Descrição de chapéu desigualdade de gênero

705 mil homens brancos têm renda maior que a de todas as 33 milhões de mulheres negras do Brasil

Estudo exclusivo do Made/USP aponta ainda que sete em cada dez brasileiros mais pobres são negros

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Curitiba

Aos 60 anos, Graziela Pereira não pode pensar em parar de trabalhar. Desde 2019 entregando panfletos no centro de Curitiba (PR), ela não reclama do sol ou do calor, só pede licença a quem atravessa a praça apressadamente e oferece um cartão de compra de ouro e joias. "Quando muita gente aceita, ganho meu dia", diz ela.

Do dinheiro que Graziela ganha trabalhando oito horas todos os dias depende uma neta de dez anos. Sem poder contar com ajuda dos pais da criança, ela, que já trabalhou em escritórios, lojas e restaurantes, tira forças para estar nas ruas por mais um dia. "A vida da gente é sempre incerta, mas prefiro agradecer por ter meu trabalho."

Realidades como a dela ajudam a ilustrar um dado alarmante no país: no Brasil, o topo da pirâmide de renda tem cor e gênero. Os 705 mil homens brancos que fazem parte do 1% mais rico do país e representam 0,56% da população adulta têm 15,3% de toda a renda, uma fatia maior do que a de todas as mulheres negras adultas juntas.

Graziela Pereira, 60, de chapéu e bolsa, distribui panfletos no centro de Curitiba
Graziela Pereira, 60, distribui panfletos no centro de Curitiba - Douglas Gavras/Folhapress

Esses homens brancos no 1% do topo da pirâmide têm renda média mensal de R$ 114.944,50. Enquanto isso, a renda média de todas as mulheres negras é de R$ 1.691,45.

Elas, que somam 32,7 milhões de pessoas e são 26% da população adulta, detêm apenas 14,3% da renda nacional, segundo levantamento exclusivo do Made/USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, da Universidade de São Paulo).

O estudo tem como base os dados da mais recente POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), de 2017 e 2018, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e da Declaração de IRPF (Imposto de Renda das Pessoas Físicas), da Receita Federal.

"A desigualdade de oportunidades que afeta sobretudo as mulheres negras se reproduz a cada geração e forma uma estrutura muito rígida", diz Luiza Nassif Pires, pesquisadora do Made e do Levy Economics Institute do Bard College, nos Estados Unidos.

Ela acrescenta que, embora os dados da POF tragam um retrato de quatro anos atrás, as edições mais recentes da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, também do IBGE, reforçam que as mulheres negras saíram da força de trabalho em maior número do que os outros perfis de trabalhadores e que essa desistência maior vai se refletir em um aumento da desigualdade no futuro.

A pesquisadora lembra que a pandemia serviu para concentrar ainda mais renda e aumentou a desigualdade de gênero e raça. Embora o auxílio emergencial tenha conseguido diminuir temporariamente essa iniquidade, enquanto era de R$ 600 e para um número maior de pessoas, a redução posterior do benefício não foi mais suficiente para reduzir a desigualdade, diz Luiza.

"O efeito da pandemia tende a demorar mais para passar. A taxa de desemprego agora começa a cair primeiro para os homens brancos, enquanto a taxa de participação das mulheres negras no mercado segue em desvantagem."

Os pesquisadores do Made fizeram a comparação da renda (o fluxo de dinheiro, que entra todo ano), de acordo com raça e gênero. Uma investigação posterior do grupo deve também comparar o patrimônio (a riqueza que é acumulada) dos brasileiros sob o mesmo critério.

MERCADO DE TRABALHO REFORÇA DESIGUALDADES

Entre os principais motivos para a diferença na remuneração das mulheres, Luiza destaca o tipo de emprego, o preconceito em relação à capacidade e a descontinuidade do trabalho, o que levaria a menores aposentadorias e menores rendas.

"A própria forma como a divisão se dá tende a direcionar mulheres a trabalhos de menores rendimentos, uma vez que essas são maioria no setor terciário, em expansão no Brasil e com altos níveis de precarização e informalidade, diz a pesquisadora.

Essa realidade faz com que as mulheres ocupem trabalhos cada vez mais precários, com menos direitos e salários mais baixos. Ela também destaca que, quando se olha para a base da pirâmide onde estão os 10% mais pobres, é possível perceber a importância do Bolsa Família, encerrado recentemente, após 18 anos.

"Sem o programa, a concentração poderia ser ainda pior, e isso revela a necessidade de expandir os programas de transferência de renda sem prazo para terminar."

Dados de 2020 mostram que as mulheres negras representam 27% da população e ocupam 50% dos empregos informais. No trabalho doméstico, elas são 74% dos que estão em trabalhos informais, lembra Maitê Gauto, gerente de Programas e Incidência da Oxfam Brasil.

"Trata-se de um grupo de alta vulnerabilidade, sem garantia trabalhista ou proteção social. Durante a pandemia, informais e domésticos foram os grupos mais afetados, por terem sido dispensados do trabalho ou pelas medidas de distanciamento que levaram à queda na renda."

Ao se considerar os brasileiros brancos que estão nos 10% do topo da pirâmide (tanto os homens quanto as mulheres), eles representam 6,9% da população total, mas ficam com 41,6% da renda total, enquanto todas as pessoas negras, que são 53,8% da população, ganham 35% da renda total, ainda segundo o Made.

Além disso, sete em cada dez brasileiros mais pobres são negros. Eles representam 70% do décimo mais pobre da população, ou seja os 10% com os menores rendimentos.

Os dados também apontam que os adultos brancos que integram os 10% do topo —pouco mais de 8,6 milhões de pessoas— ficam com 41,6% de toda a renda. Esse montante é mais de sete pontos percentuais superior à renda de todos os adultos negros (35%), o que representa mais de 67,7 milhões de pessoas.

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