Guedes admite que offshore foi usada para escapar de impostos nos Estados Unidos

Estratégia também evita tributos no Brasil; ministro diz que parente em empresa é obviedade

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Brasília

O ministro Paulo Guedes (Economia) admitiu nesta terça-feira (23) que enviou recursos para sua empresa sediada em paraíso fiscal (offshore) para escapar de impostos cobrados nos Estados Unidos e confirmou que parentes permanecem ligados à companhia. A estratégia também evita tributos no Brasil.

Segundo o ministro, o envio dos recursos à empresa foi feito entre 2014 e 2015 para investimento em ações americanas. Guedes afirmou que recebeu na época a sugestão de conselheiros, como uma forma de evitar os tributos nos Estados Unidos no caso de sua morte.

A legislação americana taxa em quase 50% os recursos de pessoas físicas repassados a herdeiros. No Brasil, os estados fazem cobrança parecida por meio do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) –que chega a até 8%.

"Se você tiver uma ação no nome da pessoa física e falecer, 46% é expropriado pelo governo americano [...]. Então, se você usar offshore, você pode fazer esse investimento. Se você morrer, em vez de ir para o governo americano, vai para a sucessão", disse.

Paulo Guedes, ministro da Economia, discursa no Palácio do Planalto em Brasília - Lucio Tavora - 25.out.2021/Xinhua

A offshore de Guedes, de sua esposa e de sua filha nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal, foi revelada por reportagens publicadas por veículos como a revista Piauí e o jornal El País, que participam do projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (o ICIJ).

O uso de paraísos fiscais é um problema global discutido há anos por órgãos como OCDE (Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico) e Oxfam. De acordo com especialistas no tema, a estratégia alimenta a desigualdade pelo mundo ao retirar dos cofres públicos recursos que poderiam ser usados para políticas como saúde, educação e benefícios sociais.

As declarações do ministro são dadas no momento em que o Brasil acumula oito anos de contas no vermelho, tem dívidas acima de R$ 5,4 trilhões e busca como elevar a verba prevista para o Auxílio Brasil (substituto do Bolsa Família).

A revelação da offshore criada por Guedes abriu questionamentos legais e éticos em frentes como pagamento de impostos, correta comunicação das informações às autoridades e conflito de interesses com o cargo de ministro.

Guedes confirmou que, embora tenha saído da offshore, seus parentes continuaram ligados à empresa. "Vou reafirmar que todos os dados [foram] entregues, seja minha saída da empresa, seja a permanência de familiar como proprietário dos recursos, o que é absolutamente uma obviedade [pois] são recursos que pertencem à família", disse.

Como ministro, Guedes participou de decisões que afetam offshores. O artigo 5º da Lei do Conflito de Interesses impede o ocupante de cargo federal de "praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão".

Configura conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal [...] praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão.

Art. 5º da Lei do Conflito de Interesses

Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013

O ministro também reconheceu não ter declarado à Comissão de Ética da Presidência da República informações sobre parentes na offshore, dizendo que isso não seria exigido pela chamada DCI (Declaração Confidencial de Informações) —documento demandado pelo órgão para avaliar medidas para evitar conflitos de interesses. "Estão dizendo ‘ah, o senhor não informou’. Narrativa política, covardia, desrespeito aos fatos", afirmou.

"[A pergunta da DCI era se] o declarante possui cônjuge ou parente até terceiro grau que atue em área ou matéria afins à competência profissional ou cargo que exerço como ministro. A resposta é não. Não, não e não", disse. "Existe algum conflito de interesse? A resposta é não e será mil vezes não", afirmou.

"Agora, é informado, sim, aos órgãos competentes, porque está lá no registro da empresa", afirmou. "Por isso que não precisava declarar [na DCI] se minha mulher ou minha filha está nessa empresa, porque é uma obviedade", disse.

A Comissão de Ética analisou a DCI de Guedes e liberou o ministro, dizendo que recomendou ações para mitigar e evitar conflitos de interesses (mas sem divulgar que medidas foram essas).

Entre as medidas usualmente recomendadas pela Comissão de Ética, está a de manter inalteradas as posições de investimento durante o exercício do cargo. Guedes não esclareceu se a carteira na empresa está congelada.

Os deputados relembraram ainda que o projeto de alteração do Imposto de Renda, que foi elaborado pelo Executivo, trazendo um pacote com grande influência da Receita Federal e que foi assinado pelo próprio Guedes, tinha um dispositivo para taxar recursos de pessoas físicas em paraísos fiscais originalmente. Mas a regra foi removida após reuniões entre ministro e o relator, Celso Sabino (PSL-PA).

Guedes, inclusive, defendeu a retirada da regra publicamente em julho. "Ah, 'porque tem que pegar as offshores' e não sei quê. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Tira. Estamos seguindo essa regra", disse o ministro na época, antes das reportagens que revelaram sua empresa.

Nesta terça, Guedes ressaltou que a proposta original apresentada por ele continha a previsão e sugeriu que a retirada ocorreu por pressão via Congresso.

"Eu acho correto, acho justo [ter a tributação]", disse. "Entrou aqui [no Congresso], aparentemente os banqueiros tinham amigos por aí. Ou aparentemente os brasileiros que têm offshore também tinham amigos por aqui. Porque não progrediu, a proposta assinada por mim tem os impostos sobre offshores", afirmou.

De qualquer forma, ao contrário desse ponto, Guedes defendeu firmemente a manutenção de outros itens da proposta —como a taxação de dividendos, que também encontrava resistências (inclusive na iniciativa privada).

Deputados também perguntaram na sessão sobre o fato de Guedes ter tomado decisões ligadas a offshores no CMN (Conselho Monetário Nacional), órgão em que ele tem um dos três votos. O segundo é de um subordinado de Guedes e o terceiro é do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Guedes disse que uma das decisões do CMN, que afrouxou a exigência de declaração dos recursos no exterior às autoridades, não o afetou porque o patrimônio dele na empresa supera os novos limites estabelecidos. Outra medida do CMN sob Guedes, no entanto, também ampliou possibilidades de investimentos de offshores.

O ministro deu as declarações na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, que o convocou para esclarecer suas movimentações financeiras em paraíso fiscal. Quando a autoridade é convocada, não pode faltar ao compromisso.

A convocação do ministro foi uma requisição dos deputados Kim Kataguiri (DEM-SP), Leo de Brito (PT-AC), Elias Vaz (PSB-GO) e Paulo Ramos (PDT-RJ). Sua participação durou cerca de 3h30.

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