Pressão financeira da Europa contra desmatamento deve aumentar, diz eurodeputado

Para membro de comitê ambiental do Parlamento Europeu, se governo não agir contra desmatamento, dano será irreversível

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Glasgow

A pressão sobre o Brasil de clientes e financiadores preocupados com a falta de políticas ambientais deve crescer, afirma o eurodeputado sueco Pär Holmgren, que integrou a delegação do Parlamento Europeu na COP26, em Glasgow.

Holmgren, que faz parte dos comitês de ambiente e de agricultura no parlamento, foi um dos cerca de 15 eurodeputados que participaram de uma reunião com o ministro brasileiro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, durante a conferência climática, que terminou no último sábado (13).

Ele diz que a definição pela União Europeia de seu taxonomia verde, que determina quais investimentos e projetos são considerados sustentáveis ---e portanto serão incentivados--- deve tornar ainda mais frequente a reticência de fundos e clientes em relação a produtos que tenham risco de estar relacionados a desmatamento ou outros danos ambientais e sociais.

Pär Holmgren, eurodeputado sueco pelo grupo dos Verdes
Pär Holmgren, eurodeputado sueco pelo grupo dos Verdes - 18.nov.2021/Creative Commons

Holmgren afirmou considerar positivo que o governo brasileiro tenha apresentado metas durante a COP26, mas disse que faltam ações concretas e que os números sobre desmatamento revelam uma realidade preocupante.

Ele também não considerou satisfatória a resposta de Leite sobre o compromisso do governo Bolsonaro com povos indígenas, e lamentou que projetos considerados prejudiciais ao ambiente e a questões fundiárias continuem em pauta.

Sobre o acordo da UE com o Mercosul, porém, o integrante do bloco dos Verdes diz que seu futuro vai depender de quanto apoio os grupos liberal e social-democrata darão ao bloco conservador PPE, o maior do Parlamento, que, segundo ele, prioriza os resultados comerciais sobre os ambientais ou de direitos humanos.

Sobre o que foi a reunião dos europarlamentares com o ministro brasileiro? O principal assunto climático com o Brasil é sempre o desmatamento. Ouvimos que o país pretende acabar com ele até 2030, o que é bom, mas não sabemos como será até lá. Muitos governos falam do futuro, mas dão pouca atenção ao que acontece no presente. E os números recém-divulgados de desmatamento na Amazônia não são bons [na véspera, dados do Inpe mostraram desmatamento recorde para um mês de outubro].

O governo Bolsonaro anunciou que anteciparia para 2028 o fim do desmatamento ilegal É bom que haja planos de acabar com o desmate ilegal, mas, se o governo pode decidir o que ou não é legal, mantém-se um problema sério em relação ao clima.

A exposição feita pelo ministro convenceu os eurodeputados de que o governo Bolsonaro tem intenção de proteger a floresta? Não usaria o verbo convencer. É importante que Brasil, Índia e China tenham metas de longo prazo. Todos os países entendem que temos um problema sério e temos que agir. Mas, como meteorologista e deputado, sei que entre a ciência e a política há ainda um abismo. A distância entre medidas de mitigação [prevenção do desmatamento] e adaptação [redução de danos] me preocupa muito, porque sabemos o quão vulnerável é a floresta amazônica.

Na Suécia, de onde venho, também há muitas florestas e teme-se um impacto negativo da corrente do Golfo, que intensifique o frio. Mas, do ponto climático, a vulnerabilidade da Amazônia é muito maior. Uma pequena elevação de temperatura ou perda de umidade pode prejudicar toda a floresta, deixá-la mais seca, elevar o risco de incêndios, criando um círculo vicioso que pode se retroalimentar muito rápido, ainda neste século.

Considera que as políticas brasileiras não são suficientes para impedir esse risco? Essa é uma das principais preocupações. No Brasil, se não adotarmos muito rapidamente medidas de mitigação, infelizmente logo estaremos tendo que discutir o país em termos de perdas e danos, como uma das áreas do mundo em que o desastre é irreversível e nem se adaptar mais é possível. Seriamente, espero que isso não ocorra, para o bem dos brasileiros e do resto do mundo. O destino da floresta amazônica afeta todo o planeta.

O sr. levantou esse risco de perda irreversível na reunião com o ministro? Não. Como a delegação do Parlamento Europeu tem cerca de 15 membros, meus colegas perguntaram sobre outros pontos e foquei a questão indígena. Sabemos que no geral, e no Brasil, eles são muito afetados pelas políticas que envolvem a floresta. Não considerei satisfatória a resposta que recebi do ministro. Minha impressão é que o governo brasileiro não assume sua responsabilidade por essas comunidades.

Projetos de lei que tramitam no Congresso brasileiro e são considerados prejudiciais a questões ambientais e de direitos humanos na Amazônia foram assunto de uma carta enviada por eurodeputados aos legisladores brasileiros. Apesar das críticas, o governo Bolsonaro manteve seu apoio a eles. Isso afeta a relação entre a UE e o Brasil, ao avaliar temas como o acordo comercial com o Mercosul, por exemplo? Sou do bloco dos Verdes no Parlamento, que defende que o comércio exterior da UE se baseie em justiça social, respeito a comunidades indígenas e ao ambiente. Mas para o bloco conservador PPE [Partido do Povo Europeu], o maior do parlamento, o comércio é mais importante, ainda que não seja justo.

Somos 10% dos eurodeputados, e eles passam de 30%. Se se unirem aos liberais e aos sociais-democratas, obtêm vasta maioria.

O que o governo brasileiro precisa fazer para mostrar aos europeus um compromisso aceitável com a Amazônia? Zerar o desmatamento. A floresta brasileira é diferente da sueca, em que a biodiversidade é pequena, poucas espécies gostam de crescer por lá. A floresta amazônica tem uma das maiores biodiversidades do mundo, começou a se desenvolver há mais de 3 milhões de anos, enquanto as matas suecas têm no máximo 5.000 anos. Se na Suécia temos metas de reflorestamento, no Brasil a situação é incomparável. O governo brasileiro precisa entender o quão precioso e vulnerável é esse ecossistema e fazer tudo para protegê-lo.

O ministro afirmou em Glasgow que a preservação da Amazônia é cara e requer investimento. Falta dinheiro ou falta vontade política? As duas perspectivas não são excludentes. É fato que historicamente a Europa e os Estados Unidos são responsáveis pela crise climática e temos que assumir essa responsabilidade. Parte disso passa pelo financiamento.

Corporações, fundos soberanos e fundos de investimento fizeram pressão e até interromperam transações com o Brasil por causa da falta de políticas ambientais. A pressão comercial e financeira é uma boa estratégia? Acredito que sim. Espero que sim. Faz parte do Acordo de Paris que o financiamento esteja alinhado com as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa. Essa pressão deve ficar ainda maior agora que a União Europeia está definindo sua taxonomia verde, que vai determinar que tipo de financiamento é sustentável e qual não é.

RAIO-X | Pär Holmgren, 66,

eurodeputado pelo grupo dos Verdes. Sueco, é doutor pela Universidade de Uppsala em meteorologia, área na qual trabalhou como especialista em danos ecológicos para o grupo de seguros Länsförsäkringar. Foi conselheiro da Sociedade Sueca para a Conservação da Natureza e do Instituto Sueco de Meteorologia e Hidrologia. No Parlamento Europeu, integra o comitê de Meio Ambiente e é membro substituto do comitê de Agricultura.

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