Governo aceita parcelar precatórios da educação em 3 anos, mas Lira não garante votos

Mudança busca conquistar apoio para aprovar drible no teto de gastos e abertura de espaço orçamentário

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Brasília

Governo e Congresso fecharam um acordo para parcelar em três anos o pagamento de precatórios da educação em uma tentativa de destravar a PEC (proposta de emenda à Constituição) que abre espaço no Orçamento para ampliar o novo Bolsa Família e para outras despesas.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) –que integra o centrão–, confirmou que a proposta será votada nesta quarta-feira (3), mas disse não ter compromisso com o resultado da votação.

"Nós tivemos muitas conversas com governadores dos três estados [Ceará, Bahia e Pernambuco] que têm mais precatórios do Fundef [fundo de educação extinto em 2006 e que antecedeu o atual Fundeb], tivemos conversas agora com todos os sindicatos dos professores, conversamos com os partidos políticos da base e da oposição, como costumamos fazer em matérias polêmicas", disse Lira na noite desta quarta.

"Não tenho compromisso com resultado, quero deixar isso bem claro. Agora, tenho o compromisso de defender uma pauta que, aparentemente, não causa mal a ninguém. Pelo contrário, só traz benefícios", complementou.

Homem caminha perto do prédio do Congresso Nacional em Brasília - Ueslei Marcelino - 19.mar.2021/Reuters

O primeiro teste mostrou a forte resistência à PEC no plenário. Requerimento para retirar a proposta de pauta foi rejeitado por 307 votos a 148 —um a menos do que o mínimo exigido para aprovar a PEC.

Antes do resultado, porém, o presidente da Câmara já havia afirmado que prosseguiria com a votação, independentemente do resultado.

Assim como ocorreu na semana passada, o MDB se posicionou contra o texto. O líder do partido na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL), elogiou o esforço do relator, Hugo Motta (Republicanos-PB), mas disse que não houve avanço na demanda de preservar o teto de gastos e sobre a autorização da quebra da regra de ouro no início da execução orçamentária.

Segundo a negociação, os recursos ficariam dentro do teto de gastos e seriam pagos da seguinte forma: 40% desses precatórios seriam quitados no próximo ano, 30% em 2023 e outros 30% no ano seguinte. O governo teria aceitado a proposta e a mudança ocorreria diretamente no plenário.

O acordo foi costurado pelo relator com integrantes da equipe econômica.

Segundo a negociação em curso, os recursos ficariam dentro do teto de gastos e seriam pagos da seguinte forma: 40% desses precatórios seriam quitados no próximo ano, 30% em 2023 e outros 30% no ano seguinte. O governo teria aceitado a proposta e a mudança ocorreria diretamente no plenário.

O parcelamento a ser proposto na nova versão da PEC vale inclusive para precatórios ligados ao Fundef que ainda serão emitidos, como uma decisão judicial futura que beneficia outros estados. Nesses casos, um precatório desse tipo que for emitido em 2024 também será parcelado em três anos.

Na entrevista na Câmara, Lira negou que se trate de um parcelamento. "Não é parcelar, é priorizar os precatórios do Fundef junto com os do RPV [dívidas de pequeno valor] e alimentícios, que são os pequenininhos", disse.

"[Seriam] R$ 25 bilhões de precatórios de RPVs e alimentícios pequenos e, logo após, os precatórios do Fundef, na proporção de 40% em 2022, 30% em 2023 e 30% em 2024. Eu não tenho dúvidas de que todos esses precatórios serão zerados ainda em 2022 com só um item, compensação de débitos tributários."

O objetivo é diminuir a resistência provocada pela pressão de professores e de governadores de estados como Bahia, Pernambuco, Ceará e Amazonas, que fizeram uma ofensiva para que parlamentares dessas bancadas votassem contra o texto.

Os precatórios da educação foram conquistados pelos estados após contestações na Justiça sobre os valores recebidos da União por meio do Fundef.

Governadores afirmam ter direito a receber esses recursos por pagamentos feitos abaixo do mínimo necessário ao longo dos anos. O Fundef responde por R$ 15,6 bilhões (ou 17%) dos R$ 89,1 bilhões em precatórios previstos para o ano que vem.

Há um entrave para que a mudança seja contemplada na PEC em discussão. Como anteriormente não foram apresentadas emendas propondo um tratamento especial para precatórios do Fundef, existem dúvidas sobre como prever uma regra diferente para essas dívidas.

Lira, no entanto, confirmou que seria apresentada uma emenda aglutinativa global. "Nós não fazemos nada antirregimental. Temos todos os cuidados. Havia um texto e há texto, havia emendas e há emendas. Tem emendas que ainda estão sendo propostas, destaques que estão sendo propostos. Então tudo isso é fonte, base, para emenda aglutinativa", ressaltou.

O presidente da Câmara disse que não há plano B em caso de derrota do texto. "Aí, é partir para todas as dificuldades orçamentárias e políticas, sociais que a situação vai requerer", disse. "Por isso que eu acho que deve haver uma sensibilização e se esquecer um pouco a politização e deixar a eleição de 2022 para 2022."

A oposição diz que vai levar a questão ao STF (Superior Tribunal Federal).

Mais cedo, em entrevista à GloboNews, Lira falou sobre a negociação e disse que a ideia é priorizar o Fundef. "Com essa priorização, os governadores terão mais um elemento já, de tantos que eles têm. Eles podem ser securitizados, podem fazer composição de dívida, podem fazer venda para pagar débitos tributários, podem antecipar todos os precatórios de uma só vez", disse.

"Nós acrescentamos mais uma, que é essa priorização de três pagamentos, como foi pedido pelos governadores, do Fundef."

A PEC cria um limite para despesas com sentenças judiciais dentro do teto. O que ficar fora da limitação pode ser pago de outras formas, mas fora do teto de gastos. Para tentar evitar que seja criado um estoque de precatórios a serem pagos futuramente, o relator propôs medidas, como o que vem sendo chamado de encontro de contas (a União poderia quitar o passivo com algum credor com as dívidas que tem a receber dele).

Lira também afirmou que a PEC será importante para permitir a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia. A possibilidade seria aberta ao ampliar o espaço no Orçamento para gastos a partir de 2022. A extensão do benefício, porém, não está diretamente vinculada à aprovação do texto, conforme confirmou Lira em entrevista posterior. A expectativa de aliados do governo é que, na prática, a PEC facilite as negociações para a desoneração.

A proposta de parcelar em três anos é vista por integrantes da bancada de educação como um avanço na negociação, pois antes não havia uma perspectiva de quando os recursos seriam pagos.

Nesta quarta, ao deixar a residência oficial de Lira, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), reconheceu a possibilidade de parcelamento. "Alguns estão pedindo para haver o parcelamento do Fundef, e o relator, Hugo Motta, está, então, conversando com os governadores, com os deputados, com as bancadas que são mais ligadas à educação e que estão se comprometendo a votar se houver essa possibilidade", disse.

Barros expressou otimismo com a votação e disse esperar um "bom número de votos" para passar a PEC dos Precatórios em dois turnos. Questionado sobre quantos votos, respondeu: "o suficiente para aprovação".

O baixo quórum foi o motivo pelo qual Lira optou por não votar o texto na semana passada, a primeira de retorno presencial dos deputados. O presidente da Câmara foi pressionado por ministros do governo e líderes partidários a rever a decisão para tentar aumentar as chances de aprovação da PEC, mas se manteve firme e sinalizou que descontaria os salários dos faltosos.

Alguns partidos circularam entre suas bancadas mensagens informando que haveria efeito administrativo em todas as votações da PEC e que justificativa de ausência não anularia a falta, somente se comprovada com documentos.

A PEC não diz para onde o dinheiro vai, é um cheque em branco para o Bolsonaro gastar onde quiser

Gleisi Hoffmann (PT-PR)

Deputada federal

Lira, no entanto, flexibilizou algumas regras e editou um ato para permitir que deputados que estiverem em missão autorizada pela Câmara pudessem votar remotamente —há cerca de cinco deputados nessa condição, entre eles participantes da COP26, conferência climática que acontece em Glasgow (Escócia) até 12 de novembro.

"Essa dispensa permitirá que os parlamentares em missão possam registrar presença em sessão e reunião, além de realizar votações, tanto de natureza procedimental quanto de mérito, por meio do aplicativo lnfoleg", indica o ato publicado nesta quarta.

Às 21h50, quase quatro horas após o horário marcado para o começo da sessão deliberativa, havia 457 deputados com presença registrada na Câmara —uma PEC exige o apoio mínimo de 308 deputados, em votação em dois turnos. Segundo estimativas, a margem de votos favoráveis oscilava entre 298 e 318.

Auxiliares palacianos creditaram parte da dificuldade em atingir o quórum ao que chamaram de intransigência de Lira para que a sessão ocorra de forma presencial.

De acordo com esses interlocutores, há muitos parlamentares que deixaram de vir a Brasília por causa do coronavírus e costumam votar sempre com o governo.

Para esses auxiliares, a votação deveria ser semipresencial, sistema que vigorou por conta da pandemia até recentemente, quando Lira anunciou retorno presencial dos trabalhos, com apresentação de comprovante de vacinação.

Além disso, já há um discurso político ensaiado nos corredores do Planalto, caso a PEC não passe. Interlocutores do presidente afirmam que a resistência de partidos tem a ver com as eleições presidenciais de 2022. Os maiores adversários à proposta —oposição, MDB e PSDB— têm nomes para disputar contra Bolsonaro nas urnas.

A oposição tem criticado o texto e argumenta que professores perderão recursos se a PEC dos Precatórios for aprovada.

A deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou em discurso no Plenário que a PEC é um cheque em branco para Bolsonaro e questionou a tese de que o dinheiro irá para os mais vulneráveis. "Não dá para aprovar essa PEC, é uma aprovação no escuro", disse.

"A PEC não diz para onde o dinheiro vai, é um cheque em branco para o Bolsonaro gastar onde quiser. Ele está dizendo junto com o Paulo Guedes, mas não dá para acreditar porque são mentirosos, que uma parte vai para o Auxílio Brasil, para o auxílio emergencial. Mas quanto vai, a metade? E o resto vai para onde, para o orçamento secreto, porque esta Casa quer continuar com as emendas de relator?", afirmou a deputada.

Nos últimos dias, a PEC causou uma queda de braço entre a Câmara e o Palácio do Planalto por causa da verba para emendas parlamentares.

Enquanto deputados da base e de partidos independentes pediam a liberação de mais recursos para votarem a favor da proposta, aliados de Bolsonaro passaram a ameaçar cortar até mesmo as emendas impositivas —aquelas que obrigatoriamente precisam ser pagas pelo governo— de quem não apoiar a PEC.

Emenda parlamentar é a forma de deputados e senadores enviarem dinheiro do Orçamento federal para obras e projetos em suas bases eleitorais. Isso amplia o capital político dos congressistas e tem um peso ainda maior com a proximidade das eleições de 2022.

Líderes partidários da base do governo na Câmara intensificaram nos últimos dias a pressão para que deputados estejam presencialmente nesta quarta em Brasília em mais uma tentativa de votar a proposta que abre espaço no Orçamento. São necessários pelo menos 308 votos em dois turnos para a PEC ser aprovada e seguir ao Senado.

A expectativa inicial era a de que o texto fosse votado na última quarta-feira (27), mas o baixo quórum de deputados na primeira semana de retorno às atividades presenciais da Câmara e divergências em torno do conteúdo da proposta adiaram a votação.

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