Chefe de grupo da OCDE diz que aumento da corrupção no Brasil contribui para piora na economia

Drago Kos, da divisão antissuborno, mostrou-se cético em relação à acessão no curto prazo e chamou o país de 'mau aluno'

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São Paulo

O aumento de corrupção no Brasil contribui para a piora na economia do país, disse nesta quinta-feira (4) o esloveno Drago Kos, chefe do grupo antissuborno da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o chamado clube das nações ricas.

Em evento promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso e pela Transparência Internacional, o xerife anti-corrupção da OCDE também se mostrou cético em relação à entrada do Brasil na entidade no curto prazo, comparando o país a um "mau aluno".

"Os critérios dos estados membros [para aceitar novos membros na OCDE] se tornaram mais rígidos recentemente, nós realmente não queremos ter maus alunos na classe. Já temos um número suficiente de maus alunos, não precisamos de mais um", disse Kos, indagado sobre a possibilidade de o Brasil iniciar seu processo de entrada na OCDE no ano que vem.

O esloveno Drago Kos, chefe do grupo anti-suborno da OCDE, participa de evento em Ljubljana, em 2019.
O esloveno Drago Kos, chefe do grupo antissuborno da OCDE, participa de evento em Ljubljana, em 2019. - Yerpo / wikimedia

A acessão à OCDE é uma das prioridades do governo Bolsonaro, porque funcionaria como uma espécie de selo de qualidade para investidores, já que os países que ingressam na entidade precisam cumprir uma série de exigências e padrões de qualidade em políticas públicas.

O Brasil iniciou o processo de adesão em 2017, e obteve apoio do ex-presidente americano Donald Trump. Mas a União Europeia insiste para que candidatos do leste europeu, como Romênia, Bulgária e Croácia, tenham prioridade e sejam admitidos antes que Brasil, Argentina e Peru.

Além disso, a política ambiental do governo Bolsonaro e a percepção da OCDE sobre o enfraquecimento do combate à corrupção no país tornaram-se obstáculos para a acessão, que também enfrenta grande resistência dos legisladores democratas nos EUA.

No início do ano, a OCDE, pela primeira vez, criou um grupo de trabalho especialmente dedicado ao monitoramento da corrupção no Brasil. A entidade citou preocupação com o fim "surpreendente" da Lava Jato, o uso da lei contra abuso de autoridade e as dificuldades no compartilhamento de informações de órgãos financeiros para investigações, segundo revelou a BBC Brasil.

As apreensões só aumentaram, diz Drago Kos. "Estou preocupado com o Brasil", disse o esloveno.

"O Brasil era um caso típico de um país altamente corrupto, que explodiu, no sentido positivo, provando, com a Lava Jato, que estaria disposto a lidar até com os casos mais difíceis de corrupção."

Segundo ele, esse "entusiasmo na luta contra corrupção" parece estar desaparecendo, levando-se em conta acontecimentos recentes. Ele citou especificamente a proposta de mudanças no Conselho Nacional do Ministério Público, que poderia enfraquecer o poder do órgão.

"A quantidade de problemas no Brasil está aumentando: os últimos foram as mudanças propostas para o conselho superior do Ministério Público, além de acusações de corrupção envolvendo políticos importantes no país."

"Se você me perguntasse há três ou quatro anos sobre o combate à corrupção no Brasil, eu teria uma resposta muito simples: o Brasil é um dos melhores, provou que pode ir do zero na luta contra corrupção para 100% e isso podia ser dito sobre todas as instituições do país. Agora, há apenas alguns indivíduos e uma ou duas instituições engajadas no combate à corrupção."

O chefe do grupo da OCDE advertiu que o aumento da corrupção tem efeitos devastadores na economia, e isso também vai acontecer no Brasil. "Talvez não seja tão visível, porque vocês também estão lidando com consequências da pandemia, mas o aumento da corrupção no Brasil tem um papel na piora da situação econômica brasileira".

O Brasil enfrenta inflação acumulada superior a 10% e as projeções de crescimento para 2022 já estão abaixo de 1%.

Indagado sobre a possibilidade de o Brasil iniciar o acesso à OCDE no ano que vem, ele disse ser impossível, por causa dos procedimentos necessários para o processo. "Teremos que esperar mais alguns anos para a entrada do Brasil", disse.

"Eu já vi países com menos problemas, e problemas menos importantes, que foram barrados. Mas já vi países com problemas maiores que o Brasil que receberem sinal verde. Depende dos estados-membros", disse Kos.

"Mas os critérios dos estados membros se tornaram mais rígidos recentemente, nós realmente não queremos ter maus alunos na classe. Já temos um número suficiente de maus alunos, não precisamos de mais um."

Indagado pelo moderador, o diretor-geral da Fundação FHC, Sérgio Fausto, se os abusos da Lava Jato, como o uso indiscriminado de delação premiada, foram uma das causas do retrocesso no combate à corrupção, Kos afirmou: "Isso sempre acontece, quando há uma instituição muito eficiente no combate à corrupção, o império, ou seja, os corruptos, contra-atacam. Na Romênia aconteceu algo muito semelhante", disse.

Ele disse esperar que policiais, juízes e promotores que combatem a corrupção respeitem a lei 100% do tempo. Mas afirmou que, por enquanto, ouviu apenas rumores, e vai esperar que as investigações sejam concluídas.

"Vi comunicações entre juízes e promotores, que podem ser entendidas como não muito éticas, mas, mesmo assim, não acho que isso seja um argumento forte o suficiente para dizer que todo o processo [da Lava Jato] era corrupto e juízes e promotores estavam violando a lei e abusando de seu poder. Acho que precisamos esperar por elementos mais concretos."

Chile, México e Colômbia são os únicos países da América Latina que conseguiram entrar na OCDE.

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