo de merchandising, como camisetas ou chaveiros, dos quais os fãs volúveis logo esquecerão.

Para os artistas, especialmente aqueles sem o apoio de grandes gravadoras, ficar no vinil se tornou uma questão de se vale a pena tanta dificuldade.

"Neste momento, o vinil parece legitimador", disse Cassandra Jenkins, cantora-compositora de Nova York cujo último disco, "An Overview on Phenomenal Nature", foi um sucesso surpreendente —começou com uma impressão de 300 cópias e acabou chegando a 7.000. "É um investimento para um artista", disse ela. "Eu quero ter esses objetos que posso vender, então vou investir neles."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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