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Experiência e contatos são trunfos de empreendedores de segunda viagem

Investidores valorizam quem já se engajou em uma ou mais startups, mesmo com fracassos

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São Paulo

"Acho, sinceramente, que essa ideia não vai dar em nada", ouviu Paulo Monteiro em 2015 ao final de uma reunião com um investidor em São Paulo, para onde havia viajado de madrugada do Rio de Janeiro, onde mora. "Como assim, não vai dar em nada?", reagiu.

Seis anos após o episódio, ele entende. "Cometi esse erro de ficar muito envolvido com a ideia."

Essa não é uma história sobre a ideia em que ninguém apostou, e que, anos depois, revelou-se brilhante. "Em parte, ele tinha razão. Eu fiquei revoltado, voltei para casa, refleti, sentei com o meu sócio e mudamos para caramba o projeto inicial", explica.

Na época, ele era recém-formado e começava a sua primeira startup: a Responde Aí. Ainda ativa, a empresa é uma plataforma para ajudar estudantes de ciências exatas e que atualmente conta com 140 mil assinantes —20 milhões já passaram por ali. Desde 2020, ela está no guarda-chuva da Driven, o segundo empreendimento de Monteiro, mais ousado: uma escola a distância de tecnologia.

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Paulo Monteiro, cofundador das Edtechs Responde Aí e Driven - Divulgação

À medida que o ecossistema de inovação amadurece no Brasil, empreendedores de segunda viagem tornam-se mais comuns, característica que é um trunfo na hora de buscar capital, segundo investidores.

Dos primeiros dez aportes do fundo de venture capital argentino NXTP, em 2011, apenas um era em uma startup cujo dono tinha experiência prévia, diz Gonzalo Costa, fundador da investidora. "Nos nossos 10 últimos investimentos, 6 ou 7 estão empreendendo pela segunda vez", conta, ressaltando que esse não é um fator determinante, mas um diferencial.

E não se trata apenas daqueles que foram exitosos na primeira tentativa. "Pessoalmente, eu valorizo muito a experiência anterior, tenha ela sido um sucesso ou um fracasso."

São duas as principais características desses empreendedores: saber gerir e contratar a equipe e levantar capital com muito mais agilidade. São pontos importantes para Costa e seus colegas de profissão da América Latina, que costumam colocar dinheiro em companhias em fase inicial —que são, em muitos casos, apenas uma ideia.

"O maior componente do nosso investimento é a equipe. Quando são pessoas que não conhecemos, passamos muito tempo analisando e tentando entender quem são. Quando já as conhecemos, grande parte desse processo se simplifica", conta.

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Gonzalo Costa, sócio-fundador da NXTP, diz valorizar a experiência anterior, 'tenha ela sido um sucesso ou um fracasso' - Divulgação

O segundo empreendimento de Monteiro é um exemplo: em sete anos, a Responde Aí chegou a 25 pessoas na equipe e captou R$ 2 milhões. A Driven, em apenas um ano, captou R$ 16 milhões e tem 80 funcionários.

"A tomada de risco é muito maior, há mais investimento e você já conhece melhor o que faz bem e o que não faz", diz o empreendedor. Monteiro é uma pessoa pouco afeita à parte comercial, por exemplo, e prefere lidar com pessoas. Mas sem alguém para cuidar dos números, a startup não prospera, e ele sabe disso. "Preciso de sócios para me complementarem. Sou muito mais honesto comigo mesmo em relação ao tipo de pessoa com quem preciso casar para dar certo", afirma.

Erros como o que cometeu em 2015 são mais raros. Na época da reunião, a Responde Aí era uma startup de educação para estudantes de exatas recém-criada. Eles ainda tentavam achar um modelo de negócio e mudaram de ideia várias vezes. "Numa delas eu falei: 'já está bom, vou apresentar ao investidor'", conta.​

A ideia em questão era fazer da Responde Aí uma plataforma para tirar dúvidas pontuais de estudantes de exatas. O modelo já funcionava em caráter experimental. Os universitários colocavam a dúvida no ar, que caía num email para ser respondida por professores, em um processo ainda artesanal.

Ele aprendeu algumas coisas com a experiência: "não leve uma ideia desestruturada para um investidor. Não se apague a ela, esteja aberto a ouvir feedback. E não marque uma reunião logo depois, porque se você tomar uma porrada, tem pelo menos um tempo para respirar", diz, entre risos.

Por fim, a plataforma tornou-se algo semelhante ao que seu crítico sugeriu: um espaço que substituiria tudo o que o universitário usa para estudar —normalmente uma mistura de livros de exercícios, xerox do colega da sala e vídeos no YouTube.

Com a Driven, logo no começo o risco ganhou outra escala. Em 2014, colocar R$ 5 mil em um estúdio para dar aula, por exemplo, era um passo enorme. "Hoje eu invisto 50 mil em uma aula com mais tranquilidade, porque já sei que o aluno vai gostar e quanto a gente vai conseguir cobrar", afirma. Conhecendo o seu setor, ele encontra mais pessoas dispostas a lhe dar dinheiro.

Nesse quesito, a rede de contatos é fundamental. E a proximidade com investidores também mudou para melhor, segundo Monteiro. "Eu colocava o investidor em um pedestal", afirma. "Quando algo começava a dar errado, ficava com medo de contar. Mas nas vezes em que eu cheguei e falei, a reação foi: 'Paulo, vamos nessa'. É normal ter percalços no meio do caminho. Hoje, para nós, é uma relação de troca."

Ter o contato, porém, não é tudo. Ao menos para Renato Valente, sócio da investidora de risco Iporanga, para quem levantar capital "é uma arte".

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'São as grandes empresas que pagam todas as outras', diz Renato Valente, sócio da Iporanga - Daniel Teixeira/Divulgação

"Tem que ser um ótimo contador de história, principalmente nas primeiras rodadas. Há empreendedores que têm a capacidade de contar uma história bem-feita e você, como investidor, compra totalmente o que ele está falando", afirma. Claro que, com experiência, essa habilidade se desenvolve.

Valente reconhece, no entanto, que a rede de contatos é grande parte do caminho. "O empreendedor de primeira viagem não me conhece, e provavelmente eu não conheço ele. Para chegar bem para mim ou para outros investidores, ele tem que ter uma ótima introdução de alguém ou conhecer alguém que me conhece. Chegar para o mar aberto, escrever pelo site ou mandar um email é mais difícil", afirma.

Os principais erros dos empreendedores de primeira viagem

  1. Afobação

    "O maior erro que eu cometia e que os empreendedores no começo cometem é ficar muito preocupado com problemas que vão acontecer lá na frente", afirma Paulo Monteiro, cofundador da Driven. A quantidade de problemas é infinita. Por isso, antes de pensar em como será a operação quando a empresa for um unicórnio, pense em como gerir um negócio 10% maior.

  2. Falta de escuta

    "Muita gente vai dar pitaco", alerta Monteiro. É importante, ao final do dia, descartar aqueles que não fizerem sentido, mas não fechar os ouvidos para novas ideias. "Tem que ter uma cabeça radicalmente aberta para ouvir. Os piores empreendedores que eu vejo são os que ouvem pouco."

  3. Colocar o investidor em um pedestal

    Uma relação de mais igualdade com o investidor é mais frutífera, segundo Monteiro. "Agora, no meu segundo empreendimento eu já tenho muito mais essa cabeça. Uma relação de mais companheirismo, troca, de falar o que está dando errado."

  4. Equipe sem experiência

    "Em uma empresa de rápido crescimento, é preciso ter uma combinação de pessoas novas que vão aprender e ter energia e pessoas que já fizeram aquilo", diz Monteiro. Tentar descobrir como fazer tudo no meio do caminho é uma receita para o desastre

  5. Falta de foco

    "Muitas vezes menos é mais", diz Gonzalo Costa, fundador da NXTP. Nas etapas iniciais, o desafio é eleger as prioridades, desafios e objetivos e atacá-los. "Um erro muito comum é fazer tudo ao mesmo tempo e tudo muito rápido."

A seletividade é alta porque, como investidor, seu grande desafio é saber quais são as empresas que ficarão muito grandes. "É binário. Ou vira unicórnio ou quebra. Esse é o mundo", afirma. "E a gente tem que tomar esse risco porque são as grandes empresas que pagam todas as outras."

Ele tenta identificar os empreendedores que querem ir longe. "Empresas de sucesso são muito assediadas. A gente identifica quem são os empreendedores que estão fazendo o projeto da vida e que vão resistir às tentações de vender a empresa cedo e fazer o grande negócio. O empreendedor de segunda viagem pode ser menos suscetível a vender a empresa antes do tempo", diz.

E há pontos negativos em fundadores que estão no seu segundo empreendimento? "Talvez quando teve muito sucesso. Às vezes pode ser mais fácil desistir porque ele já fez o pé de meia dele", afirma.

Para isso, conta, ele sempre se pergunta se o empreendedor já está em sua zona de conforto. "O melhor cenário é o de um empreendedor que teve sucesso na empresa, mas não muito. Ele vem com fome de fazer algo muito maior. Esse é super interessante."

Apesar do sucesso nas captações da sua segunda empresa, Paulo Monteiro tem novos obstáculos. "Hoje temos desafios novos para uma empresa que está em rápido crescimento. Como manter a cultura da empresa forte com o crescimento tão acelerado?", questiona. "Como crescer rápido sem comprometer a qualidade da sua marca?" Por enquanto, diz, vem tentando não dar passos maiores que a própria perna.

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