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Governo corta taxas de importação em 10% e Guedes defende choque de oferta para conter inflação

Sobre revisão do Caged, que reduziu pela metade geração de emprego formal, ministro disse que, ainda assim, cenário é de criação de vagas

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Brasília e Rio de Janeiro

O governo decidiu se antecipar a um eventual consenso entre os membros do Mercosul (Mercado Comum do Sul) e publicou nesta sexta-feira (5) uma medida que reduz em 10% as tarifas de importação de quase 90% dos produtos e serviços usados pelo país. Para o ministro Paulo Guedes (Economia), facilitar a entrada de bens estrangeiros ajudará a moderar a inflação.

"O momento atual, em que temos uma pressão inflacionária forte na economia brasileira e gostaríamos de dar um choque de oferta [ao] facilitar a entrada de importações para dar moderação nos reajustes de preços, é ideal para fazer uma abertura, ainda que tímida, da economia", afirmou Guedes em evento da CNC (Confederação Nacional do Comércio) nesta sexta.

O ministro afirmou que a pandemia elevou o preço dos alimentos e da energia em todo o mundo e diz que isso reforça a necessidade de o país se integrar à cadeia de comércio global. "Nós precisamos adquirir comida mais barata uns dos outros e de outras regiões do mundo", disse.

Paulo Guedes, ministro da Economia - Adriano Machado - 25.out.2021/Reuters

O corte das tarifas foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União e reduz as alíquotas do Imposto de Importação de 87% do universo tarifário, abrangendo mais de 8 mil produtos —inclusive alimentos.

Estão na lista arroz, feijão, óleos, massas e biscoitos, bem como ingredientes para preparo de alimentos, como farinhas e amidos. Diferentes tipos de carnes e peixes, incluindo salmão e cação, também aparecem.

Há ainda uma extensa lista de frutas, como maçã, mamão e morango. A relação de insumos usados pela indústria também é grande.

"A razão de termos tomado essa medida agora, antes que tenhamos consenso entre os quatro membros do Mercosul, é a necessidade e urgência de atuarmos sobre a inflação. Não é nenhuma ilegalidade no que fizemos", afirmou Roberto Fendt, secretário especial de Comércio Exterior do Ministério da Economia.

Apesar da justificativa da inflação, os técnicos reconhecem que a medida não será suficiente para resolver a escalada dos valores. A expectativa do ministério é que a iniciativa reduza em somente 0,3% o nível de preços na economia brasileira em um horizonte de pelo menos dez anos.

"O impacto dessa medida é limitado. Não será com ela que, da noite para o dia, a gente eliminará a inflação", afirmou Fendt. "A inflação é um fenômeno estrutural decorrente da quebra das cadeias de suprimento no mundo inteiro", disse.

Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, explica que, tradicionalmente, mais ou menos a metade do que o Brasil importa corresponde a insumos para a indústria (químicos, peças, entre outros).

Segundo ele, o corte de 10% vai gerar um impacto mais perceptível para esses bens, pois são comprados em maiores quantidades e alguns têm alíquotas mais elevadas.

Para o consumidor final, o impacto tende a ser mais limitado, afirma Barral, que é sócio-fundador da BMJ Consultores Associados.

"É uma medida de liberalização, um sinal positivo para o consumidor, mas o corte tende a ser pequeno para ele. Pode ter algum efeito maior em algumas situações específicas, mas não vai mudar o comércio exterior brasileiro."

A redução tarifária é, na verdade, uma proposta de campanha do governo Bolsonaro. Guedes defende a maior abertura comercial e tenta avançar com o tema desde o começo da gestão. Sua equipe afirma que medidas desse tipo aumentam o fluxo de comércio, investimentos e PIB (Produto Interno Bruto).

Ele já tentou levar adiante um corte de 50% nas tarifas, mas recuou após reações da indústria brasileira —que defende uma transição mais gradual e acompanhada de medidas para ajudar as empresas nacionais a enfrentar a competição estrangeira (por meio da redução do custo-país, por exemplo).

O corte desta sexta entra em vigor na semana que vem e vale até o final de 2022, abrangendo apenas o Brasil, com custo R$ 3 bilhões para os cofres públicos. A intenção do governo brasileiro é tornar a medida permanente e fazer com que ela seja aplicada a todo o bloco.

Guedes afirma que o corte feito pelo Brasil recebeu a compreensão dos demais integrantes do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), mas sua própria equipe afirma que o país se antecipou a um consenso entre os parceiros do bloco.

Segundo Fendt, Brasil, Argentina e Paraguai estão de acordo com a redução definitiva nas tarifas. "Estamos agora em negociação para que o Uruguai possa aderir a essa redução em caráter permanente", disse.

A medida do Brasil foi tomada com base em um acordo de 1980 entre os países do Mercosul que permite o corte temporário em casos de proteção da vida e da saúde das pessoas. De acordo com o Ministério da Economia, o recurso é justificado pela situação de urgência trazida pela pandemia de Covid-19.

O tema avançou após os governos de Jair Bolsonaro e do argentino Alberto Fernández chegarem a um acordo sobre o tema em outubro, após meses de divergência. Ambos os países anunciaram um entendimento para um corte de 10% na tarifa comum.

A pedido da Argentina, alguns produtos vão ficar de fora. Entre eles, produtos da indústria automotiva com tarifa acima de 14%, além de têxteis, calçados, brinquedos e lácteos.

O governo tem trabalhado no Mercosul para promover a revisão da TEC (Tarifa Externa Comum) e afirma que, em mais de 25 anos de existência, a TEC jamais sofreu um processo de reforma integral.

Outro ponto defendido pelo Brasil no Mercosul é a proposta para que membros do bloco sejam liberados para negociar tratados comerciais de forma independente. Essa pauta é defendida pelo Uruguai e conta com respaldo no governo brasileiro, principalmente na equipe de Guedes. A Argentina é contra.

Caged

Durante o evento, Guedes chamou de "barulho" o ajuste nos dados que cortou pela metade o saldo de empregos em 2020 em relação ao inicialmente informado pelo governo.

Segundo dados divulgados em janeiro pelo Ministério da Economia no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregos), o indicador havia ficado positivo em 142.690 vagas no ano passado. Após o registro de novas informações, o saldo caiu 46,8%, para 75.883 vagas criadas (devido principalmente ao aumento nos registros de demissões).

"Houve muito barulho a respeito de um erro de 50 mil [na verdade, a diferença é de 67 mil], o que é bastante. São bastantes desempregos que foram aparentemente reportados equivocadamente no Caged", afirmou.

Para ele, no entanto, a subnotificação não foi culpa do governo e a revisão não muda o cenário de criação de empregos no período. "Pode ter havido um erro no Caged, isso não é culpa do governo. Isso vem do setor privado, são informações agregadas", disse.

Além do atraso usual e da situação agravada pela pandemia, especialistas apontam que o impacto nos números se deve à adaptação à nova metodologia do Caged, que entrou em vigor em 2020.

Com a mudança feita pelo governo, a pesquisa passou a ser alimentada não só pelas empresas, mas também pelos técnicos do governo —por meio de informações como as provenientes do eSocial, sistema de escrituração que unificou diversas obrigações dos empregadores.

Guedes também defendeu durante o evento que o país explore o petróleo antes que a commodity deixe de ser usada em decorrência do esforço global para evitar o uso de combustíveis fósseis e conter o aquecimento do planeta.

"É importante explorar essa riqueza", afirmou. "[Estamos] correndo o risco de esses recursos ficarem obsoletos e nós ficarmos sentados em cima do que foi riqueza um dia", disse.

A declaração é dada em meio à COP 26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2021) e às iniciativas globais, anunciadas inclusive pelo Brasil, para cortar emissões de gases de efeito estufa.

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