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Investimentos ESG terão rótulo para prevenir maquiagem verde

Associação do mercado conclui debate público e prevê autorregulação em janeiro

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São Paulo

Encontrar aplicações financeiras capazes de conciliar rentabilidade com preservação do meio ambiente e boas práticas sociais e corporativas no Brasil deve se tornar uma tarefa mais simples e transparente a partir de 2022. É o que espera a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), que acaba de encerrar uma consulta pública sobre a autorregulação voluntária do setor para a identificação de fundos de investimentos sustentáveis.

A partir de 3 de janeiro, esse tipo de fundo poderá solicitar a inclusão do sufixo IS (Investimento Sustentável) no nome, caso esteja habilitado conforme os critérios estabelecidos pela Anbima.

Com isso, o mercado financeiro doméstico pretende traçar uma linha entre fundos que têm a sustentabilidade como princípio e aqueles que possuem investimentos que apenas integram aspectos ESG, sigla em inglês para ASG (Ambiental, Social e Governança).

Criança abraça um balão em forma de globo durante uma manifestação em Roma, Itália, realizada antes do início da Conferência Mundial sobre Mudança Climática de Paris  em 2015, a COP21
Criança abraça um balão em forma de globo durante uma manifestação em Roma, Itália, realizada antes do início da Conferência Mundial sobre Mudança Climática de Paris em 2015, a COP21 - Alessandro Bianchi - 29.nov.2015/Reuters

Produtos que considerem questões de sustentabilidade em suas aplicações, porém inaptos a ostentar o selo IS, não serão impedidos de incluir essa informação em seu material de divulgação.

A ideia é organizar as ofertas nas prateleiras do varejo de investimos para as tornar mais acessíveis a pessoas cada vez mais interessadas em saber como o dinheiro delas pode contribuir com causas globais.

A autorregulação das entidades do mercado nacional se concretiza após dois anos de crescimento vertiginoso do interesse pelo termo ESG, cujas buscas no Google aumentaram dez vezes entre abril de 2020 e o auge em agosto de 2021.

Um ano antes do início desse boom, em 2019, o diretor-executivo da BlackRock, Larry Fink, havia mencionado em sua carta anual aos gestores que o mundo passava pela maior transferência geracional de riqueza da história, com cerca de US$ 24 trilhões (R4 130 trilhões) passando das mãos dos baby boomers para os millennials, cujas preferências de investimentos incluem questões "ambientais, sociais e de governança", escreveu.

Em 2020, a carta do diretor da maior gestora de fundos do mundo foi quase integralmente dedicada à discussão sobre a relevância econômica das mudanças climáticas. Além disso, em outra carta, direcionada a clientes, a BlackRock apontou os investimentos sustentáveis como prioritários.

Os documentos deram relevância à sigla ESG, cunhada uma década e meia antes na esteira do surgimento da iniciativa Who Cares Wins – Quem Cuida Ganha, em português– da Organização das Nações Unidas em parceria com o governo suíço e endossada por instituições responsáveis pela gestão de mais de US$ 6 trilhões (R$ 32 trilhões) em ativos, incluindo o Banco Mundial.

A explosão do interesse pelos investimentos ESG também coincidiu com o momento em que a economia mundial era obrigada a desacelerar para enfrentar o novo coronavírus, uma ameaça ambiental com consequências sociais extraordinárias.

Para o bem ou para o mal, fundos de todas as classes passaram a se denominar verdes, sustentáveis ou ESG.

Se por um lado o aumento da oferta é positivo, por outro, a desordem abriu caminho para o greenwashing –algo como um banho ou maquiagem verde para atrair compradores para produtos pouco ou nada sustentáveis.

A prevenção ao greenwashing no mercado local estimulou a criação de um grupo consultivo de sustentabilidade na Anbima, em 2020, formado por executivos de instituições associadas.

"Muitas vezes você encontra um fundo verde que não é verde", diz Carlos Takahashi, vice-presidente da Anbima e coordenador do grupo consultivo de sustentabilidade. "Foram escolhas feitas ao longo do tempo que, na verdade, estão relacionadas a um nome bacana, com um apelo legal, mas que não necessariamente são fundos ASG."

Adotando modelos europeus e americanos como referências, a iniciativa considera porém que a agenda ESG ainda requer amadurecimento no Brasil e isso deverá trazer alguma tolerância inicial na avaliação dos candidatos à nova identificação.

"Temos boas referências, mas vamos ajustar os patamares ao nosso mercado", diz Takahashi. "Não vamos colocar a barra no chão, mas a colocaremos em uma altura razoável", afirma.

Na nova versão do Código de Administração de Recursos de Terceiros da Anbima, um fundo para ser considerado sustentável terá de ser avaliado segundo métodos que atestem seu compromisso, além de ter a carteira sob constante monitoramento.

Os gestores serão analisados principalmente quanto à sua capacidade de identificar e monitorar investimentos ESG por meio de ferramentas, processos e qualificação das suas equipes.

"Vamos identificar produtos que já têm objetivos, processo, informações, time e estejam integralmente focados no ASG e vamos verificar aqueles que ainda não, mas já dizem integrar esses critérios, para incentivá-los a serem 100% ASG lá na frente", diz Takahashi.

A incorporação da avaliação de aspectos ESG nos investimentos, atribuindo a essas características importância semelhante à dada a critérios financeiros, irá diferenciar essa nova categoria de fundos dos tradicionais, cuja classificação costuma ser determinada apenas pelos ativos que compõem a carteira.

Ao estabelecer critérios claros sobre o tipo de compromisso que gestores de fundo devem assumir para oferecer produtos sustentáveis, o mercado tentará evitar classificações genéricas –intencionais ou não– que levam investidores a eventualmente comprar gato por lebre.

"Era uma coisa comum ver produtos que tinham sustentabilidade no título, mas que não integravam fatores sociais, ambientais e de governança no processo de investimento", diz Helena Masullo, head de estratégia ESG da XP Inc.

"Às vezes, eles tinham esse nome porque doavam a taxa de gestão para uma instituição filantrópica, mas isso não é integrar processos ESG, então criava essa confusão", comenta Masullo.

Desempenho a longo prazo favorece investimento sustentável

Independentemente da motivação que a mudança geracional aponta como tendência para a decisão dos investidores, a estabilidade pode jogar a favor das aplicações sustentáveis em momentos de maior volatilidade.

"O retorno é a maior discussão do mercado sobre ESG", diz Masullo. "Quando observados no longo prazo, onde está o principal argumento favorável, os investimentos alinhados a questões ESG trazem essa superação."

Lançado em dezembro de 2005 na Bolsa de Valores brasileira, o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) é a referência mais antiga no país para analisar o desempenho de ativos que, de alguma forma, se relacionam com o que hoje se compreende como ESG.

Até a semana passada, o ISE acumulava ganhos de quase 273%. Nesse mesmo intervalo de aproximadamente 16 anos, o Ibovespa, índice de referência da Bolsa, avançou 225%.

ISE e Ibovespa caíram 9,83% e 10,66% neste ano, respectivamente, refletindo o ambiente desfavorável aos investimentos de risco devido ao combo de crises sanitária, política e fiscal do país.

A comparação entre os índices não é necessariamente justa com o ISE, que possui apenas 30 empresas, o que representa menos de um décimo das cerca de 400 companhias que integram o Ibovespa.

Na prática, a espessura do colchão do ISE para absorver oscilações do mercado é menor e um problema envolvendo apenas uma empresa pode prejudicar significativamente o desempenho do índice.

Além disso, a criação do ISE ocorreu em um período em que a sustentabilidade estava mais relacionada à intenção do que à prática, embora a sua metodologia tenha sido ajustada ao longo do tempo.

Mesmo carregando essas desvantagens, o ISE tem uma trajetória vitoriosa em relação ao Ibovespa.

A expectativa sobre os produtos a serem rotulados como IS é que, a partir da efetiva incorporação dos critérios ESG nas análises de retorno e risco, eles tragam ganhos consistentes a longo prazo e sejam resilientes em períodos de volatilidade

"Algo que está bem estruturado em termos de governança, que tem boas práticas com seus colaboradores, clientes e fornecedores e uso adequado dos recursos naturais, por si só, nos levaria à conclusão de que no longo prazo os resultados serão melhores e mais resistentes", diz Takahashi, da Anbima.

Como vai funcionar

Inicialmente, somente os fundos de ações e os fundos de renda fixa são elegíveis à inclusão do sufixo IS.

A intenção da Anbima é expandir essa identificação para outras classes de fundos, alcançando também os multimercados e os estruturados.

Produtos que não possuem o investimento sustentável como objetivo principal, mas que optarem por mencionar em seu material promocional que integram questões dessa natureza, também serão submetidos à supervisão da Anbima.

De acordo com a classificação em vigor atualmente, não existe uma identificação para fundos sustentáveis de forma mais ampla.

A única opção existente é a subcategoria "sustentabilidade/governança", aplicável exclusivamente para fundos de ações. Essa subcategoria deixará de existir após o período de transição de 12 meses a partir da entrada em vigor das novas regras para os fundos IS.

A classificação da Anbima não será prescritiva em relação aos percentuais de exposição a determinados ativos.

O foco será a consistência das metodologias utilizadas para escolha dos investimentos, as fontes primárias de dados e os tipos de ferramentas empregadas, bem como métricas e políticas de engajamento, além das ações de acompanhamento contínuo desses instrumentos.

Diante da valorização das características mencionadas, haverá redução da dependência de certificações terceirizadas, ratings externos ou selos. Isso não significa que esses instrumentos serão descartados, mas sim que não poderão ser isoladamente considerados suficientes para assegurar a identificação sustentável.

A publicação do novo Guia ASG Anbima, prevista para este mês, deverá trazer orientações para auxiliar gestores em relação à regulamentação.

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