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Documentário 'Confisco' revive trauma nacional com perda da poupança no Plano Collor

Filme revela amadorismo e sequelas das medidas e como é necessário garantir aos poupadores a reparação por suas perdas

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Alexandre Berthe

Advogado

O documentário "Confisco", que conta a história do bloqueio de contas bancárias e da poupança no segundo dia do governo Fernando Collor de Mello, consegue o que parecia improvável a esta altura do tempo: reviver sentimentos latentes em milhares de brasileiros que foram atingidos pelo desastroso pacote.

No entanto, peca por não aprofundar os inúmeros reflexos jurídicos das medidas.

Anunciado em 16 de março de 1990 com a pretensão de segurar a inflação, que batia em 80% ao mês, o chamado Plano Collor teve como efeito prático literalmente quebrar um número nunca contabilizado de famílias e empresas.

Cena do documentario 'Confisco', que esta disponivel no HBO MAX. Zelia Cardoso de Mello - Reprodução

Passadas três décadas, há 600 mil processos relacionados ao tema —suspensos e sem previsão de julgamento— que prorrogam a angústia.

Boa parte das demandas do confisco ainda aguarda decisões definitivas até no Supremo, ao lado de processos que abarcam outros planos, como Bresser e Verão. Vários poupadores que dependem dessas decisões judiciais já morreram ou ainda vão morrer sem serem devidamente ressarcidos.

As cenas e os depoimentos envolvem o espectador em sucessivos relatos que demonstram como a perda daquelas economias afeta a vida da população até os dias atuais.

O auge do documentário talvez esteja na elucidação de falas da então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Entrevistas concedidas na época, especialmente à jornalista Lillian Witte Fibe, deixam claro que o Plano Collor, ainda que tivesse algum lastro técnico, foi implantado e executado de forma extremamente amadora. Fica-se com a sensação de que parte de seu fracasso, e dos prejuízos que provou, foi resultado justamente dessa falha original.

A maior demonstração desse equívoco primordial é que a equipe econômica não pensou previamente em regras que pudessem balizar o impacto das medidas sobre situações naturais do cotidiano.

Ninguém sabia como as empresas pagariam a seus funcionários, como proceder diante de prejuízos causados nas relações comerciais que estavam estabelecidas ou já iniciadas e outras tantas situações que acabaram culminando em milhares de pedidos administrativos para liberação de valores, muitas retratadas no documentário da HBO Max.

Pessoas fazem fila na Justiça Federal para pedir liberação do dinheiro retido nos bancos após o Plano Collor - Matuiti Mayezo - 29.jan.1991/Folhapress

Além disso, fica claro que os criadores do plano fecharam os olhos para a realidade nacional. Não levaram em consideração que o risco de revés econômico provocado pelo confisco em um país tão desigual cultural e financeiramente como o Brasil poderia ter sérias repercussões negativas principalmente para os mais pobres —como de fato ocorreu.

A narrativa da família de um caminhoneiro sobre a reviravolta provocada pelo confisco exemplifica bem as cicatrizes emocionais e financeiras criadas naquele momento há mais de 30 anos.

O documentário também demonstra os efeitos da disparidade de informação e como ela ampliou a desigualdade socioeconômica do Brasil. Quem tinha mais conhecimento jurídico ou vínculos com entidades representativas conseguiu ingressar com ações judiciais solicitando os desbloqueios dos valores, ou seja, existiram brasileiros que buscaram seus direitos à época e tiveram a oportunidade de realizar bons negócios e transações comerciais, especialmente imobiliárias.

Essa parte privilegiada da população conseguiu fazer riqueza enquanto a maioria ficou sem acesso a economias de uma vida.

Há uma herança positiva daquele momento, que está retratada no documentário. A expansão do Idec, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. A reação da sociedade, que, ao se organizar em busca de seus direitos, conferiu notoriedade e representatividade à entidade, que se transformou em referência na luta pelos direitos dos poupadores.

Assim, mesmo com lacunas, "Confisco" é o documentário que melhor conseguiu reunir dados para demonstrar as sequelas do Plano Collor e como é necessário garantir aos poupadores a devida reparação por suas perdas.

Poupadores foram à Justiça reaver perdas


A partir dos anos 1990 a Justiça recebeu uma enxurrada de processos de poupadores que buscavam reparar as perdas dos planos econômicos. Ao longo de décadas os tribunais reconheceram, via ações individuais, coletivas ou civis públicas, o direito de milhares de brasileiros que tinham cadernetas nos planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991). Nem todas as ações foram vitoriosas e, em 2010 o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reduziu o acesso de quem não tinha pedido a revisão. O prazo para se beneficiar de ações civis públicas caiu de 20 para cinco anos, segundo o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). O STF (Supremo Tribunal Federal) homologou, em 2018, acordo para pagar as revisões, mas especialistas criticam os descontos. Três décadas depois, ainda há poupadores à espera do dinheiro.

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