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Condé Nast sabe que sua glória vai além de revista de moda como Vogue

Anna Wintour, que personifica sucesso da dinastia, lança agora seu futuro digital

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Katie Robertson
The New York Times

Anna Wintour, editora-chefe da revista Vogue desde 1988, conhecida por sua emblemática franja, pelos óculos escuros usados permanentemente e por seu gosto extremamente apurado, de muitas formas personifica a suntuosa história do grupo editorial Condé Nast como árbitro de estilo.

Agora ela está promovendo sua visão sobre o futuro da empresa, no qual o papel de editor-chefe que ela ajudou a definir se tornará relíquia, e a companhia passou a operar sob um código que inclui o lema "excepcional não quer dizer exclusivo".

"Acredito que o que existe de mais maravilhoso em trabalhar na mídia é a mudança constante, poder e ver as coisas em movimento", disse Wintour em entrevista nos escritórios, quase completamente vazios, da Condé Nast no One World Trade Center, em Manhattan. "Particularmente agora, quando as coisas acontecem tão rápido. Sim, as coisas eram ótimas no passado, mas o que acontecerá no futuro será ainda melhor".

Alguns empregados da Condé Nast não tinham certeza de que Wintour seria parte desse futuro. Em junho de 2020, trabalhadores da empresa perguntaram em uma reunião geral da empresa se ela estava saindo da companhia. Wintour se limitou a pedir desculpas por seu papel em uma cultura que muita gente diz ter desconsiderado as pessoas não brancas, em meio a um acerto de contas mais amplo com relação a questões raciais e de diversidade, tanto dentro da Condé Nast quanto no setor de mídia em geral.

Agnes Chu, presidente da Condé Nast Entertainment, Anna Wintour, diretora de conteúdo global da Condé Nast e editora da Vogue dos EUA, e Roger Lynch, presidente-executivo da Condé Nast, em Nova York, EUA - Dana Scruggs - 20.out.2021/The New York Times

Wintour não pretendia sair. De lá para cá, ela foi promovida a vice-presidente mundial de conteúdo e está comandando uma ampla transformação da empresa, na qual os executivos tentam deixar para trás o legado da Condé Nast como a mais importante editora de revistas dos últimos 100 anos, uma era em que a empresa levou ao apogeu sua forma característica de elitismo e não economizava dinheiro em suas produções.

Conversei com Wintour (que estava de óculos escuros) e com Roger Lynch, o presidente-executivo da Condé Nast, em um dia frio de outono, para ouvir o que eles tinham a dizer sobre a nova Condé.

Há muito mais que a sobrevivência financeira da companhia em jogo. Além da angústia existencial de todos os gigantes da velha mídia quanto a se é possível manter a relevância, há uma questão maior: a Condé Nast terá capacidade, agora que está sob pressão, para tomar medidas reais que corrijam uma cultura que muitos empregados descrevem como um ambiente difícil para o sucesso de pessoas não brancas, e um conteúdo que no passado dava prioridade a um padrão eurocêntrico de beleza? Será que uma instituição que prosperou dedicando imensa atenção ao superficial será capaz de realizar uma mudança profunda?

O período vem sendo indubitavelmente difícil para o setor de revistas. A publicidade em mídia impressa despencou nos últimos 15 anos e as audiências já não confiam mais nas marcas tradicionais a fim de lhes dizer o que está na moda. Nos últimos anos, as operações da Condé Nast vêm registrando déficits anuais de mais de US$ 100 milhões (R$ 568,7 mi).

Em 2018, a empresa anunciou que combinaria suas operações americanas com as da empresa irmã, Condé Nast International, e criaria uma companhia mundial. Os dois negócios haviam operado de maneira quase completamente separada no passado, com as edições europeias da Vogue e as edições asiáticas da GQ tendo pouco em comum cm suas contrapartes americanas. As publicações do grupo muitas vezes competiam pelos mesmos anunciantes e pelas mesmas estrelas para ocupar suas capas. Lynch foi apontado como presidente-executivo da nova companhia unificada em 2019 a fim de comandar a fusão, que envolveria uma consolidação das operações de apoio a fim de economizar dinheiro.

"Roger encontrou uma companhia que enfrentava uma situação realmente difícil em termos de faturamento", disse Steven Newhose, presidente da Advance Publications, a controladora da Condé Nast, e membro da família bilionária que controla a Advance há quase 100 anos.

"A menos que desejemos ficar com cara de museu, era preciso mudar, e mudar de maneira bem radical", ele disse.

Nos últimos 12 meses, Wintour vem se concentrando no próximo passo do processo: transformar sete das maiores publicações da Condé Nast —Vogue, GQ, Wired, Architectural Digest, Vanity Fair, Condé Nast Traveler e Glamour— em revistas mundiais, cada qual sob um líder, cortando custos e enxugando o processo de compartilhamento de conteúdo.

"Em lugar de termos 27 Vogues ou 10 Vogues perseguindo a mesma história, teremos uma Vogue mundial para cobri-la", disse Wintour. "Com isso, o que teremos será uma espécie de redação mundial com núcleos diferentes".

A mudança de foco de local para mundial não foi bem aceita em toda parte. Tina Brown, ex-editora chefe das revistas New Yorker e Vanity Fair, detonou o plano e o definiu como "suicida", em uma entrevista ao Times de Londres em agosto.

"Obviamente existem algumas histórias para as quais o modelo vai funcionar, especialmente se você pensar em moda, que é uma linguagem mundial, e música, e, portanto, existem artigos que funcionarão em todos os territórios, mas também haverá histórias que de maneira alguma funcionarão", disse Wintour. "É algo de que estamos muito cientes".

Wintour também está garantindo que a probabilidade de que surjam novas Anna Wintours seja pequena – é o fim da era dos editores-chefes imperiais, cada qual com seu feudo, uma posição que ela mesma ajudou a criar como uma guardiã elegante, mas exigente da moda e da cultura. As marcas agora são comandadas por "diretores editoriais mundiais", a maior parte dos quais radicados em Nova York, com chefes regionais de conteúdo se reportando a eles.

"Antes, você criava artigos para publicação, a revista saía uma vez por mês e estava tudo ótimo", ela disse, descrevendo o velho domínio de um editor-chefe. Agora, os diretores editoriais mundiais e os chefes de conteúdo trabalham em múltiplas plataformas que incluem "vídeos digitais, curtos e longos, eventos sociais, empreitadas filantrópicas, parcerias, consumo, comércio eletrônico", disse Wintour.

"Muitos mundos diferentes estão envolvidos", ela acrescentou. "Sinceramente, quem é que iria querer esse posto?"

Agnes Chu, Anna Wintour e Roger Lynch - Dana Scruggs - 20.out.2021/The New York Times

Os executivos da Condé Nast estão, em boa medida, tentando desesperadamente deixar para trás os suntuosos dias de glória do passado. Ninguém quer concentrar suas atenções nas limusines, nas contas de despesas épicas ou nas legiões de assistentes que acompanhavam seus postos nos anos dourados da empresa.

Wintour diz não sentir qualquer apego sentimental ao passado, e está servindo como exemplo de liderança ao deixar para trás a velha Condé. Mas, ao falar sobre a questão dos bons e velhos dias comparados ao presente, ela deixa transparecer alguma nostalgia. Wintour recordou sua indicação de Hamish Bowles para o posto de editor-chefe da revista World of Interiors, a influente publicação de design da Condé Nast.

"O que me veio à cabeça quando estávamos procurando a pessoa para aquele papel é que estávamos falando de um título que as pessoas arquivam e guardam, é uma publicação da melhor qualidade, uma revista incrível, e é como que a porta-estandarte daquele mundo específico", ela disse.

"A sensação é que a mídia impressa é a nossa passarela", ela disse, acrescentando que "as revistas deveriam ser objetos de coleção. Deveriam ser coisas que as pessoas desejam guardar".

Mas os dias da mídia impressa em geral ficaram no passado. Lynch descreveu sua empresa para mim como "uma companhia majoritariamente digital", com mais dinheiro vindo da publicidade digital do que da mídia impressa. Mas ele está ansioso por reduzir a dependência de publicidade de qualquer tipo, e por cultivar outras fontes de receita. No momento, a maioria da receita da Condé Nast vem da publicidade; a receita gerada pelo consumo (abarcando assinaturas, associados e comércio eletrônico) responde por 25%.

Os executivos também mencionaram ter a capacidade de executar planos mundiais de mídia social, agora, a fim de distribuir entrevistas e ensaios de moda com celebridades que tenham apelo internacional, como uma capa que destacou Adele nas edições americanas e britânica da Vogue no mesmo mês.

A nova estratégia talvez pareça uma forma de traduzir para a web os velhos sucessos do passado, o que mostra a lentidão com que a empresa adaptou suas revistas ao mundo digital.

Janice Min, executiva de mídia e ex-editora chefe das revistas The Hollywood Reporter e Us Weekly, disse que as revistas da Condé Nast e publicações semelhantes estavam tentando encontrar um ponto de equilíbrio entre ter escala suficiente para competir com o Google e o Facebook na busca de anunciantes e a manutenção da audiência "certa" para atrair esses anunciantes.

"Acho que, sem aquele perfume de elitismo, aquela velha forma de ver o mundo de cima para baixo e dizer às pessoas o que elas devem vestir e o que elas devem pensar, a Condé Nast corre o risco de se transformar em só mais uma fábrica de conteúdo genérico na web", ela disse.

A empresa adotou o "Condé Code" em setembro de 2020, um conjunto de valores com cinco áreas que afirma que "a diversidade é nossa força", como parte de seus esforços para lidar com as preocupações referentes ao racismo. Mais ou menos na mesma época, foi contratada uma vice-presidente mundial de diversidade e inclusão, Yashica Olden, e a empresa divulgou seu primeiro relatório de diversidade. (Um porta-voz da Condé Nast disse que um segundo relatório seria divulgado no começo do ano que vem. Cerca de 40% dos novos contratados da companhia em 2020 e por volta de metade de seus principais editores nos Estados Unidos são pessoas não brancas, acrescentou o porta-voz).

Ao mesmo tempo, empregados da companhia estão batalhando por mudanças mais amplas. Quatro publicações do grupo Condé Nast - The New Yorker, Wired, Ars Technica e Pitchfork –se sindicalizaram nos dois últimos anos, aderindo à NewsGuild, que também representa empregados do The New York Times e de outras organizações de mídia. A Condé Nast recentemente chegou a um acordo quanto a contratos coletivos com três sindicatos de seus empregados, depois de negociações contenciosas e públicas que incluíram um protesto diante da casa de Wintour em Greenwich Village.

Agora, empregados das demais publicações da empresa, entre as quais a Vogue, estão se organizando e planejam anunciar em breve a formação de um sindicato, de acordo com dois atuais funcionários da Condé Nast e com um ex-empregado.

Agora que os empregados da companhia estão começando a voltar aos escritórios, um retorno completamente voluntário, eles estão encontrando uma empresa estruturada de modo diferente de sua organização anterior à pandemia. E também estão descobrindo que Wintour, 72, resistiu a todos os rumores de uma saída iminente de seu posto, consolidou seu poder e está no escritório quase todos os dias.

"No momento, meu foco é o hoje", ela disse, quando perguntada se tinha planos de deixar a empresa em breve.

"Ela não está autorizada a se aposentar antes de mim", interrompeu Lynch, rindo.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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