União Europeia exporta para o Brasil pesticida banido por envenenar abelhas

Dados oficiais obtidos por site do Greenpeace mostram vendas de quase 4.000 toneladas para 65 países

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Bruxelas

Dados oficiais divulgados nesta quinta-feira (18) pelo Unearthed, site de notícias do Greenpeace, mostram que Alemanha, França e Bélgica registraram de setembro a dezembro do ano passado a exportação para o Brasil de mais de 1.500 toneladas de inseticidas neonicotinóides, proibidos na União Europeia, por serem prejudiciais às abelhas.

Os produtos, dependendo da concentração nos insetos, podem prejudicar a atividade locomotora, reduzindo a velocidade de voo, afetar a capacidade das abelhas de encontrar fontes de alimento e de se localizar, levando ao declínio das colmeias ao longo do tempo.

Estudos científicos mostram que os neonicotinóides afetam também as abelhas nativas.

Abelha pousada em flor amarela clara, em meio a várias outras flores semelhantes
Abelha em plantação de lichia na cidade de Sujanpur, na Índia - Narinder Nanu - 8.abr.2021/AFP

A redução no número de abelhas por causa da intoxicação por químicos usados na agricultura prejudica a produção e a biodiversidade, já que elas são responsáveis por fazer a polinização de várias espécies vegetais.

Além da União Europeia, as agências da ONU para saúde, OMS, e para alimentação e agricultura, FAO, afirmam que há consenso crescente de que é preciso "restringir severamente" o uso de neonicotinóides, por representarem "alto risco ao meio ambiente".

Segundo a FAO, o número de insetos polinizadores está em queda em várias regiões do mundo, em parte por causa do uso de produtos químicos na agricultura.

No total, de acordo com os dados, oito membros do bloco europeu e o Reino Unido emitiram planos para exportar 3.800 toneladas dos produtos químicos a 65 países na América Latina, na África e na Ásia.

Com uma das legislações mais rigorosas em relação a agrotóxicos, a União Europeia se comprometeu no ano passado a barrar a exportação de químicos proibidos no bloco, ao lançar sua Estratégia de Produtos Químicos.

Segundo Vivian Loonela, porta-voz da Comissão, a previsão é que uma proposta legal seja apresentada em 2022 ou 2023.

Para o Brasil, foram vendidos produtos com os princípios ativos (imidacloprido, clotianidina e tiametoxam) reconhecidos como tóxicos para as abelhas por análise feita pelo Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais), publicada em março deste ano.

Os produtos vinham sendo reavaliados pelo órgão ambiental desde 2012, após indicações de que eles poderiam ser prejudiciais aos ecossistemas. O parecer foi enviado ao Ministério da Agricultura, que afirmou estar "finalizando sua análise técnica interna". Uma decisão ministerial deve ser tomada nos próximos 30 dias.

De acordo com os dados do último trimestre de 2020, só da Bélgica estava previsto o embarque de 2,2 milhões de litros do inseticida Engeo Pleno S (baseado em tiametoxan), que, de acordo com o Greenpeace, seria "suficiente para pulverizar várias vezes todo o território belga".

Do país saiu o maior volume desses químicos no período analisado. Ao Unearthed, a ministra do Clima e Meio Ambiente, Zakia Khattabi, disse que o governo belga estuda formas legais de acabar com as exportações de produtos químicos proibidos.

Na França, o segundo maior exportador desses neonicotinóides, lei nacional que proíbe a venda de pesticidas proibidos entra em vigor no início do ano que vem.

"É ultrajante que a UE continue a produzir e exportar produtos químicos que consideramos muito perigosos para uso no bloco", afirmou a eurodeputada alemã dos Verdes Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação para as relações com o Brasil.

Cavazzini diz que a União Europeia adota um "duplo padrão, em detrimento das pessoas e da biodiversidade em países como o Brasil": "O que é perigoso para os cidadãos e a fauna europeus é muito perigoso para o resto do mundo".

Nesse "duplo padrão", o bloco europeu se baseia na Convenção de Roterdã para exportar químicos proibidos pela UE: "O princípio da convenção é que cabe aos países importadores decidir se querem importar certos produtos, incluindo pesticidas", diz Loonela.

Mas a Comissão não considera regras estrangeiras em outras medidas ambientais, como na proposta que bane importações de soja, carne e outras commodities, divulgada nesta quarta (18).

O texto, que ainda será votado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho (que reúne os líderes dos 27 membros da UE), proíbe que empresas europeias importem produtos ligados a desmatamento, ainda que atendam a leis ambientais que especificam corte de árvore legal ou ilegal (como é o caso do Brasil).

Em outubro, eurodeputados franceses que se opõem ao acordo comercial entre a UE e o Mercosul criticaram o uso no Brasil de agrotóxicos proibidos pelo bloco —parte deles produzida no bloco e exportada por seus países-membros, de acordo com os dados obtidos pela Unearthed por meio das regras de liberdade de informação.

A Comissão reconhece falta de coerência nos dois parâmetros e diz que espera que isso seja solucionado com a regulamentação da estratégia para produtos químicos, mas ressalva:

"A proibição das exportações da UE pode, no entanto, não levar automaticamente os países terceiros a parar de usar tais pesticidas, se eles puderem importá-los de outros lugares. Convencê-los a não usá-los é igualmente importante e faz parte da diplomacia verde do bloco", afirma Loonela.

​Além do Brasil, que lidera o volume importado, os principais destinos de exportações, em peso de ingrediente ativo, foram Rússia, Ucrânia, Argentina, Irã, África do Sul, Cingapura, Indonésia, Gana e Mali. ​

No total as exportações planejadas para os 65 países continham 702 toneladas dos ingredientes ativos cujo uso ao ar livre foi banido pela UE em 2018.

Estudo divulgado naquele ano pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos concluiu que "a maioria dos usos de pesticidas neonicotinoides representou risco para as abelhas selvagens e domesticadas, para zangões e espécies solitárias".

Segundo o especialista nesses insetos Dave Goulson, professor de biologia da Universidade de Sussex, "parece não haver uso de neonicotinóides em situações ao ar livre consideradas de baixo risco para todos os grupos de abelhas".

Ao comentar o relatório, ele afirmou que o dano é não apenas na pulverização, mas pela contaminação de safras subsequentes e de flores silvestres nas margens do campo (nos dois casos, considerada de alto risco).

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