Bancada evangélica consegue isenção de IPTU para templos alugados, mas é derrotada em jogos de azar

Deputados votam urgência de projeto que legaliza cassino, bingo e jogo do bicho

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Brasília

A Câmara votou nesta quinta-feira (16) um requerimento que acelera o projeto que legaliza jogos de azar, como o jogo do bicho, bingo e cassino, desagradando evangélicos e católicos, mas também fez um aceno às bancadas ao aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que isenta de IPTU imóveis alugados por templos religiosos.

A urgência dos jogos foi aprovada por 293 votos a 138 —precisava de pelo menos 257. O texto já poderia ser votado pelo plenário, mas, segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), isso só deve ocorrer em fevereiro.

Lira afirmou que, para votar a urgência, houve uma composição com integrantes da oposição. Após o requerimento, seria apreciada uma PEC que prevê a não incidência de IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) sobre templos de qualquer culto, ainda que as entidades abrangidas pela imunidade tributária sejam apenas locatárias do bem imóvel.

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Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília - Pedro Ladeira - 24.nov.2021/Folhapress

A PEC foi aprovada em primeiro turno por 393 votos a 37 —eram necessários ao menos 308 votos. No segundo, recebeu 376 votos favoráveis e 30 contrários. Como veio do Senado, a PEC segue para promulgação.

O presidente da Câmara negou qualquer relação entre as duas votações. "Na lista dos projetos prioritários da Frente Parlamentar Evangélica está a PEC 200. Nenhum compromisso vincula ela ao PL dos jogos. Nem pelo representante, presidente da frente parlamentar, nem por nenhum membro da frente parlamentar evangélica a quem eu tenho o maior respeito, consideração e gratidão", disse.

Vice-presidente da Câmara, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) defendeu a aprovação do texto. "O que essa PEC diz é que, ainda que a igreja não seja proprietária do templo, portanto, que seja um templo locado, há imunidade em relação ao pagamento do IPTU", disse. "Eu acho que nós vamos colocar na Constituição o que já é uma tendência na jurisprudência e reafirmar o que diz a Constituição no que diz respeito a imunidade tributária das igrejas."

O líder da minoria na Câmara, deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), negou ter havido um acordo vinculando um texto ao outro. "Não [é um acordo], até porque os evangélicos votaram contra [a urgência da legalização dos jogos]. Eu votei contra também, e essa PEC é uma PEC que a maioria é favorável, porque já está na Constituição, já está no Código Tributário. Particularmente, não vejo como acordo."

Antes da aprovação da urgência do projeto sobre jogos de azar, Lira defendeu a discussão da legalização. "No Brasil, é uma questão que vem sendo debatida há muito tempo, e tem que ser feita às claras, tem que ser feita com muito debate, com todos os convergentes e divergentes", disse. "Aí nós vamos ter a oportunidade de saber quem quer que o jogo continue sendo ilegal no Brasil como é hoje."

Lira afirmou que "todos nós sabemos" que há jogo no Brasil. "Mas tem que existir na clandestinidade, para continuar sem gerar empregos formais no Brasil, sem pagar mais ou menos R$ 20 a R$ 25 bilhões de impostos para o povo brasileiro?", questionou.

"Há propostas de acordo de se discutir à exaustão e parar na discussão e voltar com a votação do mérito para fevereiro, é possível."

O projeto original de jogos de azar, do deputado Renato Vianna (MDB-SC), é de 1991. O texto autoriza, entre outras coisas, a exploração de jogos de azar em todo o território nacional, "como instrumento de desenvolvimento social e econômico".

O relatório ficou a cargo do deputado Felipe Carreras (PSB-PE). Ele aproveitou partes do substitutivo aprovado em 2016 pela comissão especial que avaliou o mérito do texto.

A intenção do relator é regulamentar a exploração de jogos de cassino, bingo, jogo do bicho, apostas de cota fixa, turfe (corrida de cavalo) e jogos de habilidade.

Segundo ele, a ideia é criar um sistema nacional de jogos de aposta. "Estamos pegando exemplos de segurança, confiabilidade e de jogo responsável no mundo para blindar tentativa de uso do jogo para lavagem de dinheiro e pelo crime organizado", disse.

Carreras afirmou que será criado registro de jogadores para ajudar a identificar apostadores compulsivos. Nenhum jogador poderá participar de jogo ou aposta sem se cadastrar.

"O jogo está acontecendo, sobretudo no ambiente virtual. O Brasil não arrecada nada, não está gerando emprego e é urgente que o Parlamento e o poder público criem ferramentas para gerar oportunidades e emprego para o povo", defendeu.

O mercado será regulado e supervisionado pela União, por meio de órgão regulador e supervisor federal a ser definido em lei própria.

O projeto cria a Cide-Jogos, com alíquota de 20% sobre a receita bruta decorrente da exploração de todos os jogos dos cassinos, 20% sobre receita bruta de jogos online e de 10% sobre a receita bruta auferida em decorrência da exploração de jogos em estabelecimentos físicos credenciados.

Para prêmios iguais ou acima de R$ 10 mil, haveria tributação de IR de 30% sobre o prêmio líquido para pessoas físicas.

Os recursos seriam distribuídos da seguinte forma, de acordo com o relatório: 4% para Embratur; 3% para financiamento de programas e ações na área do esporte; outros 3% para o financiamento de programas e ações de Politica Nacional de Proteção aos Jogadores e Apostadores.

Além disso, 3% de financiamento de programas e ações de defesa e proteção animal, 3% para financiamento dos programas e ações de saúde relacionadas a ludopatia (compulsão pelo jogo); mais 3% destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública; 3% ao fundo nacional da cultura; e 3% para o Fundo Nacional para a Criança e Adolescente.

Segundo o relatório, a União destinará 25% do produto da arrecadação da Cide-Jogos ao Fundo de Participação dos Estados e 50% ao Fundo de Participação dos Municípios.

De acordo com a minuta, seria criado um rol de "crimes contra o jogo e a aposta", para criminalizar a conduta de quem explora qualquer espécie de jogo, físico ou virtual, sem atender requisitos da regulação.

Também seria punido quem frauda o resultado do jogo ou aposta, permite que menor de 18 anos participe de jogos e quem realiza ou autoriza transações financeiras por meio de cartão de crédito, empréstimo ou outra espécie de financiamento com empresas ou sites estrangeiros na internet que explorem a atividade de jogos. Há ainda uma punição para quem dificulta a fiscalização.

A urgência do tema é contestada. Presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP) disse ser contra jogos de azar.

"E​u sou contra, a bancada evangélica é contra. Isso não impede que vá para a pauta, porque vivemos em um país democrático. Mas não podemos deixar esses projetos prosperarem nem na Câmara nem no Senado", afirmou.

Para ele, o Brasil não está preparado para a pauta. "O jogo de azar não cabe no Brasil, porque estimula a prostituição, estimula os mais pobres, aposentados, a gastarem seu dinheiro, a ficarem mais pobres", disse. "Nós, bancada evangélica e bancada católica, vamos obstruir."

O deputado disse que o lobby de grupo de empresários que quer explorar os jogos de azar é antigo.

"Eles acham que vai gerar emprego, pensam em pegar lugar no Nordeste e criar um resort", afirmou. "E eles estão certos, querem gerar renda, fazer crescer o país. Mas hoje eu não vejo a nossa população com essa base", afirmou.

GOVERNO SINALIZA APOIO À LIBERAÇÃO DE JOGOS DE AZAR

Já o governo sinaliza apoio à pauta. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o ministro Paulo Guedes (Economia) apoiou a liberação dos jogos de azar.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) já falou em transformar o município de Angra dos Reis (RJ) na "Cancún brasileira".

Em 1941 foi promulgada a Lei das Contravenções Penais, tornando o jogo ilegal. Em 1946, o general Eurico Gaspar Dutra, então presidente, fechou os cassinos e proibiu a prática ou exploração de jogos de azar, em que concorre só a sorte do jogador, e não sua habilidade.

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