Bolsonaro quer sancionar desoneração da folha, mas Economia cobra compensação tributária

Segundo técnicos, presidente pode ser acusado de crime de responsabilidade se não cumprir LRF

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (PL) quer sancionar antes do fim do ano o projeto de lei que prorroga a desoneração da folha de pagamento de 17 setores, mas o Ministério da Economia vê necessidade de compensar a medida com aumento de tributos, o que abriu um impasse dentro do governo.

A desoneração acabaria no fim deste ano, mas os empresários pressionaram, e o Congresso estendeu a política até o final de 2023. O prazo para a sanção do projeto de lei é 5 de janeiro de 2022.

A renúncia anual é calculada em cerca de R$ 9 bilhões. O parecer das receitas no Orçamento de 2022, no entanto, foi aprovado sem essa estimativa, daí a necessidade de compensação para atender aos requisitos da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Segundo apurou a Folha, o governo avalia um cardápio de medidas que inclui prorrogar o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre operações de crédito e manter a maior taxação sobre os bancos.

A alta do IOF foi idealizada para bancar a ampliação permanente do Auxílio Brasil neste ano. Por isso, o decreto editado em setembro prevê que a medida valeria até 31 de dezembro. Com o impasse da desoneração, a sobretaxa sobre operações de crédito precisaria ser estendida até o fim de 2022.

A manutenção do IOF maior deve render uma arrecadação extra de mais de R$ 5 bilhões em 2022. O valor é insuficiente para compensar sozinho a extensão da desoneração da folha. Por isso, o governo também estuda manter a taxação maior sobre bancos.

Em março, Bolsonaro elevou a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) sobre essas instituições, de 20% para 25%. Na época, a medida compensou a decisão de zerar tributos federais sobre diesel e gás de cozinha. O prazo da medida também seria 31 de dezembro deste ano.

Caso a alíquota seja mantida em 25%, a arrecadação com essa iniciativa pode superar os R$ 3 bilhões. No entanto, não se descarta a adoção de uma alíquota intermediária, uma vez que o setor já reagiu fortemente ao aumento recente.

Para técnicos da área econômica, há ainda muitas questões a serem decididas até sexta, prazo máximo para que as medidas legais sejam editadas a tempo de viabilizar a prorrogação da desoneração.

Embora o prazo de sanção seja 5 de janeiro, há um entendimento de que a sanção da lei que estende a política precisa sair até o fim do ano para evitar insegurança jurídica, uma vez que a desoneração atual só vigora até sexta.

Sem as medidas de compensação, segundo a Folha apurou, o presidente poderia ser acusado de cometer crime de responsabilidade, passível de impeachment.

O desenho final dos aumentos de tributos também vai depender da sanção ou veto de outros benefícios tributários inseridos pelo Congresso Nacional no Orçamento de 2022.

Caso Bolsonaro decida avalizar benefícios como a ampliação da isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) na compra de veículo por pessoa com deficiência, outras compensações precisarão ser adotadas.

Em entrevista coletiva nesta quarta-feira (29), o secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, confirmou a necessidade de haver compensação para a prorrogação da desoneração da folha.

​"Essa discussão realmente está sendo feita. Havia decisão do presidente da República de ter essa desoneração. Ainda tem que ser definido, mas certamente terá que ter compensação, com receitas ou despesas. Haverá uma discussão ainda nesse sentido", informou Valle.

Sem citar diretamente o IOF ou a taxação dos bancos, o secretário mencionou a possibilidade de "postergar alguma redução de imposto" para cumprir as exigências legais.

No decreto de setembro, o governo aumentou a alíquota anual do IOF de 1,5% para 2,04% para pessoas jurídicas. Isso representa uma alta na alíquota diária de 0,0041% para 0,00559%.

No caso das pessoas físicas, a alíquota anual passou de 3% para 4,08%. A alíquota diária, portanto, subiu de 0,0082% para 0,01118%.

O impasse apontado pelos técnicos do Ministério da Economia para a sanção da desoneração da folha deflagrou reação entre parlamentares que apoiam a medida.

O deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que foi relator da proposta na Câmara dos Deputados, disse haver uma decisão no governo de antecipar a sanção presidencial, que seria publicada até sexta-feira (31).

A tese é a de que, com a sanção ainda em 2021, a prorrogação significaria uma continuidade da política já existente, não uma nova renúncia. Isso, segundo os deputados, daria segurança jurídica ao presidente para assinar a lei.

"Para nós, o que interessa é o acordo político ser cumprido", disse Goergen.

O deputado afirmou que conversou com o relator do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que também discute o assunto com o governo. Goergen divulgou um áudio em que Leal relata as negociações políticas para a sanção do projeto.

"Estive em Brasília até ontem à noite [terça-feira, 28], em reunião não só com área de economia, mas também com a área política do Palácio do Planalto. A indicação é para a sanção do projeto da desoneração da folha, por ser importante", disse o relator do Orçamento.

"Há entendimento de todas as partes de que, se for sancionado até o dia 31, não corresponde a um novo diferimento, um novo pedido desse tipo de desoneração. Seria uma continuação dessa desoneração, então não precisaria fazer todas as justificativas, inclusive apontando de onde viriam as compensações. Esse é um quadro técnico resolvido", afirmou Leal.

Segundo o relator do Orçamento, não haverá "nenhum impedimento" à prorrogação da desoneração.

A tese defendida pelos políticos é vista com cautela na área econômica, uma vez que outras prorrogações da desoneração da folha foram compensadas ou incluídas previamente no Orçamento.

A desoneração da folha é um mecanismo que permite às empresas dos setores beneficiados pagarem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários.

A permissão foi criada há dez anos como forma de reduzir os custos sobre a contratação de mão de obra para alguns setores. De lá para cá, a política passou por um processo de expansão e, mais recentemente, redução de seu alcance. Atualmente, 17 setores ainda são beneficiados.

Os setores alcançados pela medida são os de calçados, call center, comunicação, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.

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