Descrição de chapéu Auxílio Brasil

Auxílio Brasil representa futuro incerto na ilha de Marajó

Moradores de Curralinho (PA) esperam melhora, mas sofrem com falta de informação

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Curralinho (PA)

Após passar a madrugada na rede de uma embarcação, Maria Raimunda do Nascimento, 55, desembarcou no município de Curralinho (PA) para se certificar de que não teria problemas para receber os R$ 400 prometidos pelo governo Bolsonaro com a criação do Auxílio Brasil. O aumento seria significativo, visto que hoje ganha R$ 136.

Foram cerca de quatro horas de viagem do Rio Piriá, onde mora, até a cidade. Sem o cartão do Bolsa Família para sacar o benefício, Nascimento teria que usar seu RG, que por estar rasurado não era aceito em todas as agências. Por isso, ela e o marido foram até a cidade se certificar de que o documento não seria recusado.

A viagem, no entanto, foi perdida. Teria que tirar uma nova carteira de identidade, mas o serviço só estaria disponível em 2022. Fora da época da colheita de açaí, quando o marido consegue ganhar algum dinheiro vendendo os frutos que colhe, os dois dependem do programa, da caça e da pesca para se alimentar.

Maria Raimunda do Nascimento, 55, viajou de Piriá a Curralinho para verificar se teria problemas para receber os R$ 400 prometidos pelo governo Bolsonaro por meio do Auxílio Brasil - Karime Xavier/Folhapress

"[A gente se mantém] na fé e na coragem. Vai, pesca peixe, mas se torna muito difícil", conta.

A expectativa em torno dos R$ 400 prometidos pelo Auxílio Brasil é uma realidade entre os beneficiários de Curralinho. Enquanto para muitos o aumento terá pouco impacto, moradores e comerciantes locais esperam ver melhorias nas condições de vida da população. Por outro lado, a incerteza quanto à continuidade do pagamento gera preocupações.

A cidade de cerca de 35 mil habitantes, localizada na Ilha de Marajó, é marcada por casas palafitas, que fora da região central do município se confundem com a vegetação e as águas do rio Pará. Da capital paraense, Belém, são cerca de 6 horas de barco.

Dados do Ministério da Cidadania mostram que 5.427 famílias eram beneficiárias do Bolsa Família, o que corresponde a 66% da população local. Destas, 92% estariam em extrema pobreza se não fosse o programa.

Ao centro a matriarca da família, Maria de Lourdes Gomes de Freitas, rodeada dos filhos, netos e familiares, com quem divide uma casa na beira do rio Mucuta - Karime Xavier/Folhapress

Continuam, porém, em condição de pobreza. Em 2019, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita do município foi de R$ 7.391,80, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística). A título de comparação, o município com maior valor, São Paulo, chegou a R$ 62,3 mil.​

Segundo o Ministério da Cidadania, o tíquete médio do Bolsa Família era de R$ 186,68 em outubro deste ano, último mês de vigência do programa.

Apesar da expectativa em torno do aumento, a secretária de Assistência Social, Rithiane Freitas, afirma que os usuários não foram informados de forma adequada sobre a mudança do programa, ao passo que servidores públicos receberam instruções "confusas" sobre seu funcionamento.

Com mais da metade da população do município dependente do benefício, a secretária diz que o ponto de maior preocupação é sobre a continuidade do auxílio, uma vez que só há garantia do pagamento de R$ 400 para 2022, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tentará reeleição.

Com a promulgação da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que adia o pagamento de dívidas da União reconhecidas pela Justiça e viabiliza o novo valor do benefício até dezembro do ano que vem, o programa se tornou permanente.

"A gente sente uma instabilidade com essa nova nomenclatura, Auxílio Brasil. A gente sente que pode ser instável tanto para as famílias como para o próprio município porque se não houver continuidade do programa o município que vai arcar", afirma a secretária.

O benefício de Marcilene Barbosa Pantoja, 30, passou de R$ 357 para R$ 400 em novembro, quando o programa foi instituído e os pagamentos tiveram um pequeno acréscimo.

Mãe solo de três crianças, Pantoja não possui outra fonte de renda. Apesar da expectativa que havia nutrido em torno do aumento do benefício, mal consegue alimentar a si própria e os filhos.

"Não dá para se virar, ainda mais com três crianças. Só [consigo comprar] alimento mesmo, luz, gás, o básico", diz.

Já o benefício de Maria de Lourdes Gomes de Freitas, 36, passou de R$ 772 para R$ 882. Mãe de nove filhos, ela vive apenas com o que ganha do programa.

Em uma casa de palafitas à beira do rio Mucuta, Freitas mora com os filhos, marido e outros familiares. Esperava que a mudança do programa promovesse um aumento maior para aqueles com mais dependentes. Mesmo com o acréscimo, ainda não chegou ao seu objetivo, que é cozinhar apenas com o gás de cozinha, deixando de lado o fogão à lenha.

"Esse dinheiro eu compro alimento para os meus filhos. As coisas para eu comer, tudo para casa. E falta", conta.

A renda de grande parte das famílias provém principalmente do benefício, uma vez que o açaí, que tem sua safra entre junho e dezembro, é o que movimenta a economia local. O fruto garante o salário dos ribeirinhos no período, que vendem para intermediários ou empresas que exportam ou fabricam produtos alimentícios ou cosméticos, por exemplo.

No restante do ano, dedicam-se à pesca ou à produção de farinha de mandioca ou tapioca. Muitos, porém, não possuem os recursos para produzir além do necessário para a alimentação de sua família.

A baixa renda da população local somada à sazonalidade do açaí faz com que o aumento prometido pelo Auxílio Brasil traga a expectativa de melhora nas condições de vida dos moradores da cidade, avalia Danilo Araújo Fernandes, professor e coordenador da pós-graduação em economia da UFPA (Universidade Federal do Pará).

Programas de transferência de renda são o que garante a estabilidade dos ribeirinhos e, por isso, o aumento tem impacto significativo nas famílias e no município, explica o professor. Por viverem à base da economia informal, os recursos provenientes destes programas são os principais motores do comércio local.

"Quando você pega a circulação de renda do município, o conjunto de benefícios faz diferença. A reforma da Previdência, por exemplo, vai gerar receita a longo prazo, por que a reforma demora um tempo para ter efeito concreto. Agora o Bolsa Família, o auxílio emergencial tem efeito imediato", explica Fernandes.

Embora o valor seja insuficiente, o programa manteve os pagamentos constantes durante a pandemia de Covid-19. Por dar acesso automático ao auxílio emergencial, aqueceu o comércio da cidade e fez 2020 se destacar em faturamento.

No Mercantil Ágape, os itens mais vendidos são ovo, café, açúcar, arroz, feijão e mortadela. No ano passado, Cleudison Matos Bitencourt, 39, viu suas vendas crescerem com o pagamento do auxílio emergencial. Depois, com a diminuição do valor e o aumento no preço da carne, deixou de vender diversos itens no açougue, hoje abastecido principalmente com frango.

A expectativa com a mudança no valor do benefício é "ótima", diz Bitencourt. Ele prevê que as vendas vão crescer, as pessoas vão dever menos e o mercado vai até poder voltar a comercializar carne vermelha.

"Acredito que, com esse aumento, vai melhorar bastante a nossa venda. Até porque a gente nota a diferença quando está no período de pagamento do Bolsa Família. A gente vê que muda nossa venda", conta.

Maria Isabel Firmino Siqueira, 44, dona da loja de roupas Ponto da Moda, também sentiu o comércio melhorar de forma significativa com o auxílio emergencial. Ela crê na melhora das vendas com o reajuste promovido pelo Auxílio Brasil, mas com o aumento do preço dos alimentos, não sabe até que ponto as pessoas conseguirão renovar seus vestuários.

"O povo precisa comer, se alimentar e a alimentação tá muito cara", diz. "Ano passado foi bom, impressionante com os R$ 600. Compravam bastante. Esse ano nada, nem a prazo."

O pesquisador do Made-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo), Matias Cardomingo, enxerga o incremento como uma ampliação do Bolsa Família. Pondera, porém, que o fim do auxílio emergencial –que teve os pagamentos regulares finalizado em outubro– gera uma diminuição na renda imediata de famílias, mas ainda há benefícios em relação ao valor médio pago anteriormente.

"Ainda que tenhamos uma crítica relevante com relação ao desenho do programa, pois ele insere uma série de novos benefícios e acaba não especificando de que maneiras esses benefícios vão competir entre si dentro do mesmo orçamento, o valor do benefício tem uma ampliação relevante com relação ao Bolsa Família", diz.

Colaborou Isabella Menon

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